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Projecto de Resolução nº 232/IX
Sobre o futuro do centro materno infantil do norte

 

 

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A. Há longos anos que a população do Porto e do Distrito defende a substituição do centenário Hospital de Maria Pia. É (re)conhecido quanto esta prestigiada instituição continua a prestar inestimáveis serviços à infância e adolescência, não obstante ter atingido (e porventura ter até ultrapassado) os limites físicos que lhe eram (e são) impostos pela vetustez e pela exiguidade das instalações.

Por isso, numa primeira fase, chegou a ser apenas equacionada a substituição directa do Maria Pia por um novo hospital pediátrico, solução/ideia que rapidamente foi substituída por uma outra que já integrava, numa mesma unidade de saúde, os serviços do Hospital Maria Pia e da Maternidade Júlio Dinis.

Estávamos então na década de oitenta, começava a ganhar corpo a proposta para a criação de um Centro Materno Infantil que não só substituiria aquelas duas unidades de saúde como igualmente se articularia com serviços de um Hospital Central – no caso o Hospital de Santo António. Ficavam assim asseguradas as bases, capacidades e competências para criar uma unidade de saúde diferenciada, altamente qualificada e com potencialidades para alargar a sua acção a toda a região Norte do País.

Assim ganhou forma a ideia de construir o Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), com responsabilidades de acompanhamento da maternidade, de acompanhamento e tratamento da infância e juventude, visando servir uma vastíssima população radicada nesta região. Era o tempo de dar corpo a uma necessidade cada vez mais sentida. Era o tempo de assumir a enorme importância que um investimento deste tipo revestia (e continua hoje a revestir) para a saúde das mães e crianças de uma região tão vasta quanto carenciada.

Foi ainda neste contexto, e nesta fase, que o projecto determinou a sua localização nos terrenos situados junto à Maternidade Júlio Dinis, na altura ocupados pelos bairros populares de Parceria e Antunes.

Com toda esta convergência, o Centro Materno Infantil do Norte ganha força e reúne em torno de si um vasto consenso cívico e político. Organizações sociais e profissionais, autarquias, partidos políticos e sucessivos Governos reconhecem e defendem o projecto, assumindo todos o compromisso da sua construção perante a população da região.

A dinâmica em torno do projecto era tal que, no ano de 1988, coincidindo com uma jornada sindical de greve geral, o Primeiro Ministro de então, Cavaco Silva, reiterou, durante uma visita ao próprio Hospital Maria Pia, o compromisso público do Governo na construção do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), tendo logo aí anunciado uma dotação de um “milhão de contos (85 milhões de euros) para o arranque da obra”.

Não obstante a solenidade deste compromisso e destas declarações, a verdade é que, a partir daqui, a concretização do projecto do CMIN entrou numa nova “via sacra”, começando a arrastar-se no “empurra e esconde” de sucessivos Governos.

Durante a primeira parte da década de noventa foram essencialmente profissionais da Maternidade de Júlio Dinis, do Hospital Maria Pia e do Hospital de Santo António quem verdadeiramente nunca deixou morrer a ideia.

Foram sobretudo eles quem solidificou todo o programa funcional do futuro Centro Materno Infantil, num processo muito participado por profissionais de outros estabelecimentos de saúde, integrando ensinamentos e experiências diversificadas, e em articulação com a própria Ordem dos Médicos.

Foram sobretudo eles quem insistiu com os sucessivos responsáveis governamentais e quem criou condições para a aprovação de um Programa para o Centro Materno Infantil do Norte, conceptualmente reconhecido como a par do que de mais avançado existia na área da Maternidade e da Infância.

Foram sobretudo eles quem, de novo, forçou que a agenda governamental – completamente esquecida dos seus compromissos – voltasse a incluir a construção do CMIN, possibilitando, já na parte final da década de noventa, a elaboração e aprovação do projecto de construção.

Foi também só na parte final desta década que o Ministério da Saúde tomou posse dos terrenos para a construção do CMIN, num processo que determinou a libertação dos Bairros de Parceria e Antunes e o realojamento dos seus habitantes (cerca de 150 famílias), e que foi concretizado pela Câmara Municipal do Porto através de protocolo na altura estabelecido com o Governo.

B. Uma boa forma de “tomar o pulso” à forma como os sucessivos Governos esqueceram os seus compromissos é consultar a programação financeira dos PIDDACs ao longo dos anos. Assim:

• O Projecto do CMIN aparece pela primeira vez no PIDDAC do Orçamento de Estado para o ano de 1993 e nunca mais deixou de aí surgir, com verbas mais ou menos vultuosas inscritas na lista de “anúncios” de obras (não concretizadas)!

• Para 1993 anunciava-se então uma verba de 1 milhão de euros (Governo PSD)…

• Para 1994 anunciava-se uma programação financeira que deveria terminar em 1997, totalizando 40 milhões de euros. Isto é, dizia-se que o CMIN estaria “pronto” em 1997!

• Para 1995 já se atrasava essa programação, prevendo-se a sua conclusão em 1998! Mas também se percebia que a execução das verbas inscritas em 1993 e 1994 se tinha afinal cingido a 1.000 euros!...

• Para 1996 a programação financeira passou a inscrever uma verba global de 52,5 milhões de euros, mas com a obra a terminar em 1999 (Governo PS)!

• A mesma programação, de novo atrasada, (para o ano 2000), no Orçamento de Estado para 1997!

• O mesmo sucede no Orçamento de Estado para 1998, com mais um atraso de um ano. Cinco anos depois de ter sido inscrito em PIDDAC pela primeira vez, verifica-se que a execução financeira global entre 1993 e 1997 foi de ….. 90 mil euros. E é claro que nada estava feito!

• Para 1999, nada muda. Mantém-se a programação financeira global e a previsão temporal quanto à conclusão (2001).

• Para o ano 2000, novas alterações: a programação financeira atinge um total de 57,5 milhões de euros, a conclusão da obra passa para 2003!

• Para 2001, um pequeno aumento nas responsabilidades financeiras anunciadas (para 59 milhões de euros), mais um ano de atrasos na conclusão (para 2004)!...

• Para 2002, uma diminuição na programação financeira (para 56 milhões de euros), mas de novo um atraso na construção, para 2005 (Governo PS e PSD/CDS, com orçamento rectificativo)!

• Finalmente, para 2003, o Governo PSD/CDS ainda anunciava uma nova e acrescida programação financeira global (63,6 milhões de euros) com conclusão prevista para 2006! Dez anos passados sobre o “primeiro anúncio” governamental, a execução financeira global tinha sido de 3,2 milhões de euros (cerca de seiscentos mil contos), verba à qual não estarão certamente arredados os custos relativos às expropriações dos terrenos de parceria Antunes e à elaboração do projecto de construção. Dinheiro obviamente “deitado para o caixote do lixo” pela decisão de suspender o projecto!

C. Após a entrada em funções do actual Governo PSD/CDS-PP, o processo de construção do CMIN, que começara finalmente a entrar nos carris, voltou a ser paralisado. Esta paralisação foi a antecâmara de uma decisão que alterou completamente o processo da construção do Centro Materno Infantil do Norte.

Em Abril de 2003, o actual Governo anunciou o que ninguém imaginaria possível: o projecto em “Parceria Antunes”, junto à Maternidade Júlio Dinis, iria ser abandonado, o Governo havia optado por uma nova localização para o CMIN, junto ao Hospital de S. João.

Ao fim de anos de atrasos, depois de haver um projecto (finalmente) aprovado, depois do Ministério da Saúde ter (finalmente) a posse dos terrenos, depois dos profissionais terem consensualmente definido e avalizado o programa funcional da nova unidade hospitalar, esta decisão vai (está já a) provocar novos e incompreensíveis atrasos na concretização desta velha aspiração.

Os argumentos “oficiais” usados pelo Governo PSD/CDS para abandonar a construção do CMIN junto à Maternidade Júlio Dinis invocam a “desactualização do modelo”, o que é no mínimo controverso, já que esta constatação apenas surge no momento de se iniciar a construção, não muito tempo depois de se ter gerado um acordo generalizado quanto ao programa definitivo do CMIN.

A verdade é que as questões relativas à localização do CMIN (na proximidade do Hospital de Santo António, em articulação funcional com este e com a Escola Médica que lhe está mais próxima, ou, por outro lado, na proximidade do Hospital de S. João, em articulação funcional com este e com a Escola Médica aí localizada) são complexas. No entanto, haviam sido há muito tempo superadas, num processo cimentado ao longo de anos e que nunca havia suscitado controvérsia

O aparecimento desta (aparente) polémica surge então “a talho de foice” e, no fundamental, serviu ao Governo para tentar justificar uma decisão dificilmente explicável. É no entanto bem claro que a opção do Governo, de suspender a construção do CMIN quando ela começava (por fim) a avançar, se prende muito mais com as concepções economicistas que o Ministério tem sobre a política de saúde em Portugal do que com razões substanciais do foro técnico ou de localização. Isto mesmo é aliás explicitamente assumido na Resolução do Conselho de Ministros nº 125/2003, de 28 de Agosto, onde se considera “inviável a construção do denominado Centro Materno Infantil do Norte”, invocando para isso “motivos financeiros”.

A decisão do actual Governo, que suspendeu a construção do CMIN e anunciou a “transferência” do projecto para terrenos anexos ao Hospital de S. João, para além de novos atrasos no processo, teve já outras consequências, mormente no que respeita aos terrenos de Parceria e Antunes. A Câmara Municipal aprovou, logo em Março de 2003, uma proposta tendente a reaver a posse desses terrenos (impedindo assim que eles fossem usados especulativamente), e deliberou afectá-los à construção de habitação de natureza social para permitir a reintegração das famílias expropriadas, posição que acabou por ser contemplada na já citada Resolução do Conselho de Ministros.

D. Os problemas que hoje se colocam quanto ao futuro do Centro Materno Infantil do Norte não nos devem voltar a remeter para novas discussões (porventura estéreis e mais uma vez paralisantes) em torno da localização do projecto ou do seu eventual progresso para zona próxima do Santo António.

O essencial, neste momento, é contribuir para que não se perca de novo mais tempo adoptando antes as medidas que permitam criar condições para poder avançar com o projecto, iniciando-se com a máxima urgência a construção do CMIN.

Sem prejuízo das críticas que devem ser dirigidas ao Governo PSD/CDS pelo facto de ter atrasado mais alguns anos o processo, (ao optar por uma nova localização num momento em que a construção podia finalmente arrancar), o essencial é, agora, contribuir para que, no novo local, a criação do CMIN possa ser uma realidade no mais curto espaço de tempo.

Fundamental, neste momento, é igualmente exigir do Governo os compromissos necessários para que não seja desvirtuado o Centro Materno Infantil do Norte, independentemente da respectiva localização.

Neste plano, importa assegurar que o futuro Centro Materno Infantil do Norte não venha a constituir uma espécie de “departamento” do S. João, integrando-se funcional e administrativamente neste Hospital.

Há que exigir a construção rápida do Centro Materno Infantil do Norte mas simultaneamente garantir que ele permanecerá funcionalmente autónomo, administrativamente independente, sem prejuízo de eventuais economias de escala que resultem de articulação de serviços básicos de natureza infraestrutural ou da articulação com alguns departamentos que podem e devem prestar apoio diferenciado (e que, aliás, estava igualmente previsto no modelo aprovado para Parceria/Antunes).

Ao contrário do que o Ministério da Saúde tem afirmado, importa, neste plano, garantir que a redefinição do programa funcional do Centro Materno Infantil do Norte, imposta pelas alterações da localização e da natureza do Hospital Central com que se vai articular, seja participada por profissionais e instituições.

E ao contrário do que quer fazer crer o Governo, isso não tem acontecido.

Da parte do Hospital Maria Pia e da Maternidade Júlio Dinis – recorde-se, as instituições que o CMIN deverá substituir – não está a ocorrer qualquer participação dos seus profissionais na definição do Programa Funcional, apesar dela ter sido sistematicamente solicitada ao Ministério.

Também à Ordem dos Médicos (Secção Regional do Norte) tem sido rejeitada tal participação, não obstante ter sido solicitada “certidão do Plano Funcional do CMIN e do Plano de Organização e Referenciação Assistenciais no âmbito da saúde materno-infantil relativo à Região Norte”. Aliás, a recusa do Ministério da Saúde em prestar estas informações à Ordem dos Médicos motivou já a instauração de um processo contra o Ministério da Saúde no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

A verdade é que as decisões essenciais sobre a definição do Programa Funcional do CMIN estão a ser tomadas no maior secretismo, com a participação de um número muito limitado de pessoas, sem qualquer participação minimamente adequada dos profissionais e das instituições directamente interessados.

Esta situação não pode prosseguir pois que, a manter-se, pode determinar o desvirtuar completo do que deve ser um Centro Materno Infantil e provocar a prazo a total absorção do CMIN por parte do Hospital de S. João. A ser assim, isso significaria o desaparecimento do CMIN como projecto vocacionado para a Maternidade e a Infância.

Um último elemento central neste momento – e para o qual há que obter garantias do Governo – tem a ver com o processo relativo à integração do Hospital Maria Pia e da Maternidade Júlio Dinis no futuro CMIN.

Há que garantir absoluta e inequívoca igualdade e equiparação na transição de todos os recursos humanos para o futuro CMIN, independentemente da respectiva instituição originária.

Há que salvaguardar não só os direitos como também a equiparação de responsabilidades e capacidades funcionais pré existentes, preservando as elevadas competências adquiridas. Sendo matéria intimamente relacionada com o Programa do CMIN, a garantia de tratamento adequado e participado desta questão constitui um aspecto absolutamente determinante para garantir o êxito funcional desta unidade de saúde.

Tendo em consideração o exposto, a Assembleia da República resolve, nos termos constitucionais e regimentais, recomendar ao Governo:

1. Que, sem prejuízo da eventual articulação de alguns serviços e departamentos, seja garantida a plena e completa autonomia funcional e de gestão do Centro Materno Infantil do Norte, relativamente ao Hospital de S. João.

2. Que, neste plano, seja garantido que o Centro Materno Infantil do Norte constituirá, tal como sempre foi definido, uma unidade de saúde específica vocacionada para os problemas da Maternidade e da Infância na Região Norte;

3. Que o Programa Funcional do Centro Materno Infantil seja definido com a participação plena do Hospital Maria Pia, do Hospital de S. João, da Maternidade Júlio Dinis e de todos os respectivos profissionais, em plano de inteira e completa igualdade;

4. Que o Programa Funcional do Centro Materno Infantil seja também definido com a participação de outras instituições ligadas à Saúde e representativas dos seus profissionais;

5. Que seja garantida a integração no futuro Centro Materno Infantil do Norte com total e rigorosa observância da equiparação e do respeito por direitos, capacidades e competências funcionais desempenhadas nas instituições de origem.

6. Que sejam dadas públicas e urgentes garantias quanto à definição de prazos para a construção do CMIN que, em nenhum caso, deverão ultrapassar o ano de 2006!


Assembleia da República, em 11 de Março de 2004