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Projecto de Lei n.º 441/IX
Visa regular os processos de deslocalização e encerramento de empresas

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Em Janeiro de 2003 o PCP apresentou o Projecto de Lei n.º 213/IX que visava regular os processos de deslocalização de empresas. Debatido a 13 de Março daquele ano, e apesar do reconhecimento por parte de todas as bancadas da importância e da oportunidade da iniciativa esta acabou por ser recusada.

A verdade é que de então para cá as questões que estiveram na base daquela iniciativa não desapareceram, antes pelo contrário, e nenhuma medida de política foi tomada pelo Governo ou por qualquer bancada parlamentar para dar resposta aos gravíssimos problemas de ordem económica e social resultantes de processos irregulares, abruptos e selvagens de deslocalização e encerramento de empresas.

Na altura citámos os casos do grupo inglês de calçado CJ Clarks (Castelo de Paiva e Arouca; da Texas Instruments Samsung Electronic (TISE), na Maia; da Longa Vida-Nestlé, em Matosinhos; na ERU, em Carcavelos; da Renault, de Setúbal; da Grundig AutoRádios, em Braga; da Indelma, Seixal; da Goela Fashion, em Santo Tirso; da Schoeller), em Vila Real; da ERES, no Fundão; da Bagir, em Coimbra, da Melka, em Palmela; da Schuh Union, na Maia; da ARA em Sei; da Lear, em Palmela;etc. abrangendo, só estas mais de 6.000 trabalhadores.

De então para cá novos casos foram surgindo: a Delphi, em Linhó (Seixal); a Valeo, em Santo Tirso; a Cablinal, em Viana do Castelo, entre outros.

É um comportamento que, entretanto, não abrange somente empresas multinacionais com sede noutros países. Ele começa também a constituir uma perspectiva para as próprias empresas portuguesas, aliás, animadas pelo discurso do próprio Ministro da Economia. A Maconde encarou-o e ainda recentemente a SONAE, pela voz do Eng.º Belmiro de Azevedo ameaçou igualmente deslocalizar as suas empresas ou, no mínimo, o seu centro de negócios, para o estrangeiro.

Entretanto, a par de deslocalizações puras e simples, têm-se vindo a multiplicar os casos de encerramento de empresas ou de sectores da produção dessas empresas sem explicações razoáveis e, em variados casos, com fortes suspeições de tais encerramentos esconderem operações imobiliárias de carácter especulativo. É o caso recente da Bombardier-Sorefame na Amadora.

São comportamentos que, ou assentam numa concepção depredadora do investimento empresarial que busca, sobretudo, obter o maior saque possível de recursos, apoios e mão-de-obra, obtendo num relativo curto espaço de tempo elevados volumes de lucros, majorados ainda por cima pelos apoios comunitários e nacionais recebidos, após o que se deslocam para outras paragens onde repetem o mesmo comportamento, deixando atrás de si um rasto de desemprego e de depressão. Ou assentam em estratégias exclusivamente internas aos interesses dos accionistas, sustentadas quantas vezes em engenharias especulativas, desprezando por completo os seus próprios compromissos e as suas responsabilidades sociais e provocando gravíssimos prejuízos aos Países onde tais operações se produzem.

Apesar do coro generalizado de críticas e condenação por tais comportamentos, a verdade é que nem as instituições internacionais como a União Europeia ou a OCDE nem o Estado português adoptaram qualquer legislação que permitisse travar e penalizar estes processos. E, reconhecendo que num quadro de livre circulação de capitais este é um fenómeno em que parte dele não se pode resolver inteiramente nos limites de um só país, nem por isso deixa de ser possível e necessário regular no plano nacional uma parte deste tipo de actuações e intervir no plano internacional, designadamente comunitário, para que nesse âmbito se legisle de forma mais global. Mas é precisamente isto que os governos portugueses não têm feito, apesar de a Assembleia da República, por proposta do PCP, ter aprovado em 1999 a Resolução n.º 25/99 publicado no Diário da República n.º 75/99, Série I-A, de 30 de Março, onde se pronunciava favoravelmente à adopção de um conjunto de medidas contra a deslocalização de empresas.

Apesar disto, existem, contudo, algumas normas comunitárias que, embora de forma tímida, abrem perspectivas para alguma regulação e penalização das entidades que cometam irregularidades na execução de projectos de investimento apoiados por subvenções e para a intervenção dos trabalhadores nos processos de deslocalizações, transferências e despedimentos colectivos. São os casos da Directiva 94/45/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 1994, relativa «à instituição de um conselho de empresa europeu ou de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária»; da Directiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de Julho de 1998, relativa «à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos despedimentos colectivos»; da Directiva 2001/86/CE do Conselho, de 8 de Outubro de 2001, que «completa o estatuto da Sociedade Europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores»; da Directiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, que «estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia»; da Resolução do Parlamento Europeu sobre «o encerramento de empresas após terem recebido ajuda financeira da UE, aprovada a 13 de Março de 2003 ou do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que «estabelece disposições gerais sobre os Fundos Estruturais» ou o «Livro Verde» que promove «um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas» ou a Carta Social Europeia Revista, ratificada pelo Estado Português pelo Decreto-Lei 54-A/2001, de 17 de Outubro, nomeadamente o seu artigo 29º.

Neste contexto o PCP, na sequência de iniciativas anteriores, insiste que é possível e necessário que o Estado português legisle no sentido de regular os processos de deslocalização e de encerramento de empresas ou de sectores e áreas produtivas em termos tais que não seja um factor de afastamento do investimento, estrangeiro ou nacional, sério e sustentado que, aliás, necessita ele próprio de um quadro regulamentar que o proteja da concorrência desleal que lhe é movida pelo «investimento beduíno» e que está na origem dos processos de transferências irregulares de empresas e estabelecimentos de um país para outro não servindo nenhum processo sustentado de desenvolvimento económico e social.

Por isso, o Grupo Parlamentar repõe, com várias alterações, um projecto de lei visando “Regular os processos de deslocalização e encerramento de empresas.

No projecto de lei que se segue propomos:

– Que todo o investimento suportado por ajudas públicas seja obrigatoriamente sujeito a contrato escrito onde figure, nomeadamente, um nível mínimo de incorporação nacional (o que, obviamente, dificulta depois o processo de transferência para além de constituir um valor acrescentado para o País), um tempo mínimo de duração de investimento nunca inferior a cinco anos, a regular em função da actividade principal e da dimensão do investimento; o volume e o perfil de emprego a criar;

– Que uma empresa que viole as condições contratuais a que se obrigou reembolse e indemnize o Estado português e o município ou municípios afectados num montante a fixar judicialmente segundo o princípio da proporcionalidade e tendo em conta as consequências económicas e sociais do seu acto;

– Que tais empresas fiquem impedidas de apresentar candidaturas a novas ajudas públicas nos cinco anos subsequentes à deslocalização e que os respectivos bens fiquem sujeitos a arresto judicial;
– Que o gestor ou gestores da empresa em causa respondam civil e criminalmente pelas consequências sociais a que a deslocalização der causa;

– Que os trabalhadores alvo de processos de despedimento colectivo na sequência de uma deslocalização tenham direito, no mínimo, a uma indemnização fixada no dobro do montante máximo previsto na lei geral, sem prejuízo de outros montantes devidos pela ilicitude do despedimento;

– Que toda a intenção de deslocalização, transferência, encerramento de estabelecimento ou empresa ou despedimento colectivo deva ser previamente comunicada às estruturas representativas dos trabalhadores, com uma antecedência mínima de 180 dias (ou 365 dias para investimentos cujo valor exceda 25 milhões de euros), no quadro dos procedimentos de informação e consulta previstos em directivas da União Europeia;

– Que, nestes casos, as estruturas representativas dos trabalhadores tenham acesso a toda a informação necessária à verificação e análise dos fundamentos técnicos, económicos ou outros apresentados para a deslocalização;

– Que seja instituído um Fundo Extraordinário de Apoio à Criação de Emprego, cujas receitas serão constituídas, entre outras, pelo produto dos reembolsos e indemnizações que as empresas que se deslocalizem sejam obrigadas a pagar e por dotações do Orçamento do Estado;

– Que o Fundo tenha como objectivo apoiar a recuperação da actividade económica e consequente manutenção ou criação de postos de trabalho e, neste quadro, seja também aplicado em iniciativas de criação de emprego promovidas e apresentadas pelos trabalhadores sujeitos a processos de despedimento;

– Que o Governo informe a Comissão Europeia, a OCDE, a OMC e o Observatório Europeu da Mudança de todas as empresas que se deslocalizarem em condições irregulares e que promova junto das instâncias judiciais, nacionais e comunitárias, os competentes processos;

– Que o Governo, no prazo de 90 dias após a aprovação deste diploma, proponha ao Conselho Europeu que tome as medidas necessárias à criação de condições de estabilidade do investimento estrangeiro, designadamente quanto a períodos mínimos de estadia e ao estabelecimento de compensações e indemnizações a outorgar em caso de violação dos compromissos contratuais;
– Que o Governo torne público os contratos e ajudas públicas outorgadas a empresas protagonistas de processos irregulares de deslocalização.

Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:


Artigo 1.º
Objecto

A presente lei visa regular os processos de deslocalização de empresas.

Artigo 2.º
Âmbito

A presente lei incide sobre os investimentos, nacionais ou estrangeiros, afectados a uma operação realizada com participação de Fundos ou outro tipo de comparticipação, directa ou indirecta, da União Europeia ou do Estado português, seja da Administração Central, Regional ou Local.

Artigo 3.º
Condições do investimento

1 — Todo o investimento suportado por ajudas públicas será obrigatoriamente sujeito a contrato escrito onde figurem, nomeadamente:

a) Um nível mínimo de incorporação de valor acrescentado nacional tendo em conta o sector de actividade e a sua localização;

b) Um tempo mínimo de duração de investimento nunca inferior a cinco anos, a regular em função da actividade principal e da dimensão do investimento;

c) O volume e os perfis de emprego a criar;

d) As condições de formação e qualificação dos trabalhadores;

e) Os critérios a utilizar na selecção dos trabalhadores;
f) O método previsto para o cálculo de qualquer eventual indemnização de despedimento que não decorra da lei nacional.

2 — O Governo certifica-se do cumprimento das condições contratuais assumidas e que essa operação não sofre alterações que afectem a sua natureza ou as suas condições de execução, designadamente quanto ao termo ou à mudança de localização do todo ou parte da respectiva actividade produtiva.

Artigo 4.º
Deslocalização

1 — Quando uma empresa deslocalizar ou encerrar a totalidade ou parte das suas actividades com violação das condições contratuais do investimento a que se obrigou, nomeadamente as que decorrem de subvenções comunitárias ou nacionais, fica obrigada ao reembolso das ajudas públicas que lhe foram outorgadas e indemnizará o Estado português e o município ou municípios afectados, num montante a fixar judicialmente atendendo, segundo o principio da proporcionalidade, à natureza da irregularidade ou da alteração e às consequências económicas e sociais produzidas.

2 — As empresas referidas no número anterior, bem como todas aquelas que com elas tenham uma relação de domínio, definida nos termos do artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, ficam impedidas de apresentar candidatura a novas ajudas públicas nos cinco anos subsequentes ao processo de deslocalização ou encerramento.
3 — Os bens das empresas que violem as condições contratuais ficam sujeitos a arresto decretado judicialmente, como dependência da acção de cumprimento, nos termos da legislação nacional.

Artigo 5.º
Responsabilidade do gestor

1— O gestor responde civil e criminalmente, tanto pela violação das condições contratuais como pelas consequências sociais a que a deslocalização ou encerramento da empresa der causa, na medida do exercício da sua gestão, nos termos da legislação nacional.

2 — Considera-se culposa a actuação do gestor quando ele agir de má fé e/ou em desconformidade com as condições contratuais.

3 — Havendo dois ou mais gestores que tenham agido conjuntamente, são solidárias as suas obrigações.

Artigo 6.º
Garantia dos trabalhadores

Os trabalhadores alvo de processos de despedimento na sequência da deslocalização ou encerramento de uma empresa ou, total ou parcialmente, da sua produção verificada nos termos previstos no artigo 4.º deste diploma têm direito a auferir uma indemnização determinada com base num valor correspondente ao dobro do montante máximo de indemnização fixado na lei, sem prejuízo de outros montantes devidos pela ilicitude do despedimento.

Artigo 7.º
Informação aos trabalhadores

1 — Toda a intenção de deslocalização, transferência, encerramento de estabelecimento, empresa, sectores produtivos ou despedimento colectivo deve ser previamente comunicada às estruturas representantes dos trabalhadores no quadro das condições dos processos de informação e consulta previstos, designadamente, nas Directivas 98/59/CE do Conselho, de 20 de Julho de 1998, 2001/86/CE do Conselho, de 8 de Outubro de 2001, e 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002.

2 – Nos casos em que a empresa em causa se enquadre na definição de empresa de dimensão comunitária constante do Artigo 472º. da Lei nº. 99/2003, de 27 de Agosto, será obrigatoriamente constituído um Conselho de Empresa Europeu nos termos dos Artigos 471º. e seguintes da mesma Lei e da Directiva 94/45/CE, de 22 de Setembro de 1994.

3 — A comunicação referida no número um é feita com uma antecedência mínima de 180 dias e deve conter os fundamentos técnicos, económicos ou outros que fundamentam a decisão.

4 — No caso de investimentos cujo valor exceda 25 milhões de euros o prazo referido no número anterior é de 365 dias.
5 — As estruturas representativas dos trabalhadores e os Conselhos de Empresa Europeus têm direito a solicitar esclarecimentos aos gestores da empresa e a receber a informação necessária à verificação e análise dos fundamentos apresentados nos termos do número dois.

6 – O dever de informação aos trabalhadores previsto neste artigo não legítima os processos de deslocalização, transferência ou encerramento referidos no nº 1.

Artigo 8.º
Fundo Extraordinário de Apoio

1 — É instituído um Fundo Extraordinário de Apoio à Criação de Emprego com vista à recuperação da actividade económica e consequente manutenção ou criação de postos de trabalho.

2 — O Fundo Extraordinário será gerido por uma comissão directiva à qual compete efectuar, em nome e por conta e ordem do Fundo, todas as operações necessárias à realização dos seus objectivos.

3 — Constituem receitas do Fundo Extraordinário, designadamente:

a) Os valores resultantes dos reembolsos e indemnizações previstos no artigo 4.º;

b) As dotações do Orçamento do Estado;

c) As subvenções, comparticipações, subsídios ou donativos concedidos por quaisquer entidades nacionais, bem como a receita da venda de bens doados;
d) O rendimento dos bens que fruir a qualquer título;

e) O produto de legados ou heranças.

Artigo 9.º
Criação de novos empregos

O Fundo Extraordinário previsto no artigo anterior será também aplicado em iniciativas de criação de emprego promovidas e apresentadas pelos trabalhadores sujeitos a processos de despedimento resultante de deslocalização de empresas.

Artigo 10.º
Informação

1 — O Governo informa a Comissão Europeia, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Observatório Europeu da Mudança (EMCC) de todas as empresas que se deslocalizarem ou encerrarem nas condições integrantes deste diploma.

2 — O Governo deve promover junto das instâncias judiciais, nacionais e comunitárias, o competente processo com base na violação das condições contratuais.


Artigo 11.º
Notificação comunitária

O Governo, nos 90 dias seguintes à aprovação da presente lei, proporá ao Conselho Europeu que tome as medidas necessárias à criação de condições de estabilidade do investimento estrangeiro, designadamente quanto a períodos mínimos de estadia, compensações e indemnizações a outorgar em caso de violação dos compromissos contratuais.

Artigo 12.º
Publicidade

O Governo tornará público, no prazo máximo de 30 dias após a notificação pela empresa do processo de deslocalização, encerramento ou despedimento colectivo, os contratos e ajudas públicas outorgadas à empresa em causa.

Artigo 13.º
Regulamentação

O Governo regulamentará no prazo de 90 dias as normas da presente lei que de tal careçam e designadamente as que se referem ao artigo 8.º.

Artigo 14.º
Entrada em vigor

A presente lei, na parte relativa à alínea b) do n.º 3 do artigo 8.º deste diploma, entra em vigor com a aprovação do próximo Orçamento do Estado.


Assembleia da República, em 5 de Maio de 2004