A organização do Partido |
Com estes dois artigos O Militante prossegue a abordagem das questões de organização. A concretização das conclusões do XVII Congresso para o reforço do Partido, elementos centrais para o presente e o futuro, entram agora, após o êxito das eleições autárquicas, numa nova fase.Associada a importantes tarefas políticas, como a resposta à ofensiva do Governo e do grande capital, o estímulo ao desenvolvimento da luta, o contributo para o fortalecimento dos movimentos de massas, a intervenção política geral do Partido e a importante batalha das eleições presidenciais, a acção integrada visando o reforço da organização partidária coloca-se como questão prioritária.A atenção das organizações e militantes d Partido a esta direcção fundamental de trabalho, é essencial para dar novos passos no movimento geral de reforço da organização partidária «Sim, é possível um PCP mais forte», para que o Partido resista e avance, cumprindo o seu papel insubstituível com os trabalhadores, o povo e o país.
Artigos:
João Frazão
Membro da Comissão Política
do Comité Central do PCP
Quando o Comité Central do Partido decidiu realizar o Encontro Nacional sobre a acção e organização do Partido nas empresas e locais de trabalho, em Outubro de 2002, que apontou orientações e caminhos que ganharam força de orientação congressual na Resolução Política do XVII Congresso, teve presente duas questões, a que voltamos sempre quando se trata de questões de princípio.
Em primeiro lugar a brutal ofensiva a que estão hoje sujeitas as forças do progresso e particularmente os partidos comunistas e as organizações de classe dos trabalhadores. Ofensiva que tem como objectivo primeiro a recuperação, pelas forças do grande capital, das parcelas de poder perdido por anos e anos de luta, pondo em causa sistematicamente direitos que as jovens gerações tinham já como naturais. Mas que tem como pano de fundo o desejo do imperialismo de enfraquecer e mesmo aniquilar essas organizações, as mais firmes e consequentes na luta e resistência dos povos.
Por outro lado, do que se trata quando falamos de organização do Partido nas empresas e locais de trabalho, é de uma das características essenciais para a definição de um partido comunista. A sua natureza de classe, enquanto partido da classe operária e de todos os trabalhadores. Definição tanto mais importante quanto se desenvolve num quadro de enorme pressão para a descaracterização dos partidos de classe, correspondendo a falsas teorias sobre o fim da classe operária, da falta de sentido da luta de classes e da negação do seu papel central como motor de conquistas e avanço da história das civilizações.
É este o quadro em que, a partir do reconhecimento de dificuldades e atrasos e da extraordinária importância deste trabalho, todo o Partido decidiu, enquadrado no movimento geral de reforço da organização partidária «Sim, é possível um PCP mais forte!», dar a esta tarefa uma prioridade no nosso trabalho.
Com o novo quadro da situação política nacional – com o Governo PS a prosseguir e mesmo em muitos aspectos a levar mais longe a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, de que são peças centrais os ataques aos trabalhadores da Administração Pública e a confirmação dos aspectos mais negativos do Código de Trabalho, e mesmo a introdução de alterações que, a verificarem-se, colocarão mais dificuldades aos trabalhadores e às suas organizações, ao arrepio das promessas eleitorais com que ainda há poucos meses o PS iludiu os portugueses – este trabalho ganha nova e redobrada importância.
A luta e o combate que é preciso dar às intenções do Governo PS, a mobilização dos trabalhadores e a sua organização para a luta só têm a ganhar com um PCP mais forte e organizado no seio das empresas.
Aqui ficam algumas questões, a partir da experiência na Organização Regional de Aveiro, como contributo para uma tarefa que tem que ter sempre espaço central na vida partidária.
Em que empresas actuar
O Encontro Nacional do Partido definiu como critério geral para a definição das empresas e locais de trabalho prioritários os de mais de 1000 trabalhadores. Todos sabemos que com o desmantelamento do aparelho produtivo o número destas empresas é hoje muito menor que há alguns anos atrás. Mas não é ainda um campo pequeno de intervenção. No distrito de Aveiro, falamos, por exemplo, da Rohde, da Vulcano, da Yazaki Saltano, da Vista Alegre ou da Faurécia.
Entretanto é preciso ter também presente novas realidades que constituem importantes locais de trabalho, designadamente da Administração Pública. Por exemplo a Universidade de Aveiro conta hoje com mais de 1400 funcionários, entre docentes e não docentes. O Hospital de Aveiro tem largas centenas de trabalhadores e as autarquias são grandes empregadores, um pouco por todo o país.
Mas importa ainda sublinhar que esta definição, que está incluída na Resolução Política do Congresso, abrange, para além das grandes empresas, todas as que se considerem estratégicas em cada distrito.
Avanço com dois exemplos do distrito: a Portugal Telecom e o Grupo Amorim.
A PT não tem, em Aveiro, nenhum local de trabalho com mais de duas centenas de trabalhadores. Mas estamos a falar de uma empresa nacional, com fortes tradições de luta, com um conjunto de trabalhadores com grande consciência de classe, em que o Partido nunca perdeu raízes e ligações. Por isso a mantemos como empresa prioritária.
O Grupo Amorim, que se dedica à produção de derivados da cortiça, tendo várias grandes empresas com 500/700 trabalhadores, forma, para a organização do Partido, um grupo único, com os membros do Partido a reunir em conjunto.
Mas podemos referir ainda a Oliva como exemplo de reflexão. Empresa metalúrgica de S. João da Madeira, chegou a ter mais de 1000 trabalhadores, contando com uma importante e dinâmica célula do Partido, estando hoje reduzida a pouco mais de 200 trabalhadores. Mas esta é uma célula a manter e acarinhar, porque temos naquela empresa um património de luta e de intervenção que, ao longo destes anos, impediu o encerramento da empresa, solução que seria da vontade dos interesses da especulação imobiliária e dos poderes instalados.
Entretanto, as dificuldades existem e vão continuar a existir em muitos sectores e perante elas deve haver uma enorme criatividade e engenho, para garantir o objectivo central: organizar os trabalhadores membros do Partido, a partir dos locais de trabalho. Na administração pública, por exemplo, deparamo-nos com dificuldades. Os membros do Partido estão dispersos e com poucas concentrações. Não têm hábitos de reunião. A solução, neste momento é começar juntando todos. Destacado um quadro funcionário para a tarefa, procura-se promover reuniões. Falham, insiste-se de novo. Atribuem-se pequenas tarefas aos quadros mais destacados. Os resultados terão de aparecer.
Organizar para melhor intervir
Num período de grande pressão como foi o das eleições autárquicas, foi manifesta a tendência para relegar este trabalho para segundo plano, designadamente em organizações (caso de Aveiro), em que os meios são escassos.
Tal situação, se é compreensível pela necessidade de garantir respostas para a tarefa do momento, deve levar-nos a reflectir sobre o contributo para as eleições que poderiam dar organizações do Partido nos locais de trabalho. Quantas listas mais seriam possíveis formar no concelho de Stª Maria da Feira e nos concelhos limítrofes, a partir do conhecimento dos trabalhadores da Rohde, da Ecco, do Grupo Amorim. Pergunte-se o mesmo para a Grohe, em Albergaria, para a Nestlé, em Estarreja, ou para a Vista Alegre em Ílhavo.
Seria lavrar em erro reflectir sobre a organização do Partido nas empresas e locais de trabalho como algo fechado sobre si mesmo, como elementos para ter e contabilizar, e não como estruturas que têm de estar ligadas à vida e ao ambiente que as rodeia.
Em primeiro lugar, seguramente, ligados aos problemas dos trabalhadores da empresa e do sector, denunciando pequenas questões do dia-a-dia, dos balneários ao refeitório, das trocas de horário feitas abusivamente ao ambiente de trabalho. Mas também os problemas mais gerais dos trabalhadores, o combate ao Código de Trabalho, a partir das consequências para si e para os seus companheiros de trabalho, a defesa da contratação colectiva, a reivindicação salarial. Entretanto esta acção não fará sentido sem a abordagem e a intervenção relativamente à situação política nacional e só terá a ganhar com ela. É esse o caminho que a célula da CACIA, ex-Renault, está a trilhar no retomar da sua vida regular, com a edição de um boletim para os trabalhadores em que, a par de aspectos da situação da empresa, aborda as questões nacionais, como a campanha contra o aumento da idade da reforma.
A luta como motor do desenvolvimento da organização
Creio que seria útil uma referência ao impulso que a luta pode dar à organização do Partido. Uma das principais dificuldades que se encontram para fazer funcionar as células do Partido é o conteúdo das reuniões. Discutir o quê, quando muitas vezes os problemas foram já abordados em reuniões anteriores ou de outros organismos em que os membros da célula participam? Nos processos de luta esse problema não se põe, colocando-nos a responsabilidade de também os sabermos aproveitar para o reforço do Partido.
Na Yazaki Saltano, empresa do material eléctrico com unidade em Ovar, foi em torno da luta contra os despedimentos que a célula reuniu com regularidade, decidiu tomadas de posição do Partido, decidiu contactos para recrutamentos e concretizou esses contactos.
Se um partido forte e organizado é a mais certa garantia de uma condução correcta da luta, o envolvimento dos trabalhadores no confronto directo com o capital permite-lhes uma evolução da consciência de classe, que não raras vezes evolui mesmo para a consciência política, bastando alguém dar o passo para eles virem ao seu Partido.
Nota final
Com estes apontamentos pretende-se tão somente contribuir para um trabalho que, não é demais repetir, é prioritário e central na vida e para o futuro do Partido. Não se procura dar uma imagem de feitos notáveis que não existem, nem de lições ou soluções a seguir a régua e esquadro.
Trazem-se elementos de reflexão de um trabalho que está tão ou mais atrasado aqui do que em outras organizações, que se sabe e conhece, de experiência própria, ser lento, difícil, com muitos pequenos avanços e não menos recuos, mas que, por isso mesmo, nos recusamos a que seja considerado impossível de realizar.
No XVII Congresso escrevemos que «a organização partidária é o elemento decisivo para que o Partido intervenha e concretize os seus objectivos». Fácil se torna concluir que, sendo o fim da exploração do homem pelo homem um objectivo supremo do Partido, a organização do Partido, onde essa exploração se faz directamente, nas empresas e locais de trabalho, é absolutamente decisiva para o atingir.
«O Militante» - N.º 279 Novembro/Dezembro 2005