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Projecto de Lei nº 376/IX
Aprova medidas de combate à evasão e fraude fiscais e de contribuições ao regime da Segurança Social

 

Exposição de Motivos


A fraude e evasão fiscais e de contribuições para a Segurança Social assumem, em Portugal, uma dimensão em larga escala, como hoje já é consensualmente reconhecido.

Segundo dados do próprio Governo estima-se que os créditos fiscais do Estado rondem os 10 mil milhões de euros e as dívidas à Segurança Social atinjam cerca de 2,5 mil milhões de euros.

O PCP há muito que vem chamando a atenção para esta situação tendo inclusivamente apresentado sucessivas propostas no âmbito do Orçamento do Estado e de iniciativas legislativas. O acesso da Administração Tributária às informações protegidas por sigilo bancário ou o Projecto de Lei n.º 66/IX que propunha “Medidas de combate à evasão e fraude de contribuições ao regime da Segurança Social” (rejeitadas pelos votos das maiorias em cada momento existentes na Assembleia da República, apesar, no segundo caso, da própria Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais ter reconhecido a sua exequibilidade e a sua importância para o fim em vista) são dois exemplos das medidas avançadas.

Entretanto, os instantes relatórios da Direcção de Serviços do IRC, em que se sublinha o facto de mais de um terço das empresas apresentarem consecutivamente prejuízos fiscais estando a receita do IRC dependente em mais de 60% de 100 empresas - parte significativa das quais são empresas em que o Estado detém participação maioritária - ou os relatórios da Direcção de Serviços do IRS relativo a certas categorias de contribuintes, ou os relatórios das Direcções de Serviços do IVA e dos Impostos Especiais sobre o Consumo são suficientemente impressivos sobre a dimensão que atinge a evasão e fraude fiscais. A recente auditoria da Inspecção-geral de Finanças à Zona Franca da Madeira confirmou o total descontrolo que se passa naquela parte do território nacional em que 50% das empresas não declaram qualquer volume de negócios para efeitos de IVA, 42,5% não apresentam a declaração periódica de rendimentos para efeitos de IRC, reconhecendo a própria Administração Fiscal que só consegue identificar 33,3% das empresas licenciadas naquela Zona Franca.

Sucessivos Governos nunca tomaram as medidas enérgicas que a dimensão do escândalo justifica. E apesar de no âmbito dos serviços da Segurança Social e da Administração Tributária se ter vindo a tentar constituir bases de dados a verdade é que o resultado final está muito longe de atingir resultados eficazes. Entretanto, no debate na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República sobre o Orçamento do Estado para 2004, e em resultado de uma resposta da Ministra de Estado e das Finanças a uma interpelação do PCP, desencadeou-se uma polémica entre aquele membro do Governo e a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais, através da qual o País ficou a conhecer que o cruzamento de dados entre a Administração Tributária e a Segurança Social continuava paralisado.

O PCP entende que esta é uma matéria em relação à qual não se pode perder mais tempo. E, por isso mesmo, apresentou como proposta ao articulado do Orçamento do Estado para 2004, uma alteração visando determinar ao Governo que até 31 de Março de 2004 concretize as medidas necessárias a tal cruzamento.

Simultaneamente com esta proposta e prevenindo a hipótese de se optar por outra solução legislativa o Grupo Parlamentar do PCP apresenta também este projecto de Lei que “aprova medidas de combate à evasão e fraude fiscal e de contribuições para a Segurança Social”, no qual propomos:

• A criação de duas bases de dados: a Base de Dados da Segurança Social (BDSS) e a Base de Dados da Administração Tributária (BDAT);
• A BDSS, da responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, tem por finalidade organizar, normalizar e manter permanente e actualizada informação a nível nacional relativa a todos os contribuintes e beneficiários;
• Sempre que uma pessoa singular ou colectiva proceda à entrega de uma declaração de início de actividade nos termos do Código do IVA a Administração Tributária informará, nos 30 dias seguintes, a Segurança Social;
• A Administração Tributária envia à Inspecção-Geral da Segurança Social, no final do segundo trimestre de cada ano e referente ao ano anterior a listagem completa das remunerações constantes da declaração anual entregue por cada empresa com vista ao cruzamento dos valores declarados pelo contribuinte à Segurança Social;
• Todos os beneficiários da Segurança Social terão acesso às suas informações pessoais através da utilização de um cartão informatizado com uma senha pessoal e intransmissível;
• A Base de Dados da Administração Tributária, da responsabilidade da Direcção-Geral dos Impostos, integrará toda a informação fiscal e patrimonial de cada contribuinte e todos os registos da Administração Pública (cujos organismos assumem o dever de fornecer todos os dados relevantes) com incidência tributária, designadamente os registos e informações disponíveis nas Conservatórias do Registo Automóvel e do Registo Predial;
• As duas Bases de Dados têm âmbito nacional e integrado e um campo comum com a indicação do número de identificação fiscal através do qual se procede ao cruzamento de informações;
• Face à detecção de infracções os serviços competentes da Segurança Social e da Administração Tributária desencadearão os procedimentos necessários, que o projecto prevê, com vista à liquidação dos valores de contribuições e impostos em falta e à aplicação de sanções que a lei prevê;
• As duas Bases de Dados e as suas operações, no âmbito da aplicação da lei, são acompanhadas e fiscalizadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais;
• Anualmente serão apresentados à Assembleia da República os respectivos relatórios de actividade sobre a execução da lei.

Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei que “Aprova medidas de combate à evasão e fraude fiscais e de contribuições ao regime da Segurança Social”:


Capítulo I

Princípios Gerais

Artigo 1º
Objecto

A presente lei regula os meios de cooperação e informação entre os organismos da Segurança Social e os órgãos da Administração Tributária e cria a Base de Dados da Segurança Social e a Base de Dados da Administração Tributária com a finalidade de acompanhar e fiscalizar o cumprimento das contribuições ao sistema da segurança social e das obrigações tributárias dos contribuintes.

Artigo 2º
Âmbito de aplicação

As disposições desta lei aplicam-se a todos os órgãos da Segurança Social e da Administração Tributária que no desempenho das respectivas actividades desenvolvam funções com incidência tributária.

Artigo 3º
Princípios gerais

Os órgãos da Segurança Social e da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que lhes foram conferidos e estão sujeitos aos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.

Artigo 4º
Princípio da colaboração entre órgãos da Administração

Os órgãos da Segurança Social e da Administração Tributária devem actuar em estreita colaboração, de forma a assegurar o cumprimento das suas funções.

Capítulo II
Base de Dados da Segurança Social

Artigo 5º
Base de Dados da Segurança Social (BDSS)

1- A Base de Dados da Segurança Social tem por finalidade organizar, normalizar e manter permanente e actual a informação a nível nacional, relativa a todos os contribuintes e beneficiários, bem como a organização, manutenção e gestão dos respectivos ficheiros informatizados.

2- O Ministério da Segurança Social e do Trabalho responderá, através da
BDSS, a qualquer solicitação de um centro regional desde que fundamentada em indícios de incumprimento das obrigações de um contribuinte ou beneficiário.

3- Compete ao Ministro da Segurança Social e do Trabalho definir regras especiais de reserva de informação a observar pelos serviços, para que seja garantido o dever de sigilo relativamente a dados de natureza privada.

4- A Comissão Nacional de Protecção de Dados acompanha e fiscaliza as operações referidas nos números anteriores.

Artigo 6º
Declaração de início de actividade

Sempre que uma pessoa singular ou colectiva proceda à entrega de uma declaração de início de actividade nos termos do artigo 28º do Código do IVA, a Administração Tributária informará, nos 30 dias seguintes o respectivo centro regional de segurança social.

Artigo 7º
Declaração de remunerações e contribuições

As pessoas colectivas que exerçam actividade em diferentes locais do País, entregam obrigatoriamente a declaração de remunerações e contribuições
no centro regional de segurança social das áreas respectivas que deverá incluir também o número de identificação fiscal.

Artigo 8º
Acesso pessoal à BDSS

A BDSS será constituída por um ficheiro informatizado pessoal ao qual é permitido o acesso a todos os beneficiários a informações que lhe digam pessoalmente respeito, através da utilização de um cartão informatizado com uma senha pessoal e intransmissível previamente atribuída.

Artigo 9º
Informação Geral

A Administração Tributária envia ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no final do segundo trimestre de cada ano e referente ao ano anterior, a listagem completa das pessoas colectivas desagregadas por regiões, com a designação da entidade, sede e respectivo número de identificação fiscal, a informação das remunerações constantes da declaração anual entregue por cada pessoa colectiva, com vista ao cruzamento dos valores declarados pelo contribuinte à segurança social e ainda a indicação do volume de negócios declarado.

Artigo 10º
Discrepância da informação

Quando através do cruzamento da informação a que se refere o número anterior se verifiquem diferenças entre o valor de remunerações declarado para efeitos fiscais e para a segurança social, sempre que o primeiro valor seja superior, deverão os serviços competentes executar os procedimentos necessários à liquidação do valor em falta incluindo os juros de mora.

Artigo 11º
Intervenção da IGT e da IGF

Quando haja indícios fundamentados de que o número de trabalhadores de uma empresa e as remunerações constantes da declaração de remunerações não coincidem com o número e valores reais, os centros regionais de segurança social podem solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho ou da Inspecção-Geral de Finanças, para actuarem no âmbito das suas competências.

Artigo 12º
Incumprimento reiterado

No caso de incumprimento reiterado na entrega completa da declaração de remunerações ou no pagamento de contribuições, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social solicita ao Ministério que tutela a actividade económica do contribuinte em falta que o notifique dando conta que em caso de novo incumprimento ficará impossibilitado de continuar a exercer essa actividade.

Artigo 13º
Recuperação de contribuições

1 – É criado junto de cada centro regional de Segurança Social um departamento para recuperação de contribuições ao qual compete notificar os contribuintes em dívida, com vista a negociar a forma de pagamento do valor em falta.

2 – O Departamento a que se refere o número anterior é composto pelo representante da Segurança Social, que preside, por um membro da Inspecção-Geral de Finanças que representa o Ministro do Estado e das Finanças, e por um membro da Inspecção-Geral do Trabalho que representa o Ministério da Segurança Social e do Trabalho.

Artigo 14º
Sigilo bancário

O não cumprimento atempado das obrigações legais em relação à segurança social, designadamente a existência de dívidas acumuladas, constitui, desde que fundamentado, motivo suficiente para que se proceda ao levantamento do sigilo bancário nos termos da legislação em vigor.

Artigo 15º
Prestação de garantia

O devedor à Segurança Social cuja dívida tenha sido liquidada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social é obrigado à prestação de uma garantia idónea nos termos da lei, logo que se inicie o processo de execução fiscal.

Capítulo III
Base de Dados da Administração Tributária

Artigo 16º
Base de Dados da Administração Tributária (BDAT)

1- A Base de Dados da Administração Tributária (BDAT) tem por finalidade permitir à Administração Tributária a organização e informação a nível nacional, relativa a todos os contribuintes, ficando todos os restantes organismos da Administração Pública com o dever de fornecer todos os dados e informações relevantes em matéria fiscal e patrimonial.

2- O Ministério das Finanças, através da Direcção Geral dos Impostos, é responsável pelo tratamento, organização e actualização permanente da BDAT, bem como da gestão dos respectivos ficheiros informáticos.

3- Compete ao Ministro do Estado e das Finanças definir regras especiais de reserva de informação a observar pelos serviços, para que seja garantido o dever de sigilo relativamente a dados de natureza privada.

4- A Comissão Nacional de Protecção de Dados acompanha e fiscaliza as operações referidas nos números anteriores.

Artigo 17º
Informações e utilização da BDAT

1- A BDAT contém todos os registos decorrentes da actividade da Administração Pública que tenham incidência tributária sobre os contribuintes, designadamente os registos e informações relevantes que se encontrem disponíveis nas Conservatórias do Registo Automóvel e do Registo Predial.

2- Os responsáveis da Administração Tributária têm acesso restrito às informações da BDAT e respeitam na sua consulta e utilização as normas de segurança determinadas pelo Ministro das Finanças e pela Comissão Nacional para a Protecção de Dados Pessoais.

3- A informação contida na BDAT serve exclusivamente o objectivo de detecção e combate à fraude e evasão fiscal, designadamente por omissão ou prestação de falsas declarações, cabendo ao Ministério das Finanças, através da Direcção-Geral dos Impostos, o cruzamento e análise de toda a informação aí inserida.

Artigo 18º
Sigilo bancário

O não cumprimento atempado das obrigações fiscais que a lei impõe, constitui, desde que fundamentado, motivo suficiente para que se proceda ao levantamento do sigilo bancário nos termos legais.

Artigo 19º
Infracção fiscal

Sempre que os dados recolhidos, a sua análise ou interconexão indiciem práticas ilícitas ou criminais, deve a informação ser transmitida às entidades competentes, nos termos da legislação aplicável.

Capítulo IV
Disposições finais

Artigo 20º
Informação comum

A Base de Dados da Segurança Social (BDSS) e a Base de Dados da Administração Tributária (BDAT) têm âmbito nacional e integrado e um
campo comum com a indicação do número de identificação fiscal, através do qual se procede ao cruzamento de informações.

Artigo 21º
Dever de cooperação

1 – No âmbito da boa colaboração entre a Administração Tributária a Administração Pública e a Segurança Social e os Tribunais, será criado um sistema de controlo dos processos enviados para execução fiscal de forma e evitar a sua prescrição.
2 – Os dados fornecidos pelo sistema de controlo a criar nos termos do número anterior, serão enviados, com carácter de urgência, para os tribunais respectivos para que sejam tomadas as medidas consideradas necessárias.

3 – Para melhor eficácia do sistema de controlo a criar nos termos do número 1 deve ser estabelecido um Protocolo entre o Ministério da Segurança Social e do Trabalho, o Ministério das Finanças e o Ministério da Justiça.

Artigo 22º
Segurança da informação

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e a Direcção Geral dos Impostos devem equipar as respectivas Bases de dados com sistemas de segurança que impeçam a consulta, modificação, destruição ou acrescento dos dados por pessoa não autorizada a fazê-lo e permitam detectar desvios da informação intencionais ou não.

Artigo 23º
Conservação e destruição de dados

Os dados constantes da BDSS e da BDAT são conservados até ao limite de dez anos após o ano a que se referem, após o que são destruídos.

Artigo 24º
Sigilo profissional

Os responsáveis do tratamento de dados, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam sujeitos a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções, não se excluindo o dever de fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais.

Artigo 25º
Responsáveis pelas Bases de Dados

Os responsáveis pelas BDSS e BDAT são, respectivamente, o Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Director Geral da Direcção Geral dos Impostos.

Artigo 26º
Direito de informação e acesso e prestação
de declaração ou rectificação

1- O titular dos dados tem o direito de obter informações e esclarecimentos relativamente aos seus dados pessoais que já tenham sido recolhidos e de obter os dados sobre que incide o tratamento das BDSS e BDAT.

2- O titular dos dados tem o direito de prestar declarações, de corrigir, complementar ou preencher omissões, relativas às informações obtidas, desde que o faça por requerimento escrito, devidamente fundamentado, dirigido ao Ministro da tutela que, através da Inspecção-Geral da Segurança Social ou da Direcção-Geral dos Impostos, o notificará da decisão no prazo de vinte dias úteis, após a recepção do requerimento, e actuará de imediato em conformidade com a mesma.

Artigo 27º
Auditoria e fiscalização

1- Os Ministros do Estado e das Finanças e da Segurança Social e do Trabalho nomeiam, cada um deles, dois técnicos, a quem compete promover auditorias técnicas, designadamente, a elaboração de pareceres que verifiquem a execução da presente lei, nomeadamente quanto à recolha, tratamento e acesso dos dados informáticos e fornecer a informação, através de Relatório, da actividade desenvolvida pelos órgãos
da Segurança Social e da Administração Tributária no âmbito da presente lei.

2- O Relatório de Actividades e os pareceres emitidos na sequência das auditorias realizadas nos termos do número anterior, são apresentados à Assembleia da República, ao Ministro das Finanças e do Estado, ao Ministro da Segurança Social e do Trabalho e à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais até ao final do primeiro trimestre de cada ano.
3- A Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais fiscaliza a aplicação da presente lei, designadamente quanto ao funcionamento e tratamento dos dados, o cumprimento de regras por parte dos órgãos competentes, a garantia de sigilo, a legalidade da interconexão das informações, recolha, acesso, consulta e utilização dos dados contidos na BDSS e na BDAT.

4- Compete à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais elaborar Pareceres e emitir Recomendações no âmbito da fiscalização a que se refere o número anterior, sem prejuízo das outras competências que a lei lhe atribua.

Artigo 28º
Legislação subsidiária

Em tudo quanto não estiver expressamente previsto na presente lei aplica-se o disposto na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, relativa à protecção de dados pessoais.

Artigo 29º
Regulamentação

O Governo aprovará as normas necessárias à execução da presente lei no prazo de 180 dias após a sua publicação.

Artigo 30º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia posterior à sua publicação.


Assembleia da República, em 12 de Novembro de 2003