«O ridículo» - Ilda Figueiredo no «Comércio do Porto»

Se houvesse um prémio pelo acto mais ridículo de um governo no plano internacional, certamente que o governo de Paulo Portas/Santana Lopes levaria a taça. É que não há outro exemplo europeu que se assemelhe à sua obstinação em impedir a entrada do barco holandês nas águas territoriais portuguesas e ao acto ridículo de mandar duas corvetas da marinha portuguesa vigiar um barco de seis ou quatro tripulantes, maioritariamente mulheres activistas empenhadas na defesa dos direitos das mulheres que, numa acção de solidariedade com as mulheres portuguesas, pretendiam realizar acções de sensibilização e informação sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

É uma clara violação dos direitos, liberdades e garantias, designadamente do direito de informação e de expressão, esta proibição do barco holandês da organização "Women on Waves" entrar nas nossas águas territoriais e acostar num porto português, dificultando, assim, a realização de debates e informação em matéria de direitos sexuais e reprodutivos que estavam previstos com mulheres, parlamentares e organizações portuguesas e europeias.

Tudo isto decorre desde o final do mês de Agosto. Até para se abastecer, o barco teve de ir a Espanha. Ao mesmo tempo, em Portugal, prossegue a perseguição judicial das mulheres que tenham de recorrer ao aborto clandestino, facto único nos Estados membros da União Europeia, tal como é única a proibição deste barco acostar no País onde se dirige. Como é conhecido, o barco já esteve na Irlanda e na Polónia sem qualquer problema, apesar destes países também terem legislações restritivas idênticas à portuguesa em matéria de aborto.

O facto da pílula RU-486 (pílula abortiva) não ser comercializada em Portugal (o que representa um claro atraso em matéria de saúde pública) não pode impedir que as mulheres portuguesas saibam que ela é autorizada pela Agência Europeia de Medicamentos e que se trata de um método não cirúrgico, seguro, que está acessível às mulheres, até às sete semanas de gestação, na maioria dos países da União Europeia, de que são exemplo a Espanha, França ou Reino Unido.

Registe-se que o actual quadro legal português não condiciona o direito das organizações a promoverem as acções que considerem adequadas de apoio às mulheres e pela mudança da lei repressiva existente em Portugal.

Não se pode aceitar que o Ministro Paulo Portas utilize o Governo e a Marinha Portuguesa para impor as suas convicções pessoais, as suas concepções moralistas.

O Parlamento Europeu, através da sua resolução de 3 de Julho de 2002, já apelou aos Estados membros para que acabem com as práticas repressivas e promovam campanhas de informação em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, na sequência da solidariedade internacional que desenvolvemos aquando do julgamento, na Maia, de 17 mulheres acusadas de práticas de aborto clandestino.

Vamos continuar a campanha de esclarecimento, apelando a todas e todos para que, independentemente da sua posição sobre o aborto, apoiem a alteração da actual lei que penaliza as mulheres, que as sujeita a julgamentos como se fossem criminosas, pondo em causa a sua dignidade.

É fundamental que se generalize o planeamento familiar e o acesso à contracepção como um direito de todas e de todos. Impõe-se que, finalmente, se generalize a educação sexual para impedir que Portugal continue nos primeiros lugares de alguns tristes recordes, designadamente das gravidezes de raparigas adolescentes. Mas impõe-se, igualmente, que se melhorem significativamente as políticas sociais para pôr cobro aos graves problemas de pobreza de que o crescimento do abandono de crianças é uma trágica consequência.