10 anos da Estratégia de Lisboa

Sobre a avaliação dos 10 anos da Estratégia de Lisboa e o documento de trabalho da CE relativo à estratégia “UE 2020”
   
Está em discussão pública, até 15 de Janeiro próximo, o documento de trabalho da Comissão Europeia relativo à futura Estratégia “ UE 2020” com a qual pretendem substituir a dita Estratégia de Lisboa, e que será apresentada ao Conselho da Primavera.

Escamoteando a necessidade de balanço da aplicação das medidas tomadas em nome da Estratégia de Lisboa e do grau de concretização dos objectivos então proclamados, certamente por que nenhum foi concretizado, o documento de trabalho reconhece que “há décadas que a Europa não vivia uma crise económica e financeira tão profunda, com uma contracção económica tão acentuada”. Mas, em vez de analisar as causas da situação e de retirar as consequências relativamente aos dois eixos fundamentais das políticas que seguiu na aplicação da referida Estratégia de Lisboa – liberalizações de sectores económicos, incluindo serviços, e flexibilidade laboral – a Comissão Europeia retoma essas orientações e insiste no seu aprofundamento e alargamento. Assim, afirma: “ A Estratégia UE 2020 é concebida para suceder à actual Estratégia de Lisboa que consubstanciou a estratégia da reforma da UE durante a última década e a ajudou a enfrentar a recente crise”.

Deste modo, fica claro que faz uma avaliação positiva da chamada Estratégia de Lisboa, aprovada há dez anos, esquecendo que prometia o oásis na União Europeia ao afirmar que, no espaço de dez anos, seria a “economia do conhecimento mais competitiva e avançada do mundo, a caminho do pleno emprego e da inclusão social”.

Ora se, infelizmente, o que temos é a maior crise económica e social das últimas décadas, para o que contribuíram as liberalizações e a flexibilidade laboral, criando trabalho precário e mal pago e multiplicando o desemprego, o que a Comissão Europeia reconhece como positivo só podem ser os lucros que tal estratégia possibilitou aos grupos económicos e financeiros e as possibilidades que abre de aumento da exploração através de maiores ataques aos direitos laborais e sociais, intensificando o ritmo de aplicação das medidas incluídas na Estratégia de Lisboa, seguindo de perto as recomendações da organização do patronato europeu “ Business Europa”.

Basta ver as consequências das liberalizações e privatizações em sectores estratégicos e em serviços públicos, designadamente nos serviços financeiros, na energia, nos transportes, correios e telecomunicações, a contínua desvalorização do trabalho com a multiplicação da precariedade do emprego, o agravamento do desemprego em mais de cinco milhões só num ano, ultrapassando já os 23 milhões de desempregados, com destaque para os jovens cuja taxa de desemprego se aproxima dos 21%, para verificar que os beneficiários da referida Estratégia de Lisboa não foram os trabalhadores e as populações.

Agora, a Comissão Europeia, em vez de rever o programa de liberalizações e suspender a aplicação de algumas directivas, designadamente da directiva de liberalização dos serviços, o que propõe é continuar todo o processo, afirmando, mesmo, que teremos “aumento do desemprego”, que “muitos dos postos de trabalho que foram suprimidos não serão substituídos”, que é necessário que “os défices do sector público estejam sob controlo e que a despesa pública seja reformulada na perspectiva da nossa visão para 2020”.

Isto significa que, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Comissão Europeia e o patronato europeu consideram que chegou o momento de impor aos Estados-membros, aos trabalhadores e às populações o acelerar do processo de destruição dos direitos sociais e laborais, das conquistas históricas dos trabalhadores e dos povos ao longo do século XX, com a justificação da interdependência, da globalização e da livre concorrência, incluindo das tecnologias, a que chamam a quinta liberdade. Ou seja, querem a imposição das patentes das multinacionais que conseguirem impor-se no mundo do conhecimento e da tecnologia, objectivo que há muito prosseguem em nome da Estratégia de Lisboa, mas que ainda não foi completamente conseguido graças à oposição dos trabalhadores e das correntes progressistas de diferentes países.

No documento apresentado, a Comissão Europeia considera que devem ser usadas as “parcerias público-privadas”, as normas e directivas necessárias, incluindo no “repensar dos sistemas educativos e dos mercados de trabalho”, e os orçamentos comunitários e dos Estados-membros, tudo ao serviço dos interesses dos grupos económicos e financeiros mais poderosos, para conseguirem uma economia competitiva num quadro de livre concorrência, mesmo que isso signifique a destruição de micro, pequenas e médias empresas dos vários sectores de actividade (industrial, agrícola, pescas e serviços) e maior desemprego. Eles sabem que mais desemprego facilita a mobilidade, o emprego de curta duração, a “flexigurança”, o chamado “emprego independente”, propostas que fazem para conseguirem a desvalorização do trabalho, a maior exploração e os menores direitos em protecção e segurança social.

Apesar de toda a habitual linguagem pseudo-técnica, própria dos políticos liberais que procuram alguma pincelada verde e social para escamotear as suas verdadeiras intenções, o documento é suficientemente claro quanto aos objectivos da Comissão Europeia, que quer “passar à prática: explorar os instrumentos existentes através de uma nova abordagem”.

Dez anos depois da chamada Estratégia de Lisboa, a Comissão Europeia esquece os objectivos então proclamados, considera que o desemprego vai continuar, dá maior visibilidade aos instrumentos preconizados e às orientações seguidas, embora mantenha algumas contradições para ainda tentar enganar alguns mais incautos. Pela nossa parte, não restam dúvidas quanto à resposta a tal estratégia. Mais uma vez afirmamos que o que se impõe é uma ruptura com tais políticas.

Tal como o PCP afirmou em Março de 2000, a Estratégia de Lisboa não criou mais empregos com direitos, não reduziu a pobreza e exclusão social nem aumentou o crescimento económico. O que conseguiu foi abrir caminho a uma maior concentração e centralização capitalistas, através de diversas directivas que facilitaram privatizações de sectores estratégicos da economia e a sua desregulamentação (serviços financeiros, energia, transportes e comunicações), ataques a fatias de serviços públicos essenciais que interessam ao capital em áreas como a saúde, segurança social, educação, cultura, justiça e tudo o que possa dar lucro, para o que já contam com a famigerada directiva Bolkestein.

Simultaneamente, em nome da maior flexibilidade laboral, insistiram na desregulamentação laboral, na dita “ flexigurança” e na proposta de alteração da directiva sobre organização e tempo de trabalho.

A experiência demonstrou que a nossa denúncia e a luta dos trabalhadores e das populações obrigaram a alguns recuos. Mas, agora, com o Tratado de Lisboa, a Comissão Europeia quer retomar a mesma estratégia neoliberal e, com o pretexto da crise e da globalização, quer ampliá-la ao comércio internacional e a autênticas políticas neo-coloniais, visando eliminar quaisquer impedimentos à livre circulação do capital, para facilitar o acesso dos grupos económicos e financeiros a novos mercados e a maiores lucros à custa da exploração dos trabalhadores e dos povos.   

O documento lançado pela Comissão Europeia sobre a estratégia para 2020 tem subjacente um perigosos programa de retrocesso de direitos na área laboral e no domínio social, além de persistir nos caminhos conhecidos da defesa da economia competitiva e da livre concorrência, o que irá agravar as desigualdades existentes, sabendo-se que as regiões e países com maiores dificuldades não poderão avançar numa economia cada vez mais competitiva.

O PCP reafirma a sua oposição a estas estratégias e insiste na necessidade de ruptura com estas políticas. Defendemos uma outra Europa de coesão económica e social, respeitadora dos direitos dos trabalhadores e dos povos, que aposte na produção e no emprego com direitos, que promova serviços públicos de qualidade, que respeite o direito soberanos dos povos a escolherem a sua opção em termos de organização económica, social e política, na defesa da paz e da cooperação com os povos de todo o mundo.     

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