Intervenção

Intervenção de João Frazão sobre «A Agricultura e a Soberania Alimentar», no Debate «A crise na União Europeia e em Portugal – A luta por uma alternativa»

Camaradas e amigos

25 anos de adesão à União Europeia transformaram a realidade agrícola Portuguesa. Os números falam por si e, de tão expressivos, não podíamos deixar de vos trazer alguns deles.

Segundo os censos agrícolas, Portugal perdeu, em 10 anos 111 mil explorações agrícolas, ou seja uma em cada quatro explorações desapareceram. Entretanto, entre 1989 e 2006  tinham desaparecido 250 mil explorações. Estamos a falar de 30 explorações por dia!

Destas, a esmagadora maioria, são pequenas explorações até 1 hectare. Na última década desapareceram 41% do total! Entre 1 e 5 hectares, desaparecerem 23% das explorações! Em contrapartida aumentaram em 6% as explorações com mais de 100 hectares.

A superfície média por exploração, aumentou quase 30% para os 12ha, ou seja dá-se a brutal concentração da propriedade.

Em Portugal o terreno dedicado à actividade agrícola encolheu em quase meio milhão de hectares.

A população agrícola recuou 36% e o número de trabalhadores reduziu-se em 18%.

Apenas 2% dos produtores agrícolas singulares têm menos de 35 anos, e esta percentagem apenas sobe para 10% se considerarmos os que têm, menos de 45 anos!

Os rendimentos dos pequenos e médios agricultores reduziram-se ao mínimo e, na generalidade dos casos, não chega para garantir uma sobrevivência digna.
Assim se explica que hoje se produza em Portugal menos batata, (no que fomos e poderemos ser auto-suficientes); menos cereais, particularmente trigo, cuja produção é residual; menos tabaco (ou quase nada). Que a produção pecuária esteja a recuar e que a balança de pagamentos do sector alimentar penda já para 4 mil milhões de euros anuais e que mais de 70% do que os Portugueses comem é comprado no estrangeiro.

Terras ao abandono, realidade que, em meados do século XX, era uma excepção, passou a fazer parte da paisagem rural portuguesa.

Dir-se-á: é responsabilidade da Política Agrícola Comum. É verdade.

Uma Política Agrícola Comum virada para apoiar os grandes agrários, que durante anos pagou para não se produzir e que, ainda agora, paga ajudas mesmo que não se  produza um grama sequer de alimentos. Uma política que pagou para que se reconvertessem, que é outro nome de arrancar, vinhas, olivais, pomares. Uma política que sacrificou a produção agrícola nas nossas terras pelos acordos internacionais com países terceiros. Uma política que ajoelhou sempre perante o andor do santíssimo mercado. Uma política ditada pelos interesses das grandes potências europeias, pelas que têm excedentes de produção de bens alimentares, e pelas que têm bens e serviços que exportam para os países terceiros, em troca da União (ou seja nós) importarmos produtos agrícolas, quantas vezes de questionável qualidade. Uma política agrícola com os apoios ditados por interesses marcadamente de classe, que levam a que, em Portugal  os produtores recebam, em média 160€/ha, havendo países em que esse valor atinge mais de 550€, ou ao facto bem conhecido de que, em Portugal, apenas 8% dos agricultores, recebem 76% das ajudas directas, com apoios que chegam às centenas de milhar de euros por ano. No outro prato da balança, sabemos que  que 30% dos agricultores que recebiam menos de 250 € por ano (os pequenos agricultores) deixaram de receber qualquer apoio. Ou que, no actual PRODER, 30 Projectos, os chamados PIR – Projectos de Interesse Relevante, recebam 10 vezes mais que 910 projectos de pequenos investimentos.

A responsabilidade da PAC é clara. Mas esta não é a verdade toda!

No nosso país, sucessivos governos, ao serviços dos agrários e da agro-indústria, tiveram também a sua quota parte de responsabilidade pela situação a que chegámos!

PS, PSD e CDS, são também culpados. Culpados por terem assumido uma adesão à União Europeia que, como afirmámos na altura, seria necessariamente prejudicial para a agricultura nacional. E por terem aceite as sucessivas Reformas da PAC, chegando a Portugal sempre a cantar vitórias, que cada vez nos arrastavam mais para o fundo. E por não terem accionado os inúmeros mecanismos de defesa dos interesses nacionais. Culpados por terem optado por apoiar, preferencialmente os grandes e por, deliberadamente criarem dificuldades à pequena agricultura e ao mundo rural! Culpados por fecharem os olhos ao aumento especulativo dos preços dos factores de produção, como os combustíveis, as sementes, os fertilizantes, a maquinaria. Culpados por terem acabado com mercados tradicionais, onde os pequenos produtores escoavam os seus produtos. Culpados de terem destruído a Reforma Agrária que, em pouco tempo tempo, aumentou a produção, criou milhares de empregos, criou riqueza e fixou população numa vasta área do País – o Alentejo.

Há quem teorize agora sobre a importância dos grandes projectos agrícolas no nosso país. Que temos o maior olival e o maior lagar do mundo. Que temos um grande crescimento nas flores e nos hortícolas de estufa! Nós não fechamos os olhos a essas realidades. Mas não podemos deixar de chamar a atenção para a contradição entre o seu esplendor, tão efémero quanto os humores do mercado, e com elevadas taxas de degradação de solos e produções, quantas vezes para vender ao estrangeiro para ser usado como produção de lá, com vastas regiões do País, incluindo aquelas onde esses empreendimentos se inserem, que acentuam a desertificação e o abandono, sem gente, sem vida!

Não há soberania alimentar sem a produção de montanha, sem o olival tradicional, sem as raças autóctones, sem o leite nacional, sem as produções que são só nossas.

Nos últimos dias foram conhecidas as propostas da Comissão Europeia para a Reforma da PAC para o período de 2013 a 2020. O PCP, pela voz dos seu secretário geral assumiu quatro eixos fundamentais, em que deveria assentar a Reforma da PAC, verdadeiros caminhos para se sair da crise.

“Primeiro – Orientar a PAC para a garantia da soberania alimentar de cada povo, condição essencial para garantir a segurança alimentar, apoiando as potencialidades agrícolas de cada país e todos os que sabem produzir e têm amor à terra”.

Esta é, uma questão de princípio. No quadro da União Europeia, a PAC até pode garantir o abastecimento do chamado mercado interno, no seu todo, dispensando a agricultura portuguesa ou de qualquer um dos outros países membro. Mas é responsabilidade do Governo Português e dos representantes do povo português no Parlamento Europeu baterem-se para garantir que, em Portugal, asseguramos a nossa própria soberania e e segurança alimentares.
A PAC tem que permitir que se possam potenciar as excelentes condições edafo-climáticas do nosso país, e tem que apoiar, desde logo, as produções específicas das diversas regiões, os mercados locais e regionais, as cooperativas de produtores e a agricultura familiar, tendo como objectivo uma redução das cadeias de abastecimento e a diminuição dos ciclos de produção e consumo.

“Segundo – é preciso garantir preços justos à produção”.

Este deve ser o objectivo central da política agrícola. Se houver preços justos, os agricultores produzirão! O que implica medidas de planificação da produção (uma planificação democrática e participada), de escoamento da produção, designadamente medidas de intervenção no mercado, como a retirada de produtos cuja produção seja momentaneamente excessiva, a regulamentação de certos sectores, designadamente o leite e o vinho (a manutenção do sistema de quotas leiteiras e dos direitos de plantação da vinha, propostos pelo PCP, são indispensáveis para garantir a sobrevivência destes sectores e a Reforma da PAC tem parar o seu desmantelamento), mas também medidas de controle das actividades especulativas dos preços dos factores de produção.
Mas para isso é preciso abandonar a lógica do mercado e da competitividade que tem presidido à política agrícola das últimas décadas. A agricultura cumpre uma função social indispensável e insubstituível à sobrevivência da humanidade. No nosso país em particular, uma agricultura dinâmica é também garantia da ligação das populações ao mundo rural e de combate ao despovoamento e ao abandono.

Preços justos à produção são, de resto, garantia de produções locais com grande qualidade, do combate à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), de produções ambientalmente sustentáveis, do reinvestimento e do rejuvenescimento do tecido agrícola.

“Terceiro – A Reforma da PAC deve assentar numa justa distribuição das ajudas entre países, produções e produtores, garantindo os apoios à pequena e média agricultura e às especificidades de cada país e de cada povo e ligando as ajudas à produção”.

A reforma agora em discussão tem que resolver os profundos desequilíbrios, quer entre regiões, quer entre produções e produtores.

É necessário lembrar que os apoios ao agricultores fazem parte do conjunto de medidas dos Estados para, por um lado, compensar os produtores nacionais pelas perdas sofridas pela invasão dos mercados comunitários por produtos, mais baratos, oriundos de  países terceiros (que, em contrapartida, compram a países da UE bens industriais e serviços de alto valor acrescentado, beneficiando assim os países mais industrializados) e, por outro lado, para garantir aos consumidores alimentos mais baratos, evitando também o aumento de salários.

Mas estas ajudas devem, obrigatoriamente ser ligadas à produção de alimentos, ou outros produtos agrícolas.

“Quarto – A PAC deve manter-se como política comum. Depois de anos a destruírem a nossa capacidade produtiva, recusamos as teorias dos que querem agora renacionalizar os custos da política agrícola, mas mantendo os constrangimentos do mercado comum, que atingem particularmente os países mais débeis”.

A verdade é que, como acima já se indicou, a agricultura foi, ao longo das últimas décadas, usada como moeda de troca nas negociações com países terceiros. No plano nacional a atitude de abdicação e claudicação dos sucessivos governos teve como consequência a destruição do nosso aparelho produtivo, pelo que Portugal é um país que perdeu sempre e em todas as frentes.

Hoje, três décadas depois, não poderíamos aceitar ficar a braços com a consequências dessas opções que, em determinada altura, serviram os poderosos da Europa.

A este conjunto de eixos centrais, deve ainda acrescentar-se um objectivo de fundo – a saída da agricultura das negociações da OMC – Organização Mundial do Comércio. Sem a sua concretização sabemos que esta actividade especial que é a agricultura estará sempre subordinada aos interesses das grandes potências económicas, da agro-indústria dos OGM, da grande distribuição.

As propostas conhecidas não vão neste sentido!
 
Insistem na liberalização dos mercados agrícolas, no desmantelamento das quotas de produção (caso das quotas de leite) e dos direitos de plantio da Vinha, que vão levar ao encharcamento ainda maior do mercado nacional com bens alimentares de todas as partes do mundo;

Remetem a regulação dos preços para a ditadura dos mercados, que esmagam o preço à produção, para amassar fortunas à custa dos produtores. Adiam indefinidamente a convergência do valor das ajudas. Portugal continuará, a ser um dos países que menos recebe de ajudas comunitárias por hectare, até, pelo menos, 2028. Mas para os grandes proprietários mantém-se ajudas milionárias que só serão moduladas a partir de 150 mil euros. Ainda por cima para os pequenos agricultores, abaixo dos 3hecatares o envelope da ajuda só pode corresponder a 10% das ajudas directas totais, quando, por exemplo em Portugal esses pequenos agricultores representam cerca de 1/3 do total.
Insistem no desligamento completo das ajudas, insistindo-se no apoio pelo histórico, que garante a quem tem muita área o fundamental dos apoios e aos pequenos agricultores apenas as migalhas, quando há!

Camaradas e amigos

Portugal não está condenado a ver reduzida a sua agricultura a uma situação residual. Portugal pode, com outras políticas agro-rurais, produzir mais, em qualidade, e defender o mundo rural!

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