Intervenção de

Acção executiva - Intervenção de João Oliveira na AR

Alteração do Código de Processo Civil, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e do Estatuto da Ordem dos Advogados, no que respeita à acção executiva

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Receio que a minha intervenção apenas concorde em dois pontos com as intervenções anteriores, sendo que o primeiro é a declaração de que, também eu, sou advogado, com a inscrição em vigor e as quotas e dia. O segundo ponto em que, certamente, concordamos tem a ver com o diagnóstico da situação em que se encontra actualmente a acção executiva.

É hoje praticamente unânime, em Portugal, a caracterização da acção executiva como uma fonte de problemas para a economia e um mau contributo para o funcionamento do sistema judicial. Os problemas não são novos, mas a situação que hoje vivemos resulta, essencialmente, da desadequação da reforma de 2003 à realidade e da sua péssima concretização.

O objectivo era o de simplificar e desjudicializar.

Com a introdução da inovadora figura do solicitador de execução, desempenhando funções públicas num quadro de desburocratização e simplificação processual, criou-se a ideia de que se daria à acção executiva a dinâmica e celeridade necessárias ao seu bom funcionamento.

Rapidamente essa ilusão se desfez!

Os tribunais não só foram «entupidos» com novas acções como não conseguiram dar seguimento à pendência acumulada. A lei previa a utilização de meios que não foram postos à disposição do sistema judicial. Enquanto isso, os cidadãos e as empresas intentavam acções que não tinham andamento e suportavam o aumento de custos decorrente no novo sistema.

Perante esta realidade, o Governo PS foi remendando aqui e ali a legislação, distribuiu os processos dos grandes centros pelos tribunais de todo o País e foi convidando os cidadãos a desistirem das acções intentadas, preocupado que estava em resolver o problema estatístico sem ter que reforçar os meios do sistema judicial.

É então que surge o pacto!

PS e PSD, tantas vezes unidos de facto nas políticas praticadas, assumem que, na área da justiça, há casamento e de papel passado!

O resultado do pacto na acção executiva é-nos agora apresentado na proposta de lei que discutimos. Para o PCP, as alterações ora propostas representam, afinal, o aprofundamento da reforma levada a cabo em 2003 naquilo que ela revelou ter de mais preocupante e negativo: o caminho de privatização da justiça.

As críticas que nos merecem as alterações em discussão (proposta de lei n.º 176/X) centram-se em três aspectos essenciais.

Em primeiro lugar, parece-nos perigosa a solução de libertar o agente de execução da dependência funcional do juiz para o colocar na dependência do exequente, aprofundando a privatização de funções que se revestem, por vezes, de carácter essencialmente público. Quando se prevê a possibilidade de livre destituição do agente de execução, criam-se as condições para que este actue sujeito às orientações e interesses do exequente, mesmo quando se lhe atribuem funções que impõem imparcialidade e isenção.

Com que garantias dos direitos do executado decorrerão as penhoras de bens móveis no seu domicílio, estando o agente de execução sujeito à ameaça de destituição pelo exequente? Com que liberdade irá o agente de execução decidir o requerimento apresentado pelo executado para redução ou isenção de penhora de rendimentos? Sujeitar-se-á o agente de execução a decidir livremente quando pende sobre ele a ameaça de destituição pelo exequente?

Um segundo aspecto que nos merece crítica diz respeito à introdução de mecanismos de resolução alternativa de litígios, os centros de arbitragem voluntária.

O texto da proposta de lei e as explicações dadas pelo Governo, em sede de audição na comissão parlamentar, não esclarecem o papel reservado à arbitragem neste âmbito. Aliás, a dificuldade dessa explicação é óbvia se tivermos em conta que, no âmbito do processo executivo, já existem direitos reconhecidos, já existe um título executivo e, na maior parte dos casos, existe já um mandatário que procura um acordo para dar execução ao título de que dispõe.

Fica assim a preocupação relativa aos contornos que virá a assumir a arbitragem, sobretudo se o seu afastamento por uma das partes tiver como consequência a responsabilização pelo pagamento de custas.

Um terceiro e último aspecto objecto de crítica é o da criação de listas de despojados de património. Esta medida é, aliás, uma boa caricatura deste Governo e deste PS que pactua com o PSD: corajosos a propor listas públicas de quem não tem bens para pagar dívidas, mas temerosos no levantamento do sigilo bancário para combater o enriquecimento ilícito e a corrupção.

Para terminar, duas preocupações quanto à constitucionalidade de normas propostas no Decreto autorizado.

A primeira, relativa à alteração proposta para o artigo 824.º do Código de Processo Civil, na medida em que atribuir ao agente de execução competência para decidir numa situação em que existe conflito de interesses pode pôr em causa o princípio de reserva de jurisdição por se atribuírem funções jurisdicionais a quem não é juiz.

A segunda, relativamente à norma do artigo 13.º do Decreto autorizado, que prevê a regulamentação por portaria de matéria compreendida na reserva relativa de competência da Assembleia da República, uma vez que se trata da organização de entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Por falta de tempo, não por falta de oportunidade, fica aqui por discutir a questão que determina a eficácia desta e de qualquer outra reforma processual, a questão dos meios ao dispor do sistema judicial.

Perante esta impossibilidade, diremos apenas que nenhuma promessa de reforço de meios (sem concretização) poderá iludir o carácter profundamente negativo destas propostas que agravam o sentido de privatização do processo executivo.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Justiça:

A acusação que aqui fez ao PCP é, manifestamente, infundada. E é, manifestamente, infundada, antes de mais porque aquilo que o Governo se propõe fazer com o decreto autorizado que nos trouxe aqui é esconder para uma portaria matéria, que nós entendemos que é do profundo interesse da Assembleia da República poder discutir, sobre como se vão organizar estas questões da arbitragem e da comissão fiscalizadora da arbitragem. Daí que tenhamos levantado este problema da inconstitucionalidade. Se confrontar a proposta de lei com a alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição - fica a nota - verificará, como, certamente, já terá verificado, que é, manifestamente, inconstitucional a proposta apresentada.

Mas, se o Governo reconhece esta questão e se propõe clarificá-la, ainda bem.

Agora, acusar o PCP de querer obstaculizar a celeridade processual da acção executiva é que não faz qualquer sentido, Sr. Secretário de Estado. Aliás, é digno de nota que só ao fim de três anos de exercício de funções é que este Governo traz à Assembleia da República uma proposta de lei com soluções que, afinal, reconhece que são tão óbvias. Mas, se eram tão óbvias, porque é que estiveram à espera estes três anos, Sr. Secretário de Estado? Afinal não somos nós que obstaculizamos a celeridade processual da acção executiva!

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