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Projecto de Lei nº 166/IX
Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência

 

 

Na sociedade actual a esmagadora maioria das pessoas está longe de encontrar respostas capazes de garantir a todos as condições de igualdade de direitos e oportunidades. E, desde sempre, as pessoas com deficiência foram de todos os mais discriminados.

As pessoas com deficiência são as mais afectadas pelo desemprego, com mais dificuldades de acesso à formação e ao emprego, que mais sofrem as consequências da repressão sobre os trabalhadores e aquelas que no seu dia-a-dia mais obstáculos encontram.

A sociedade continua a não resolver os constrangimentos a que muitos cidadãos deficientes estão confrontados.

Aceitando o repto lançado pela Associação Portuguesa de Deficientes, e retomando iniciativa da anterior legislatura, o PCP elaborou o presente projecto de lei que define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência.

O presente projecto de lei cria a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência e define o quadro legal das suas competências, reforçando o seu papel interventivo na detecção e combate efectivo às situações de discriminação verificadas para com as pessoas com deficiência.

Na sequência das sugestões apresentadas pela Associação Portuguesa de Deficientes e pela Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:


Artigo 1.º
Âmbito

1 — A presente lei consagra medidas de efectivação dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência através da prevenção e proibição de actos que se traduzam na violação de direitos em razão da deficiência, sob todas as suas formas.

2 — O disposto na presente lei não prejudica a vigência e aplicação de outras disposições que discriminem positivamente as pessoas com deficiência e garantam o exercício dos seus direitos.

Artigo 2.º
Conceitos

Entende-se, para efeito da presente lei, por:

a) Principio da igualdade de tratamento: a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada em razões de deficiência.

b) Discriminação directa: sempre que uma pessoa com deficiência é objecto de um tratamento menos favorável de que é dado a outra pessoa.

c) Discriminação indirecta: sempre que uma disposição, critério ou prática seja susceptível de prejudicar uma pessoa com deficiência desde que não existam razões objectivas que a justifiquem.

d) Discriminação positiva: medidas destinadas a garantir às pessoas com deficiência o exercício, em condições de igualdade, dos seus direitos.

Artigo 3.º
Práticas discriminatórias

Consideram-se práticas discriminatórias contra as pessoas com deficiência as acções ou omissões dolosas ou negligentes que, violem o princípio da igualdade, nomeadamente:

a) A adopção de procedimento, medida ou critério utilizado pela entidade empregadora, pública ou privada, directa ou através de directivas gerais e instruções internas no local de trabalho ou as dadas a agência de emprego, que se traduza em discriminação das pessoas com deficiência na oferta de emprego, na cessação de contrato de trabalho, na recusa de contratação ou em qualquer outro aspecto da relação laboral;

b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão da deficiência;

c) A recusa de fornecimento ou impedimento de fruição de bens, equipamentos ou serviços, por parte de qualquer pessoa singular ou pessoa colectiva, pública ou privada;

d) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, bem como do acesso ao crédito bancário para compra de habitação, assim como a recusa ou a penalização na celebração de contratos de seguros;

e) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público, ou aos transportes públicos, quer sejam aéreos, terrestres ou marítimos;

f) A recusa, a limitação ou o impedimento de acesso aos estabelecimentos de saúde ou de ensino, públicos ou privados, ou a qualquer meio de compensação e apoio adequado às necessidades específicas das pessoas com deficiência;

g) A adopção de medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado que prejudiquem a integração das pessoas com deficiência;

h) A adopção de medidas que limitem o acesso as novas tecnologias.

Artigo 4.º
Comissão para Igualdade

É criada a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência, adiante abreviadamente designada por Comissão, com as atribuições e competências previstas nos artigos seguintes.

Artigo 5.º
Natureza e objectivos

A Comissão é um organismo vocacionado para o estudo e análise da realidade, na óptica da igualdade de direitos e oportunidades, e para a intervenção em todas as áreas com incidência na situação das pessoas com deficiência, no sentido de lhes garantir o exercício pleno dos seus direitos e de contribuir para que a sociedade assegure a sua completa integração.

Artigo 6.º
Competências

São competências da Comissão:

a) Intervir na elaboração da política global e sectorial com incidência na situação dos cidadãos com deficiência;

b) Contribuir para as alterações legislativas julgadas necessárias nas diferentes áreas, propondo medidas, e suscitar a criação de mecanismos que se mostrem necessários ao cumprimento efectivo das leis;

c) Dar parecer sobre as iniciativas legislativas relativas à área da deficiência;

d) Promover acções de divulgação e formação, visando a consciencialização dos cidadãos com deficiência e da sociedade no seu conjunto em relação às situações de discriminação existentes;

e) Realizar e apoiar investigação interdisciplinar sobre as temáticas da deficiência e a situação dos cidadãos com deficiência, nomeadamente sensibilizando os organismos competentes para a necessidade do seu tratamento estatístico e promovendo a sua divulgação;

f) Informar e sensibilizar a opinião pública sobre a temática da deficiência, através dos meios de comunicação social, da edição de publicações, da manutenção de um centro de documentação e de uma biblioteca especializada;

g) Contribuir para o acesso ao direito através de um serviço de informação jurídica dirigido ao cidadão com deficiência;

h) Cooperar com organizações de âmbito internacional e com organismos estrangeiros que prossigam objectivos conexos com os da Comissão, tendo em vista participar nas grandes orientações internacionais relativas à igualdade e vinculá-las a nível nacional;

i) Comunicar às entidades competentes ou tornar públicos casos de efectiva violação da presente lei;

j) Elaborar e publicitar um relatório anual sobre a situação de igualdade e da discriminação das pessoas com deficiência em Portugal;

k) Receber e encaminhar as queixas ou participações perante si formuladas com vista a adequado procedimento.

l) Realizar ou apoiar outras acções no âmbito dos objectivos da Comissão.

Artigo 7.º
Composição

1 — A Comissão é constituída pelas seguintes entidades:

a) Dois representantes indicados pela Assembleia da República;

b) Três representantes do Governo com ligação ao emprego e segurança social, à educação e à saúde;

c) Seis representantes das associações de pessoas com deficiência de âmbito nacional, sendo, pelo menos um, representante da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes;

d) Dois representantes de organizações não governamentais com actividade na área da deficiência;

e) Um representante da Ordem dos Advogados;

f) Dois representantes das centrais sindicais;

g) Dois representantes das associações patronais;

h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.

2 — Para efeitos da alínea c) entende-se que uma associação de pessoas com deficiência é aquela em que a maioria dos sócios assim como dos corpos gerentes é constituída por pessoas com deficiência ou pais de pessoas com deficiência que não possam exercer a sua representação própria.

3 — O plenário da Comissão elege, na primeira reunião, o presidente da Comissão de entre os seus membros, por maioria qualificada e sob proposta do Ministério da tutela.

Artigo 8.º
Instalação

Compete ao Governo instalar a Comissão e dotá-la dos meios técnicos e humanos necessários ao seu funcionamento.

Artigo 9.º
Órgãos

São órgãos da Comissão:

a) O Presidente;

b) A Comissão Permanente;

c) O Conselho de Coordenação Técnica;

d) O Conselho Consultivo.

Artigo 10.º
Presidente

Ao presidente compete representar a Comissão e exercer os poderes inerentes à sua direcção, orientação e gestão global.

Artigo 11.º
Comissão permanente

1 — A Comissão dispõe de uma Comissão Permanente, composta pelo presidente e por dois membros eleitos pelos restantes, sendo obrigatoriamente um deles representante de uma organização de pessoas com deficiência.

2 — A Comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a Comissão Permanente ou a requerimento de um terço do seus membros.

Artigo 12.º
Conselho Consultivo

1 — O Conselho Consultivo é um órgão que assegura a participação de departamentos governamentais e de organizações não governamentais quanto à prossecução dos objectivos da Comissão e contribui para a definição e execução de políticas relativas à deficiência.

2 — O Conselho é composto pela Secção Interministerial e pela Secção de Organizações Não Governamentais.

3 — O plenário do Conselho Consultivo reúne ordinariamente três vezes por ano, podendo reunir extraordinariamente por convocação do Presidente ou da Comissão Permanente e delibera por maioria simples sempre que esteja presente, pelo menos, um terço dos seus membros.

4 – Poderão tomar parte nas reuniões do Conselho Consultivo ou das secções, sem direito a voto, a convite do presidente, individualidades de reconhecida competência relativamente à temática da deficiência.

Artigo 13.º
Secção Interministerial

1 — A Secção Interministerial do Conselho Consultivo é integrada por representantes de departamentos governamentais das áreas da Administração Pública consideradas de interesse para os objectivos da Comissão.

2 — A definição dessa áreas será feita por despacho dos membros do Governo de que dependam.

3 — Compete-lhe, nomeadamente:

a) Assegurar a cooperação de todos os sectores da Administração;
b) Facultar informações de que tenha conhecimento através dos seus departamentos com incidência na
problemática da e da deficiência.

c) Pronunciar-se sobre os projectos que lhe sejam submetidos;

d) Acompanhar e avaliar a execução das medidas de política relativas à deficiência que decorram de compromissos assumidos internacionalmente, designadamente pela União Europeia.

Artigo 14.º
Secção de Organizações não Governamentais

1 — A Secção de Organizações não Governamentais do Conselho Consultivo é constituída por representantes de organizações de pessoas com deficiência cujos objectivos se coadunem com os da Comissão, que exerçam a sua actividade em todo o território nacional, e de organizações cujo campo de acção ou programas visem a melhoria das condições de vida e do estatuto das pessoas com deficiência.

2 — Compete à Comissão Permanente a designação das organizações a que se reporta o número anterior, na sequência da apreciação dos respectivos estatutos.

3 — Compete à Secção, nomeadamente:

a) Contribuir para a definição da política relativa aos cidadãos com deficiência e à igualdade de direitos e oportunidades, transmitindo a posição assumida pelas diversas associações;

b) Colaborar na concretização da política definida, nomeadamente através da realização de projectos comuns e da mobilização dos cidadãos ou dos grupos a que as organizações têm acesso;

c) Pronunciar-se sobre os projectos que lhe sejam submetidos.

Artigo 15.º
Conselho de Coordenação Técnica

1 — O Conselho de Coordenação Técnica é um órgão de apoio que visa assistir os restantes órgãos no desempenho das suas funções.

2 — A composição, competências e funcionamento serão decididas em regulamento interno a aprovar pela Comissão.

Artigo 16.º
Dever de cooperação

As entidades públicas e privadas devem cooperar com a Comissão na prossecução das suas actividades.

Artigo 17.º
Actos discriminatórios

A prática por pessoa singular de acto discriminatório, nos termos da presente lei, por acção ou omissão, constitui contra-ordenação punível com coima nos termos da lei.

Artigo 18.º
Registo

1 — Todas as decisões comprovativas de prática discriminatória em função da deficiência deverão ser comunicadas à Comissão, que organizará um registo das mesmas.

2 - No decurso de qualquer processo baseado na violação do direito à igualdade de tratamento o julgador pode solicitar informação à Comissão, que a dará, sobre a existência de qualquer decisão já transitada em julgado relativa à entidade em causa.

Artigo 19.º
Regulamentação

O Governo deverá regulamentar a presente lei no prazo máximo de 90 dias.

Artigo 23.º
Entrada em vigor

1 — As normas com incidência orçamental entram em vigor com o Orçamento do Estado subsequente.

2 — As restantes entram em vigor no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação.


Assembleia da República, em de Novembro de 2002