"92 anos duma escola e da sua associação de estudantes" - António Abreu na "Capital"

Fui há dias convidado pela direcção da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico para uma conferência comemorativa do seu 92º aniversário.

Com o Carlos Pimenta e os professores Bernardo Herold, Romão Dias, o presidente do IST e o Reitor, todos, em épocas diferentes, contemporâneos ou protagonistas de importantes momentos do movimento associativo na escola, e o actual presidente da AEIST, passamos em revista experiências, curiosidades, apreciações sobre uma Associação de Estudantes que foi, durante muitos anos, o elo mais forte dum movimento associativo e estudantil muito diversificado e em expansão na cidade.

Nesse dia a associação lançou o seu site www.aeist.pt..

Esta importância da AEIST existiu pela força e mobilização dos seus estudantes mas também pela sua capacidade económica. Assegurou essa participação estudantil, elegendo delegados e comissões de curso e fazendo funcionar uma Junta de Delegados mas também estabelecendo novas relações com os trabalhadores da própria AEIST, que sempre souberam ombrear connosco nas nossas lutas, sempre defenderam e apoiaram os “seus” estudantes.

No período em que lá andei, assisti ao florescimento da prática desportiva em diversas modalidades, desde o voleibol em que fomos campeões ao aeromodelismo, de debates, cursos, exposições e painéis informativos. Foi uma época em que se combateu o “gineceu” e se romperam tabus comportamentais. Se criaram e desenvolveram a Sonora, o Turismo, a Cantina, a Papelaria, as Secções Cultural, Pedagógica e Social, o Grupo Cénico. A Secção de Folhas, fundada por João Cunha Serra, posterior bastonário da Ordem, tornou-se numa verdadeira editorial, mantendo a edição da revista Técnica e das sebentas de apoio às matérias leccionadas e cedidas por professores e assistentes e ainda a impressão de tantos comunicados aos estudantes e à população, ou o binómio, o aeist ou os Esteiros. No lar da AEIST (República da Desordem dos Engenheiros) muitos estudantes de outros pontos do país tiveram a sua casa, centro de convívios e de animação de uma actividade democrática.

Quase todos os grandes nomes da canção popular e de protesto, de Portugal e Espanha aí passaram. Estimularam-se os estudos sociais. Adquiriu-se a noção da importância do trabalho, do valor acrescentado, da redistribuição da mais-valia, das contradições sociais e de uma postura científica perante elas.

Das instalações da AEIST e escadarias saíram centenas de estudantes para acorrer às necessidades decorrentes das trágicas inundações de Novembro de 67. Lá se imprimiu o Solidariedade Estudantil, distribuído às populações incluindo as sinistradas. O Presidente da AEIST foi então chamado à PIDE.

Foram muitas as dezenas de estudantes vítimas de processos disciplinares, expulsões, prisões e mandatos de captura não concretizados, de interrogatórios e torturas na PIDE de Salazar e Caetano.

Foram muitas as greves, os encerramentos da escola ou da AEIST. Foi a ocupação policial, as manifestações reprimidas pela Alameda abaixo, os mini-comícios nos Cafés Império, Capri, Londres e Mexicana.

No dia 25 de Abril o IST estava uma vez mais fechado mas, a 26, o presidente da AEIST, saído da cadeia, reabriu a Associação à frente de muitos estudantes.

O Técnico foi uma das pequenas “ilhas” onde se impôs uma liberdade, relativa é certo, mas que decorria das contradições entre os nossos ideais humanistas com o fascismo, a guerra, o obscurantismo, o ensino caduco. E aí floresceu o questionar das aulas magistrais, o trabalho de grupo, a discussão das reformas. Os fascistas andavam na clandestinidade, faziam comunicados não assinados. Eram os “bufos” que encontramos citados nos relatórios da PIDE depois do 25 de Abril.

Os estudantes do Técnico, incluindo os que vinham da Academia Militar, tiveram ali uma oportunidade de politização que se revelou tão importante no Movimento das Forças Armadas e nas responsabilidades que vários deles desempenharam na revolta libertadora.

Mas a politização da actividade associativa, retirando algumas crispações do debate interno “à esquerda”, era uma politização sustentada, compreendida e aceite pelos estudantes mesmo pelos que optavam por um perfil menos combativo.

Os anos em que lá andei foram anos de grandes transformações no mundo, de acontecimentos num país a ferros, de mudanças de mentalidades. Tudo isso naturalmente nos marcou e à AEIST.

Vários de entre os estudantes mais combativos já nos deixaram como o José Bernardino, o João Sarmento ou o Brito. Quando celebramos estes 92 anos preenchemos esse vazio com a nossa homenagem.

E tudo rematou ainda melhor quando o actual “director” do IST, Matos Ferreira, ali anunciou o apoio à história da AEIST que já começou a ser escrita por vários de nós, no quadro da história do IST, que também se fará, e para a qual estão a trabalhar o Redol e o Valdez , entre outros, e a quem faremos chegar, de certeza, os elementos que ainda tivermos, para que ela possa ser escrita.

 

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