Intervenção

Intervenção de Rogério Reis sobre «Educação e Ensino», no Debate «A crise na União Europeia e em Portugal – A luta por uma alternativa»

Na sua senda de destruição das componentes sociais do estado, esta ofensiva do grande capital de espoliação dos trabalhadores e dos seus recursos não podia deixar incólume o sector da Educação e Ensino. Mas, em Portugal, este não é um sector com as características dos da generalidade dos demais países da Europa. O regime fascista de que Portugal foi pasto durante quase meio século, teve como consequência directa taxas de analfabetismo superiores aos 30%, um ensino primário miserabilista, que apesar de formalmente obrigatório, excluía muitos dos mais pobres. Um ensino secundário, profundamente classista, que muito cedo colocava os filhos das classes trabalhadoras num trajecto escolar que os excluía do acesso ao ensino superior e finalmente um sistema de ensino universitário, com somente 3 universidades, a que sobejavam lugares para a escassíssima elite que a podia frequentar.

A revolução de Abril de 1974 trouxe consigo a esperança da criação de uma escola pública que pudesse, por um lado elevar significativamente a formação média do povo português, que à altura correspondia à das mais baixas da Europa, e por outro constituir uma estratégica alavanca de desenvolvimento para a nossa economia, e assim contribuir para a elevação dos padrões de vida de todos. A contra-revolução que se seguiu, da mesma forma que se apostou em destruir todos os direitos então alcançados pelos trabalhadores, obstáculos óbvios à reconstituição do poder dos monopólios seriamente posto em causa, não deixou, naturalmente, o sector do Ensino afastado deste plano. Nos 35 anos que se seguiram, o sistema nacional de ensino público, suportou, umas vezes melhor outras pior, o ataque persistente de quem sempre o quis ver desvirtuado e reduzido.

No subsistema de ensino público básico e secundário, só nos últimos anos foram, por razões puramente economicistas, abatidas 3801 escolas, acentuando as assimetrias litoral/interior, promovendo a desertificação do interior, e obrigando milhares de alunos (muitas vezes de tenra idade) a percorrer, diariamente, dezenas de quilómetros para poder frequentar a sua escola.

Simultaneamente foram constituídos (por fusão de escolas) mega-agrupamentos, muitas vezes funcionando num só edifício, com populações escolares que fazem conviver no mesmo espaço alunos de 6 anos com outros já a entrar na idade adulta. Foi, por outro lado, passado para a responsabilidade das autarquias locais, um conjunto muito significativo de responsabilidades do funcionamento das escolas, num processo em tudo igual a outros graus de ensino, que visa a desresponsabilização progressiva do estado dos encargos com a educação, e com ela a sua desestruturação e desregulação. De um universo de 180000 professores dos ensinos básico e secundário, foram eliminados 30000 postos de trabalho, sendo só este ano 12500 os professores que ficaram sem trabalho, e sendo previsível que para o próximo ano esse valor seja acrescido de mais 20000. Para além das medidas gerais que constituem um fortíssimo ataque ao trabalho de que foram vítimas os trabalhadores portugueses em geral, os professores viram a sua profissão altamente burocratizada, e socialmente desvalorizada, tendo as escolas sido transformadas em simples armazéns de crianças, para que os seus pais possam estar disponíveis aos cada vez mais longos e desregulados horários de trabalho. Não será com medidas destas que as escolas, muitas vezes primeira linha de intervenção social, podem, como tanto necessita o sistema educativo, combater o abandono e insucesso escolar, ou apostar na elevação da qualidade do ensino ministrado.

No ensino superior, na última década, assistiu-se à aplicação do chamado "processo de Bolonha", que mais não correspondeu do que uma troca fraudulenta dos nomes de títulos, passando a "vender" bacharelatos por licenciaturas e licenciaturas por mestrados; dum empobrecimento dos curricula com o único propósito de os embaratecer, tornando-os muito menos exigentes; da segmentação normalizada dos ciclos de estudo que permitiu a redução efectiva do número de anos de formação superior com propinas controladas, de 5 para 3 (ainda que por controlada se entenda uma propina da ordem de 1/7 do provento anual de um trabalhador com o ordenado mínimo); de uma mudança formal do paradigma de medida das unidades curriculares, sem nenhuma alteração das condições de leccionação das mesmas, que se traduziu na simples redução do trabalho docente contabilizado e consequentemente no aumento brutal do tempo real de trabalho docente. Mas nesta década, assistiu-se para além disso ao congelamento dos montantes de financiamento do ensino superior público, durante os primeiros anos, e reduções da ordem do 12% anuais desde 2005; os seu docentes, apesar de fazerem parte da carreira mais exigente de todo funcionalismo público (não conseguindo, normalmente uma posição estável antes dos 35 anos de idade, e 21 anos de formação) viram, para além do roubo de parte significativa dos seus salários do último ano como os demais funcionários públicos, as suas carreiras com a progressão suspensa nos últimos 6 anos; a quase completa paralisia da contratação de novos docentes; e a dramática deterioração das suas condições de trabalho.
Nos últimos 5 anos, os cortes de financiamento às universidades somados aos cortes de salários dos seu docentes e à diminuição dos generalizada dos seus quadros, corresponde a um corte absoluto de financiamento inscrito no Orçamento Geral do Estado de cerca de 50%. Não admira pois, que as condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior em Portugal se aproximem rapidamente dum premeditado abismo. Há estabelecimentos de ensino com dezenas de docentes que são mantidos com precaríssimos contratos sucessivos de 4 meses e meio (nunca ganhando mais de 9 meses por ano) e mesmo docentes sem a habilitação necessária que trabalham sem qualquer pagamento. A cobertura da acção social escolar que sempre foi diminuta, vê-se agora reduzida para metade, ainda que o custo médio do apoio social dos alunos do ensino superior já fosse em Portugal, no ano passado, cerca de 1/3 do correspondente apoio médio na Europa dos 27.

A concretizar-se este orçamento geral do estado para 2012, e os cortes para a educação serão da ordem dos 1500 milhões de euros, baixando o investimento na educação de 4.7% para 3.8% do nosso magríssimo PIB, ou seja passando a ser a fatia do PIB atribuída à educação a mais baixa dos 27 países da União Europeia. Mas como parece evidente, a presente ofensiva contra o sistema público de ensino, não é fruto de uma série de paliativas medidas para combater uma crise, mas sim, coerentemente com uma ofensiva muito mais vasta, o aproveitar desta mesma crise, para desferir um rudíssimo golpe no ensino público, com o fito único da apropriação descarado dos seus fundos de financiamento.

Ao virar do século, a percentagem da mão-de-obra portuguesa com formação superior era metade da media europeia, enquanto os níveis de abandono e insucesso escolar eram aproximadamente o dobro do mesmo universo de referência. Este atraso sistémico, aconselharia a que um sério esforço de investimento fosse feito neste plano, para que uma recuperação fosse possível. Um desastre como o que se anuncia para o sector da Educação e Ensino, terá consequências que se medirão, não em anos, mas em décadas, se não for em gerações. E se alguma coisa é certo irá ser posta em causa é o da hipótese de prossecução de qualquer plano de desenvolvimento justo e harmonioso para Portugal.

As escolas portuguesas seja qual for o seu grau de ensino, e com elas os seus agentes intervenientes: professores, funcionários e alunos, não contraíram empréstimos que não tenham conseguido honrar; não são culpadas de investimentos fraudulentos; limitaram-se a tentar fazer o melhor que podiam e sabiam com os parcos recursos que lhes foram destinados. Não lhes podem, por isso, ser assacadas especiais responsabilidades nesta crise despoletada essencialmente pela desbragada ganância do capital financeiro. E que sejam sectores como o da Educação, os mais fortemente penalizados, prova à saciedade que os propósitos dos que conduzem Portugal por este caminho, nada têm com o propalado assegurar do futuro, mas sim com a ânsia cega de tudo arrecadar no presente.

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