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Projecto de Lei nº 352/IX
Reforça os direitos das pessoas que vivem em união de facto

 

A Lei 7/2001 de 11 de Maio consagrou alguns direitos para as uniões de facto, aproximando a sua protecção legal daquela que se encontra estabelecida para os cônjuges.

No entanto, nem sempre a lei se presta a interpretações unívocas.

Já em relação a disposições legais anteriores, que dispensam às pessoas em união de facto o mesmo regime aplicável à sociedade conjugal, se encontravam instaladas nos Tribunais Judiciais, interpretações divergentes, nomeadamente quanto à atribuição das pensões da segurança social. Mas também relativamente à forma de obter essas pensões.

Na verdade, alguns Tribunais inviabilizaram a atribuição de pensões de sobrevivência, argumentando que não bastava a prova da coabitação há mais de 2 anos. Sendo também necessário provar a necessidade de alimentos, a cargo da herança do falecido, por parte do sobrevivo, e a impossibilidade de os obter dos seus familiares consanguíneos obrigados à prestação alimentar. (Vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1995, que decidiu que “não pode autonomizar-se o direito a uma pensão de sobrevivência no contexto da união de facto e colocá-lo em paralelo com o mesmo direito no contexto do casamento, face às normas legais já referenciadas”)

Mas, por exemplo, o Tribunal de Círculo de Portalegre, na acção ordinária nº 46/ 96, decidiu que, para ter direito às prestações por morte, quer no regime geral, quer no regime da função pública, é apenas necessário demonstrar que à data da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, se vivia com ele, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges”

Por outro lado, também quanto à forma de obter o reconhecimento do direito às prestações, houve nos Tribunais soluções divergentes.

E é assim que na acção decidida pelo Tribunal de Portalegre contra a argumentação de que para obter o reconhecimento do direito às prestações seria necessário duas acções judiciais, se veio estabelecer, na sentença, que bastaria uma acção.

Mas o acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 1995, aliás invocando o Decreto-Regulamentar 1/94, decidiu que seriam sempre necessárias duas acções. Uma contra a herança do falecido, para provar o direito a alimentos, e outra, a propor contra a instituição a quem cabe atribuir as pensões, para obter a declaração do direito às prestações por morte.

Perante as dificuldades que, com base na interpretação de disposições legais, se têm colocado ao exercício de direitos a prestações por morte, não admira que só 36 pessoas que viveram em união de facto, estejam a receber pensões da Caixa Geral de Aposentações.

A Lei 7/2001 manteve ainda algumas indefinições que convém superar.

As indefinições são mais flagrantes no que toca às prestações por morte.

Na verdade, no artigo 6º da Lei estabelece-se que, para a atribuição das prestações por morte no âmbito da segurança social, dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, e das pensões por preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, será necessário reunir as condições constantes do artigo 2020º do Código Civil.

O que colocará ainda o problema da caducidade pela não propositura da acção no prazo de 2 anos.
No caso dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, a referida disposição da Lei 7/2001 contraria até o que a lei 100/97 estabelece. Na verdade, segundo esta lei específica sobre a sinistralidade laboral, bastará provar que o sinistrado/a viveu em união de facto com a beneficiária/o. Não sendo assim, necessário, fazer a prova dos outros requisitos do artigo 2020º do Código Civil. (vide artigo 20º nº1 1línea a) e nº3 do mesmo artigo, e artigo 22º nº1 alíneas a) e b) daquela lei)

É certo que no nº2 do artigo 1º se estabelece que a lei 7/2001 não prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar tendente à protecção jurídica das uniões de facto.

Mas então o artigo 6º bem poderia ter sido compaginado com a lei dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

Por outro lado, relativamente à forma de exercício dos direitos às prestações por morte, também a lei não toma posição clara sobre a necessidade de uma ou duas acções.

Ora, estamos de acordo com os que defendem que o fundamento da atribuição do direito a alimentos a favor da pessoa que vivia com o falecido, em união de facto estável e duradoura (há mais de dois anos, como marido e mulher), e à custa dos bens da herança do falecido, caso existam e sejam suficientes, radica no estatuto das relações parafamiliares. O também direito a receber alimentos dos próprios parentes, pela pessoa sobreviva, desde que a situação patrimonial destes o possibilite, reside nos laços de parentesco familiar dessa pessoa.

Esse é, de facto, o quadro civilista, no âmbito da aplicação dos artigos 2020º e 2009º, a) e d).

Concordamos com os que defendem que outra é a razão de ser da atribuição do direito à pensão de sobrevivência a haver pela pessoa sobrevivente da união de facto – uma vida em comum em condições análogas às dos cônjuges – da instituição de segurança social competente para essa atribuição, pois a razão deriva do aforro que foi realizado pela pessoa falecida, no decurso de toda uma vida de trabalho, por via dos descontos nas remunerações que foram sendo legalmente e pontualmente depositados à ordem dessa instituição.

França Pitão no seu livro “União de Facto no Direito Português” (Almedina, págs. 177 e segs) vai ao encontro do exposto, afirmando:

“(...) o novo preceito estabelece que o companheiro sobrevivo beneficiará das prestações sociais desde que reúna as condições previstas no artº 2020º do Código Civil. Ora, seguramente, tal preceito não se refere à necessidade do alimentando nem às possibilidades do alimentante, já que estas condições decorrem daquele outro princípio geral do artº 2004º do mesmo diploma. Bastará, por isso, que se faça, a prova do preenchimento dos requisitos legalmente impostos para a eficácia da união de facto, sendo irrelevante, nesta matéria, saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento a esta. Efectivamente, ao estabelecer-se o acesso às prestações sociais pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência, decorrente do ‘aforro’ que foi efectuado pelo seu falecido companheiro, ao longo da sua vida de trabalho, mediante os descontos mensais depositados à ordem da instituição de segurança social. Por isso, a esta é indiferente saber se o potencial beneficiário tem ou não meios de subsistência próprios, já que as referidas prestações resultam de um direito que lhe assiste incondicionalmente, para além das próprias necessidades comprovadas do seu titular.”

Relativamente às pensões de preço de sangue e às pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, realça-se que têm natureza indemnizatória. (Natureza indemnizatória têm também as pensões por acidentes de trabalho e doenças profissionais; mas nessa matéria cremos que o problema está solucionado pois existe legislação específica).
Ora, sobre uma questão relacionada com o direito a prestações de natureza indemnizatória, já o Tribunal Constitucional no acórdão 275/2002 publicado no Diário da República, II Série, nº 169 de 24 de Julho de 2002, se decidiu pela inconstitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 496º do Código Civil, quando exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos a pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges. Por afrontar o artigo 36º nº1 da Constituição e do artigo 13º da Constituição. Assim, nenhuma razão há para que as pensões de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, de natureza indemnizatória, dependam da prova dos requisitos do artigo 2020º.

Impõe-se, em nossa opinião, o aperfeiçoamento da Lei 7/2001 de 11 de Maio, no sentido de melhor corresponder à necessidade de efectivar direitos que decorrem de uma nova forma de família, a que a Constituição deu acolhimento.
O casamento não é a única forma de constituir família.

Assim, no Projecto de Lei consagra-se expressamente:

• Que o direito às prestações por morte não depende da prova da necessidade de alimentos da herança do falecido
• Que bastará uma só acção para obter a declaração do direito às prestações
• Que sempre que para prova da união de facto estiver prevista, ou venha a ser prevista, qualquer outra forma legal ou regulamentar simplificada, será esse procedimento que deverá ser seguido;
• O alargamento às uniões de facto dos benefícios da ADSE ou de regimes especiais;
• A alteração de diplomas que regulamentam a atribuição das prestações por morte, na sequência das alterações que se introduzem.
• A revogação do Decreto-Regulamentar 1/94 e de todas as disposições que contrariem o regime previsto.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:


Reforça os direitos das uniões de facto

Artigo 1º
(alteração da lei 7/2001 de 11 de Maio)

Os artigos 1º, 3º e 6º da Lei 7/2001 passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 1º
(…)
1. (actual redacção)
2. Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum, em matérias reguladas ou não na presente lei; naquele caso, serão aplicadas as disposições em vigor, sempre que o seu regime seja mais favorável.

Artigo 3º
(...)
As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
a) (actual redacção)
b) Beneficiar dos regimes jurídicos de férias, feriados e faltas e de preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública, equiparados aos dos cônjuges.
c) (actual redacção)
d) (actual redacção)
e) (actual redacção)
f) ( actual redacção)
g) ( actual redacção)
h)Beneficiar do regime de assistência aos servidores do Estado (ADSE) e dos regimes especiais.
2. Todos os direitos previstos no número anterior estão unicamente dependentes da prova da existência da união de facto há mais de 2 anos, à data em que se exerce o direito, ou à data do óbito quando seja este o facto determinante da protecção legal..

Artigo 6º
(Regime do exercício dos direitos)

1. Sem prejuízo das disposições legais ou regulamentares que prevejam ou possam vir a prever formas simplificadas para a aplicação da protecção legal às uniões de facto, sempre que a prova da união de facto seja instrumental do direito que se exerce, tal prova será feita na acção que vise o exercício desse direito, se a situação da união de facto não se encontrar ainda provada.
2. A acção declarativa referida no número anterior visando a declaração da qualidade de titular da pensão de sobrevivência ou da pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais prestados ao país, será proposta contra a entidade a quem cabe o pagamento da pensão, no Tribunal Cível do domicílio do autor, e segue a forma do processo sumário.

Artigo 2º
(Aditamento de dois artigos à lei 7/2001 de 11 de Maio)

É aditado à lei 7/2001 de 11 de Maio o artigos 6º-A com a seguinte redacção

Artigo 6º-A
(ADSE e regimes especiais)

Os benefícios da ADSE, ou dos regimes especiais que visem o mesmo objectivo, são alargados às pessoas que se encontrem na situação prevista no artigo 1º nº1 da presente lei, que gozarão dos mesmos direitos atribuídos aos cônjuges.

Artigo 3º
(Alteração ao Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro)

O artigo 8º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 8º
(Uniões de facto)

1- O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos.

2 – A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que regula as medidas de protecção das uniões de facto.”

Artigo 4º
(Alterações ao Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março)

Os artigos 40º e 41º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, com as alterações posteriormente introduzidas pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, que estabelece o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 40º
(Herdeiros hábeis)

1 – (actual redacção)
a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos.
b) (actual redacção)
c) (actual redacção)
d) (actual redacção)
2 – (actual redacção)
3 – (actual redacção)
4 – (actual redacção)

Artigo 41º
(Ex-cônjuge e pessoa em união de facto)

1 – (actual redacção)
2 – O direito à pensão de sobrevivência por parte das pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos está dependente da prova da existência dessa união que deverá ser efectuada nos termos definidos na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que regula as medidas de protecção às uniões de facto.
3- A pensão será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que for requerida, enquanto se mantiver o referido direito.

Artigo 5º
(Norma revogatória)

1 – É revogado o Decreto-Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro.
2 – São revogadas todas as disposições legais que contrariem o disposto no presente diploma.

Artigo 6º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no prazo de 5 dias a contar da sua publicação, e é aplicável às acções pendentes.


Assembleia da República, em 24 de Setembro de 2003