Debate sobre a real incidência da taxa excepcional sobre os lucros das petrolíferas, anunciada pelo Primeiro-Ministro
Intervenção de Agostinho Lopes na AR
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Há um mês, Grupo Parlamentar do PCP entregou um projecto de resolução para responder à escalada do preço dos combustíveis. Entre as recomendações propostas, estava a criação de um imposto extraordinário sobre os lucros especulativos com origem no efeito de stock a cobrar trimestralmente.
Com a criação do imposto visavam-se dois resultados: a obtenção de uma receita fiscal extraordinária que contribuísse para a criação do gasóleo profissional, o reforço dos apoios para o gasóleo verde e a pressão sobre as petrolíferas para que fizessem reflectir esses lucros especulativos em moderação de preços dos combustíveis.
O Primeiro-Ministro, apesar de confrontado directamente com a proposta do PCP, nunca lhe fez qualquer referência.
Mesmo quando falou, desdenhosamente e sem qualquer consistência, das sete medidas do PCP para a crise, «esqueceu-se» de ler a relativa ao imposto extraordinário sobre os lucros especulativos das gasolineiras.
No debate do estado da Nação, o Primeiro-Ministro «descoseu-se» com o anúncio da denominada «taxa Robin dos Bosques».
Referiu o Sr. Primeiro-Ministro que o Governo tinha aprovado «uma proposta de lei para a criação de uma taxa excepcional...» - sublinho, excepcional - «...sobre as mais-valias potenciais das empresas petrolíferas resultantes da actual escalada de preços».
Disse também que a tributação autónoma seria de 25%, isto é, igual à taxa de IRC, o que logo contestámos e nos deixou desconfiados!
No mesmo dia, pudemos ler no Comunicado do Conselho de Ministros o seguinte: «Por outro lado, impõem-se os métodos do first in first out (FIFO) ou do custo médio ponderado (CMP) como critérios de valorimetria dos stocks de petróleo para efeitos fiscais. Assim, o ganho extraordinário entretanto obtido pela adopção deste critério passa a encontrar-se sujeito a uma tributação autónoma de 25% e...» - peço a vossa atenção, Srs. Deputados - «... garantindo, assim, a redistribuição de riqueza, através da implementação de um imposto extraordinário».
Cá estava o «Robin dos Bosques»!
Ainda que desconfiados, as palavras não davam lugar a dúvidas: «Redistribuição de riqueza». Era o «Robin dos Bosques» em acção!
Foi curta a ilusão, Srs. Deputados!
Nesse mesmo dia, em comunicado para efeitos do disposto no artigo 248.º do Código dos Valores Mobiliários, a GALP informava o mercado e o público em geral que: «Esta alteração proposta hoje em Conselho de Ministros, a nível de resultado líquido em IFRS (Internacional Financial Reporting Standards), não tem qualquer impacto, uma vez que a Galp Energia já reflecte nas suas demonstrações financeiras a aplicação do critério FIFO para valorimetria dos stocks com o respectivo efeito fiscal a ser contabilizado em impostos diferidos; a nível financeiro, considerando o novo critério de valorimetria dos stocks para efeitos fiscais, poderá implicar uma antecipação do pagamento de imposto que, a título de exemplo, à data de 31 de Março de 2008, corresponderia aproximadamente a 110 milhões de euros».
E para que não tivéssemos dúvidas de qualquer espécie, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garantia, com declarações transcritas no dia seguinte pelo Diário de Notícias (até hoje não desmentidas), que «a "taxa Robin dos Bosques" não terá qualquer impacto nos lucros das companhias e representa apenas uma antecipação do imposto a pagar de 110 milhões euros».
Ou seja, a «taxa Sócrates» para os lucros especulativos das petrolíferas é, como o «Robin dos Bosques», pura ficção!
O problema não é se a «carroça do ouro» ou as «carruagens da nobreza» são assaltadas quando entram na floresta, quando saem da floresta ou no meio da floresta. O problema é que o «ouro» atravessa incólume a floresta e o «Robin», para gáudio dos «xerifes», só roubou pechisbeque!
A audiência, ontem, do presidente da GALP, em sede da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, não esclareceu as dúvidas, o que poderia ter sido feito de forma simples: negando o comunicado da GALP, documento oficial enviado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
É necessário e urgente o esclarecimento do Governo. Senão estaremos perante uma fraude política monumental, com o Primeiro- Ministro a enganar a Assembleia da República e os portugueses.
Foi para obter esse esclarecimento que o PCP agendou este debate de actualidade.
Algumas questões devem hoje ser esclarecidas. Vai o Governo criar um novo imposto, diferente do IRC, ou trata-se apenas de um diploma que modifica a forma de custeio dos stocks para efeitos fiscais? Qual o acréscimo de receita fiscal, se se aplicasse a «taxa Sócrates», que, por exemplo, a GALP pagaria nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007? Qual o acréscimo de receita fiscal decorrente da «taxa Sócrates» no primeiro trimestre de 2008, para lá daquilo que pagaria como taxa normal de IRC, de 25%? Tem o Governo consciência que, na actual conjuntura de subida, a escolha para efeitos de custeio dos stocks de petróleo do custo médio ponderado, sempre mais elevado que o FIFO, significa menores lucros para efeitos fiscais, logo, possibilidade de maiores lucros para as petrolíferas, na medida em que continua a diferir a cobrança dos impostos?
Garante o Governo que a tributação autónoma proposta não acarretará uma redução da derrama e consequentes prejuízos para os municípios?
Finalmente, vai o Governo denunciar como errado, hoje, o comunicado da GALP à CMVM de 10 de Julho e corrigir as declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais?
Mas, se o vai fazer, porque não o fez até hoje?
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Esperamos que a «redistribuição» anunciada pelo Governo não se limite ao valor da diferença entre o resultado da aplicação da taxa de 25% e de uma taxa efectiva de IRC inferior a 25% (aquela que as empresas habitualmente pagam) sobre os lucros especulativos. Seria um escândalo!
Recordo que, em Itália, o que se decidiu foi aumentar a taxa de IRC de seis pontos percentuais, de 27% para 33%, sobre o volume global dos lucros.
A ENI fala de um impacto de 500 milhões de euros nos resultados anuais. Isto é, se cá fizermos o mesmo, pelo menos um accionista da GALP, certamente, já não estranhará.