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Projecto de Lei nº 384/VII
Estabelece protecção adequada às famílias em união de facto

Situação


I

A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 36º, consagra um conceito de família que não se reduz à família formada a partir do casamento.

A dicotomia direito de constituir família e direito de contrair casamento, é reveladora de que a Constituição aponta ao legislador ordinário a obrigação de não discriminar as famílias constituídas a partir da união de facto.

Na verdade, a família é, como dizem Vital Moreira e Gomes Canotilho na sua Constituição Anotada, " uma categoria existencial, um fenómeno de vida e não uma criação jurídica".

Porque assim é, através dos tempos sempre coexistiu com a família baseada no casamento, a família baseada na coabitação, na união de facto, a família more uxorio.

A Família nascida da união " publica fama" que deu origem a uma lei de D.Dinis datada de 1.311, segundo a qual " se um homem vive com uma mulher, mantêm ambos casa própria por sete anos consecutivamente, tratam-se ambos por marido e mulher, fazem compras, vendas e emprazamentos e põem nos documentos e cartas que fazem, marido e mulher, e na vizinhança forem conhecidos como tal, não pode nenhum deles negar o casamento e aqueles são marido e mulher ainda que não sejam casados à face da Igreja".

Vestígios dessa família constituída através de " palavras de presente" continuamos a encontrá-los através dos tempos, como acontece por vezes através de obras literárias. Caso da Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente que nos revela uma família constituída através da união de facto entre Inês Pereira e Pero Marques que trocam " palavras de presente" perante a testemunha Lianor Vaz, e passam a ser, a partir daí, marido e mulher.

A nossa história mais recente das relações jurídicas familiares, revela-nos que a união de facto continuou a ser encarada como fonte daquelas relações. A súbita elevação da taxa de nupcialidade na região do Alentejo em determinada momento, revelou que a mesma resultara da "conversão" de uniões de facto em famílias matrimonializadas pela necessidade de aceder ao subsídio de casamento da Segurança Social. É que essa subida da taxa de nupcialidade coincidiu precisamente com a criação do subsídio de casamento. Prova de que a discriminação das famílias baseadas na união de facto condiciona por vezes a liberdade de optar por uma determinada forma de família que é um fenómeno de vida.

Os dados que hoje se conhecem ( um recente inquérito feito à juventude revelando que 37, 3% dos inquiridos consideram que a união de facto é praticamente o mesmo que o casamento e a progressão verificada no número de filhos nascidos fora do casamento- de 7, 2% dos nados vivos em 1.975 para 17, 8% em 1.994) os dados revelam-nos que a união de facto continua a ser uma realidade que não pode ser desconhecida do Direito.

Na verdade, já não o é.

Na sequência do 25 de Abril e da Constituição da República, revogaram-se algumas das mais odiosas discriminações que se abatiam sobre as famílias em união de facto. Os filhos nascidos fora do casamento deixaram de ser ilegítimos e passaram a ter um tratamento igual aos filhos nascidos do casamento ou legitimados pelo casamento.

Revogou-se a disposição que impedia que se fizesse testamento a favor de "concubina".

Consagrou-se no artigo 2.020º do Código Civil a possibilidade de exigir alimentos à herança do falecido, no caso das uniões de facto.

Consagrou-se o direito às prestações por morte, nos regimes da Segurança Social. Sendo, no entanto de salientar que o Dec-Reg 1/94 colocou tais condicionamentos para prova da situação, que se tem tornado um autêntico calvário o acesso a tais prestações.

Na legislação do trabalho avançou-se na equiparação das uniões de facto às famílias baseadas no casamento.

Houve avanços conquistados jurisprudencialmente. Como acontece com a transmissão do direito ao arrendamento, no caso de ruptura da união de facto por cessação da coabitação.

Mas já não se conseguiu jurisprudencialmente que fosse declarada inconstitucional , por não equiparar a união de facto ao casamento, a disposição da lei dos acidentes de trabalho que apenas atribui ao cônjuge o direito à pensão por morte. Refira-se, de passagem, que o Projecto de Lei do P.C.P. relativo aos acidentes de trabalho, aprovado na generalidade, equipara as pessoas vivendo em união de facto às pessoas unidas pelo matrimónio.

A legislação do arrendamento acabou por consagrar a transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário para a pessoa que com ele vivesse em união de facto. Contudo, e incompreensivelmente, alargou-se o prazo de coabitação exigido para que a transmissão se pudesse efectuar. Dos dois anos exigidos pelo artigo 2.020º passou-se para 5 anos.

A pergunta que ocorre fazer é se a legislação ordinária dá cumprimento ao já referido artigo 36º e também ao artigo 67º da Constituição da República.

O PCP já foi autor de iniciativas legislativas relativas às uniões de facto. Sendo a última o Projecto de Lei nº 457/VI.

O Projecto de lei que hoje se apresenta tem um âmbito muito mais vasto.

Com efeito, a realidade demonstra que se torna necessário alargar a protecção timidamente consagrada na lei ordinária.

Sabe-se que nos casos de ruptura da união de facto, por morte ou por cessação da coabitação, são as mulheres das classes desfavorecidas as que ficam em situação dramática, pois viram decorrer a coabitação sem que acautelassem direitos, nomeadamente em relação aos bens adquiridos com o produto do trabalho do casal.

Se é verdade que a lei deve respeitar a liberdade daqueles que optaram, por uma ou outra razão, pela constituição da família sem sujeição às regras jurídicas da família baseada no casamento, a verdade também é que se constata algumas vezes que se renuncia a essa liberdade para aceder ao regime matrimonial com a única finalidade de obter benefícios de carácter patrimonial. E é verdade também que a lei não cuida de preservar a liberdade e os direitos das famílias em união de facto.

Daí a necessidade de se prever um regime que respeitando a liberdade, acautele esses direitos.

Por exemplo, um regime que torne possível a celebração de negócios jurídicos pelos dois, ou apenas por um dos membros do casal, de acordo com a sua liberdade de opção, mas que acautele os direitos daquele que ou não foi consultado, ou foi forçado a aceitar uma situação com que se sente defraudado.

II

Através do presente Projecto de Lei consagra-se em legislação ordinária aquilo que já resulta da Constituição da República no que toca à união de facto como fonte de relações jurídicas familiares. Nesse sentido se altera o artigo 1.576º do Código Civil.

Mantém-se o conceito de união de facto constante do artigo 2.020º do Código Civil. Alarga-se, no entanto, este conceito aos casos em que já haja descendência comum anterior à coabitação. Na verdade, se dois anos se consideram suficientes para indiciar a intenção de constituir uma família estável, o facto de se iniciar uma coabitação depois de já haver descendência comum, é indicação de que os progenitores têm a intenção de tornar estável um relacionamento que até aí o não era. Por outro lado, a situação dos casais com descendência anterior à coabitação, que só posteriormente se transformam numa família estável, é muitas vezes resultante de impedimentos colocados por relações familiares com as quais se não quer entrar em ruptura.

No projecto de Lei consagra-se ainda um conceito específico de união de facto, para efeito de aplicação do regime das prestações por morte ( segurança social ), da legislação do trabalho e do disposto na presente lei relativamente a habitação.

Com efeito, entende-se que nestas matérias se deve admitir a aplicação do regime previsto na presente lei às pessoas que coabitem em circunstâncias análogas às dos cônjuges pelo menos durante dois anos consecutivos desde que tenham ou tenham tido descendência comum, muito embora algum deles ainda esteja ligado a outrem por vínculo matrimonial, e ainda aos casais que coabitem pelo menos há 5 anos, sem descendência, muito embora algum deles seja casado.

Relativamente ao direito ao arrendamento e à sua transmissão, apenas se exige, para aplicação desta específica noção da união de facto, que o arrendamento tenha sido celebrado depois de ter ocorrido a separação de facto em relação ao cônjuge.

Na verdade, entende-se que estando em causa o direito à habitação, consagrado constitucionalmente e que conhece impedimentos de toda a ordem na sua concretização; estando em causa muitas vezes a própria subsistência para a qual é imprescindível a pensão de sobrevivência; estando em causa a própria coesão familiar que as leis do trabalho devem tentar preservar, justifica-se o alargamento da protecção às uniões referidas no artigo 41º do Projecto.

No presente Projecto de Lei alarga-se o regime de protecção das uniões de facto relativamente às seguintes matérias:

  1. Património adquirido a título oneroso depois de iniciada a coabitação
  2. Responsabilidade por dívidas
  3. Direito Sucessório
  4. Contribuição para as despesas domésticas e obrigações alimentares
  5. Segurança Social ( prestações por morte )
  6. Legislação do Trabalho
  7. Regime fiscal
  8. Habitação
  9. Direito à indemnização nos casos de responsabilidade civil extra-contratual

Relativamente ao primeiro e segundo pontos, preservando a liberdade das pessoas que optaram por constituir família com base na união de facto, consagra-se a possibilidade de ser celebrada notarialmente ou na Conservatória do Registo Civil, uma convenção de união de facto, regulando as matérias relativas ao regime de bens adoptado, ao regime de dívidas, e ao regime de administração de bens.

Aplicando-se relativamente às outras matérias previstas no Projecto de Lei e relativamente a todas no caso de não ser celebrada convenção, o regime previsto no presente diploma.

Quanto ao regime de bens, na falta de convenção, estabelece-se a presunção de que o património adquirido, excepto aquele que é excluído no regime de comunhão de adquiridos, é comum, participando os membros do casal nesse património, por igual. Tal presunção é ilidível.

Tendo em conta esta comunicabilidade do património estabelecem-se normas, nomeadamente sobre administração de bens e actos de alienação do património , adaptadas do regime legal existente relativamente ao regime de bens de comunhão de adquiridos do casamento.

Dado que não se optou, em atenção à liberdade de cada um dos membros do casal, por um registo da união de facto, o diploma permite que voluntariamente, aqueles não se socorram do regime legal previsto no diploma, ficando efectivamente na sua disponibilidade o recurso aos mecanismos legais que se propõem.

Por isso se prevê que a dissolução da união de facto com base na ruptura da coabitação seja obrigatoriamente declarada pelo Tribunal quando se pretenda fazer valer direitos da mesma dependentes.

Mas a margem de liberdade de que continuam a dispor as famílias em união de facto trouxe a necessidade de acautelar eventuais credores.

Sendo possível que a existência de união de facto seja omitida em qualquer negócio jurídico de onde resultem dívidas, estabeleceu-se que são inoponíveis aos credores as relações patrimoniais entre os membros do casal, sem embargo de aquele que sofrer prejuízos resultantes dessa omissão, poder ser ressarcido segundo as regras do enriquecimento sem justa causa.

Mas porque a união de facto, nos casos em que for notória, poderá induzir eventuais credores a accionar ambos os membros do casal, inverte-se o ónus da prova, recaindo sobre qualquer deles o ónus de provar que a dívida ou o património não é comum.

Relativamente ao Direito das Sucessões, consagra-se a equiparação das pessoas em união de facto aos cônjuges, quando o autor da sucessão não tenha descendentes de anterior casamento.

O regime que se estabelece quanto à contribuição para as despesas domésticas e quanto às obrigações alimentares é análogo ao regime existente para os cônjuges.

Repara-se uma injustiça consagrando-se nos casos de responsabilidade civil extra-contratual, o direito, para as pessoas em união de facto, a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Na verdade, é chocante que, por exemplo nos acidentes de viação, as pessoas não unidas pelo casamento não tenham direito a ser ressarcidas dos danos sofridos. E quando se trata de uma morte a situação torna-se dramática.

Propõe-se que às uniões de facto se aplique na legislação de trabalho o regime aplicável às famílias baseadas no casamento. E o mesmo se propõe relativamente ao regime fiscal.

Relativamente à segurança social para além do alargamento do conceito de união de facto já atrás referido, simplificou-se a prova da união de facto ( que hoje implica o recurso aos Tribunais, e segundo alguma jurisprudência de Tribunais Superiores terão de ser duas as acções a propor), nomeadamente através da possibilidade de celebrar uma escritura de habilitação notarial.

Relativamente à protecção do direito à habitação, para além do alargamento do conceito de união de facto também já atrás referido, estabelece-se para a transmissão do direito ao arrendamento e para a atribuição do direito a habitar na casa de morada de família, o mesmo regime que para as pessoas unidas pelo casamento.

Relativamente à prova da união de facto e da sua ruptura , preferencia-se que a mesma seja feita nas acções em que se invocam os direitos, estabelecendo-se no entanto, a possibilidade de lançar mão de uma acção de estado com vista à declaração de existência da mesma, e à declaração da sua ruptura.

Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do P.C.P. apresentam o seguinte

Projecto de lei

Estabelece protecção adequada às famílias em união de facto

Capítulo I

Disposições gerais

Artigo 1º

(Âmbito)

A presente lei visa ampliar a protecção legal às famílias constituídas através de união de facto.

Artigo 2º

(Fontes das relações jurídicas familiares)

O artigo 1.576º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:

" São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, a união de facto, o parentesco, a afinidade e a adopção"

Artigo 3º

(União de facto)

Consideram-se em união de facto, ressalvadas as situações especiais previstas na presente lei, as pessoas não casadas ou separadas judicialmente de pessoas e bens, coabitando em circunstâncias análogas às dos cônjuges, desde que a coabitação perdure pelo menos durante 2 anos consecutivos, salvo se tiverem descendência comum anterior à coabitação, caso em que o reconhecimento da união de facto não depende da sua duração.

Artigo 4º

( Dissolução da união de facto)

  1. A união de facto dissolve-se:

a) com a morte de um dos membros do casal

b) com a cessação da coabitação

2. A dissolução da união de facto prevista na alínea b) do número anterior apenas terá de ser declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma dependentes, e só poderá ser decretada por sentença judicial, a proferir na acção onde os direitos são exercidos, nos termos previstos na presente lei, ou em acção que segue o regime das acções de estado do Código do Processo Civil,


Capítulo II

Direito de Família

Secção I

Efeitos da união de facto quanto às pessoas e bens do casal

Artigo 5º

(Convenção de união de facto)

  1. Até ao início da coabitação e durante o decurso do prazo estabelecido no artigo 3º, podem os membros do casal, através de escritura notarial, ou de auto lavrado perante o Conservador do Registo Civil, celebrar convenção de união de facto estabelecendo o regime de bens, a responsabilidade por dívidas e o regime de administração do bens.
  2. Sendo celebrada convenção, aplica-se às relações patrimoniais entre os membros do casal até à celebração da mesma, o regime matrimonial de separação de bens.
  3. Na falta de convenção rege o disposto na presente lei relativamente ao conteúdo referido no número 1.


Artigo 6º

(Dever de contribuir para os encargos da vida familiar)

À família constituída em união de facto é aplicável o disposto no artigo 1.676º do Código Civil.

Artigo 7º

(Património comum)

  1. Os bens adquiridos por qualquer dos membros do casal vivendo em união de facto, com excepção dos bens considerados próprios no regime de comunhão de adquiridos das pessoas unidas pelo casamento, presumem-se comuns, participando aqueles por igual, nesse património.
  2. A presunção estabelecida no artigo anterior é iludível quer quanto à comunicabilidade dos bens, quer quanto ao quinhão de cada um dos membros do casal, para fixação do qual se deverá também ter em conta a sua contribuição para os encargos da vida familiar.


Artigo 8º

(Administração dos bens do casal)

A administração dos bens próprios ou comuns do casal rege-se pelo estabelecido no artigo 1.678º do Código Civil, sendo ainda aplicável o disposto nos artigo 1.679º e 1.681º do mesmo Código.

Artigo 9º

(Início dos efeitos patrimoniais)

  1. Os efeitos patrimoniais da sentença que declare a existência de união de facto, salvo o caso de existência de convenção, retrotraiem-se à data, que a sentença fixará, do início da vida em comum, sem prejuízo do disposto no artigo 3º
  2. Ficam ressalvados todos os actos de alienação, oneração de património comum praticados no período exigido para a verificação da existência da união de facto, salvo quando se prove a má fé de todos os terceiros, ficando de igual modo ressalvadas todas as providências decretadas judicialmente naquele período, onerando os referidos bens, excepto quando se prove a má fé dos requerentes


Artigo 10º

( Cessação das relações patrimoniais)

As relações patrimoniais entre os casais em união de facto cessam na data da separação de facto que a sentença que decrete a dissolução da mesma fixará, sem prejuízo das disposições da presente lei relativamente a alimentos.

Artigo 11º

(Imutabilidade do regime de comunicação do património)

Fica vedado aos casais vivendo em união de facto a celebração entre ambos de quaisquer negócios jurídicos que visem alterar o regime convencional ou supletivo previsto na presente lei.



Artigo 12º

(Alienação ou oneração de móveis, imóveis, ou de estabelecimento comercial)

  1. A alienação de bens móveis comuns rege-se pelo disposto no artigo 1.682º do Código Civil.
  2. A alienação de imóveis e de estabelecimento comercial comuns, rege-se pelo disposto no artigo 1.682º-A do Código Civil.
  3. A alienação, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família, carece sempre do consentimento de ambos os membros do casal


Artigo 13º

(Disposição do direito ao arrendamento)

Relativamente à casa de morada de família, carece do consentimento de ambos os membros do casal a disposição do direito ao arrendamento nos casos referidos no artigo 1.682-B do Código Civil.

Artigo 14º

(Forma do consentimento e seu suprimento)

À forma do consentimento, nos casos em que é legalmente exigido, e ao seu suprimento, é aplicável o disposto no artigo 1.684º do Código Civil.

Artigo 15º

( Disposições para depois de morte)

Às disposições para depois de morte é aplicável o regime estabelecido no artigo 1.685º do Código Civil

Artigo 16º

(Sanções)

  1. São anuláveis todos os negócios jurídicos celebrados em violação dos artigos 9º e 12º
  2. A anulação deve ser requerida no prazo de 6 meses contados do conhecimento do acto anulável, mas nunca depois de decorrido o prazo de 3 anos a contar do acto anulável
  3. Suspende-se o prazo de caducidade previsto no número anterior com a propositura de acção destinada a fazer a prova da existência de união de facto.
  4. Sempre que, nos termos do nº 2 do artigo 9º, não possam ser anulados os negócios jurídicos praticados no período exigido para a verificação da existência da união de facto, o membro do casal que não tenha dado o consentimento para a alienação de bens comuns, terá direito a ser ressarcido segundo as regras de enriquecimento sem justa causa.


Secção II

Dívidas

Artigo 17º

(Dívidas que responsabilizam ambos os membros do casal)

  1. São da responsabilidade de ambos os membros do casal em união de facto:

a) As dívidas contraídas depois do início da vida em comum pelos dois membros do casal, ou por um deles com o consentimento do outro

b) As dívidas contraídas antes ou depois do início da vida em comum, por qualquer dos membros do casal para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

c) As dívidas contraídas por qualquer dos membros , na vigência da união de facto, em proveito comum do casal.

d) As dívidas contraídas por qualquer dos membros do casal no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se for ilidida a presunção estabelecida no artigo 7º

2.O proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.

Artigo 18º

(Dívidas da responsabilidade de um dos membros do casal)

  1. São da exclusiva responsabilidade do membro do casal a que respeitam as dívidas contraídas fora dos casos referidos no artigo anterior e ainda as dívidas referidas na alínea b) do artigo 1.692º do Código Civil
  2. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos membros do casal respondem os seus bens próprios e subsidiariamente a sua meação nos bens comuns.

Artigo 19º

( Dívidas que oneram bens certos e determinados)

É aplicável à responsabilidade por dívidas dos casais em união de facto, o regime previsto no artigo 1.694º do Código Civil, com as devidas adaptações

Artigo 20º

(Ónus da prova)

  1. Nas acções em que sejam demandados ambos os membros do casal para obter o pagamento de dívidas que se aleguem ser da sua responsabilidade competirá ao A. a prova da união de facto, recaindo sobre aqueles o ónus de provar que as dívidas não são comuns.
  2. Quando se pretenda a execução de bens beneficiando da presunção de comunicabilidade estabelecida no artigo 7º, bastará ao credor , se for caso disso, provar a união de facto, recaindo sobre qualquer dos membros do casal o ónus de provar que o património que se quer executar não é comum.


Artigo 21º

(Omissão da existência de união de facto)

  1. A omissão da existência de união de facto nos actos que envolvam oneração de bens móveis ou imóveis comuns, de estabelecimento comercial comum e da casa de morada de família, ou a constituição de dívidas da responsabilidade de ambos os membros do casal, determina a inoponibilidade ao credor, das relações patrimoniais entre o casal.
  2. Nos casos referidos no número anterior, havendo má fé na omissão da união de facto, o membro lesado do casal tem direito a ser ressarcido pelos prejuízos sofridos


Capítulo III

Direito das Sucessões

Artigo 22º

(Sucessão legítima)

Dissolvendo-se a união de facto por morte de um dos membros do casal, estes integram a 1ª e 2 ª classe de sucessíveis estabelecida nas alíneas a e b) do nº1 do artigo 2.133º do Código Civil, nos mesmos termos dos cônjuges, beneficiando na sucessão do mesmo regime para estes estabelecido, excepto quando o autor da sucessão tenha descendentes de anterior casamento

Artigo 23º

(Sucessão legitimária)

Os membros do casal na situação referida no número anterior são herdeiros legitimários, nos mesmos termos dos cônjuges, sendo a sua legítima e a dos restantes herdeiros legitimários determinada segundo as circunstâncias, pelas regras definidas nos artigos 2.159º, 2.160º, 2.161º e 2.162º do Código Civil.

Artigo 24º

(Deserdação)

É aplicável aos membros do casal na situação de união de facto o regime estabelecido nos artigos 2.166º e 2.167º do Código Civil.

Capítulo IV

Obrigação de alimentos

Artigo 25º

( Obrigação alimentar na vigência da união de facto)

Na vigência da união de facto, os seus membros estão reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos mesmos termos em que o são os cônjuges.

Artigo 26º

(Alimentos no caso de dissolução da união de facto)

  1. Dissolvida a união de facto por cessação da coabitação, mantém-se a obrigação alimentar nos mesmos termos definidos para os ex- cônjuges.
  2. O membro do casal cujo comportamento tenha determinado a impossibilidade de continuação da coabitação, não tem direito a alimentos, salvo quando o Tribunal, por motivos de equidade, lhe conceder alimentos, considerando em particular, a duração da união de facto e a contribuição do requerente de alimentos para a economia do casal.
  3. Na fixação do montante dos alimentos aplicam-se os critérios definidos no nº 3 do artigo 2.016º do Código Civil.


Artigo 27º

(Disposições gerais)

À obrigação alimentar definida nos artigos anteriores é aplicável o regime estabelecido nos artigos 2.003º a 2.011º do Código Civil.

Artigo 28º

( Cessação da obrigação alimentar)

A obrigação de prestar alimentos cessa :

a) quando houvesse lugar a deserdação , nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2.166º do Código Civil

b) quando o alimentado contraia casamento ou constitua outra união de facto

Artigo 29º

(Pluralidade de vinculados)

Sempre que a pessoa titular do direito a alimentos em virtude da união de facto, tenha direito ou esteja a receber alimentos em virtude de casamento dissolvido, a obrigação de alimentos com base na união de facto limitar-se-á ao montante dos alimentos não coberto pela prestação alimentar fixada ou exigível ao outro cônjuge.

Artigo 30º

( Alimentos a prestar pela herança)

O regime estabelecido no artigo 2.020º do Código Civil é aplicável aos casais em união de facto que sejam excluídos da sucessão legítima, nos termos estabelecidos na parte final do artigo 20º.

Capítulo V

Responsabilidade Civil

Artigo 31º

(Titularidade do direito a indemnização)

Os membros do casal em união de facto são equiparados aos cônjuges para efeito de atribuição de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais baseada em responsabilidade civil extra-contratual, provando-se a união de facto na acção destinada a efectivar aquela responsabilidade


CapítuloVI

Processo Civil

Artigo 32º

(Prova da união de facto)

Sem prejuízo da prova da existência da união de facto prevista noutras disposições da presente lei, a mesma poderá fazer-se:

  1. Através da convenção de união de facto
  2. Nos casos em que os membros do casal integram as classes de sucessíveis, através de escritura notarial de habilitação de herdeiros, para qualquer dos efeitos previstos na presente lei; havendo inventário judicial a habilitação será feita, tal como a dos restantes herdeiros.
  3. Para cumprimento de obrigação alimentar e da obrigação de contribuição para as despesas domésticas, na acção em que os direitos são exercidos
  4. As acções de declaração da existência de união de facto e de dissolução da mesma seguirão o regime das acções de estado previsto no Código do Processo Civil; podem cumular-se na mesma acção o pedido de declaração de existência de união de facto e o pedido de declaração de dissolução da mesma


Artigo 33º

(Partilha)

A partilha de bens do património comum do casal tendo vivido em união de facto, é processada por apenso à acção de declaração de dissolução da união de facto, e segue os mesmos termos do inventário para partilha de bens do casal, cabendo ao mais velho dos membros do casal o exercício das funções de cabeça de casal

Artigo 34º

(Regime processual das acções de alimentos)

A providência cautelar para fixação de alimentos provisórios, os processos de execução especial por alimentos e de alteração ou cessação das pensões de alimentos seguirão o regime previsto no Código do Processo Civil

Artigo 35º

(Contribuição para as despesas domésticas)

O regime processual das acções destinadas a efectivar a obrigação de contribuição para as despesas domésticas é o estabelecido no artigo 1.416º do Código do Processo Civil

Artigo 36º

(Suprimento do Consentimento)

O suprimento do consentimento rege-se pelas disposições do Código do Processo Civil relativas aos processos de suprimento.

Artigo 37º

(Arrolamento)

A providência cautelar de arrolamento prévia à acção de declaração de existência ou de dissolução de união de facto seguirá os termos da providência cautelar de arrolamento de bens de casal unido pelo casamento, exigindo-se, no entanto, a produção de prova sumária sobre a existência da união de facto.

Artigo 38º

(Execuções sobre o património comum)

Sempre que para pagamento de dívidas da responsabilidade de apenas um dos membros de casal, vivendo ou tendo vivido em união de facto, seja proposta acção de execução de património comum do casal, será citado o outro membro do casal nos termos e para os efeitos do artigo 825º do Código do Processo Civil

Artigo 39º

( Embargos de terceiro )

São aplicáveis às uniões de facto as disposições dos artigos 351º a 359º do Código do Processo Civil, com as devidas adaptações

Artigo 40º

(Tribunal Competente)

São competentes para as acções decorrentes da aplicação do presente diploma os Tribunais que, segundo as regras da competência territorial previstas no Código do Processo Civil são competentes para as acções de Estado

Capítulo VII

Título I

Trabalho e Segurança Social

Secção I

Âmbito Pessoal

Artigo 41º

( União de facto para os efeitos previstos no presente Título)

Têm direito ao regime previsto no presente título, para além das pessoas que se encontrem na situação referida no artigo 3º da presente lei,

  1. A pessoa que, no momento da morte do beneficiário casado, vivia com ele há mais de 2 anos, em condições análogas às dos cônjuges , desde que da união de facto exista ou tenha existido descendente
  2. A pessoa que, no momento da morte de beneficiário casado vivia com ele há mais de 5 anos em condições análogas às dos cônjuges.


Secção II

Trabalho

Artigo 42º

(Legislação do trabalho)

  1. Os direitos concedidos aos cônjuges na legislação do trabalho, ou na legislação dos trabalhadores da administração central e local, são aplicáveis às uniões de facto
  2. Sempre que para a concessão de benefícios se tome em consideração os rendimentos dos Cônjuges, tomar-se-ão igualmente em consideração os rendimentos do casal em união de facto.


Secção III

Segurança Social

Artigo 43º

( Segurança Social)

Têm direito às prestações por morte, previstas no Dec-Lei 322/90 de 18 de Outubro, as pessoas que provem ter vivido com o beneficiário em qualquer das situações previstas no artigo 3º e 41º; porém, se a união de facto já tiver sido dissolvida na data da morte daquele, a atribuição das prestações fica dependente da prova de que aquela dissolução se não deveu ao comportamento do requerente.

Artigo 44º

( Início da pensão de sobrevivência e individualização de pensões)

A pensão de sobrevivência terá início nos termos estabelecidos no artigo 6º do Dec-Regulamentar 1/94, aplicando-se o disposto no artigo 7º do mesmo diploma quando houver lugar a individualização das pensões.

TítuloII

Regime Fiscal

Artigo 45º

(Regime fiscal)

Aos casais em união de facto aplica-se o regime fiscal das famílias baseadas no casamento.

Capítulo VIII

Habitação

Artigo 46º

(Âmbito)

O regime previsto no presente capítulo aplica-se às uniões de facto previstas no artigo 3º, e às previstas no artigo 41º, desde que neste último caso, e quanto ao direito ao arrendamento, o contrato de locação tenha sido celebrado estando o arrendatário casado na situação de separado de facto relativamente ao cônjuge

Artigo 47º

(Casa de morada de família e direito ao arrendamento)

  1. Nos casos de dissolução da união de facto por separação, pode o Tribunal dar de arrendamento a casa de morada de família a qualquer dos membros do casal, quer esta seja própria do outro, quer comum, nos termos estabelecidos no Código Civil para a atribuição do direito a habitar na casa de morada de família a qualquer dos cônjuges.
  2. Tratando-se de direito ao arrendamento, à transmissão da posição do arrendatário nos casos referidos no número anterior, aplica-se também o estabelecido no Código Civil relativamente à transmissão do arrendamento por divórcio.
  3. As acções visando a atribuição da casa de morada de família ou a transmissão do direito ao arrendamento seguem os termos do artigo 1.413º do Código do Processo Civil, fazendo-se na mesma acção a prova da união de facto.


Artigo 48º

(Transmissão do direito ao arrendamento por morte)

Os requisitos da união de facto para a transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário, prevista na legislação de arrendamento urbano, são os constantes do artigo 3º e 41º da actual lei.

Capítulo IX

Prova da união de facto em situações especiais

Artigo 49º

( Prova da união de facto para efeito de atribuição das prestações)

  1. A prova da união de facto para efeito da atribuição do direito às prestações por morte, poderá ser feita por qualquer dos meios previstos no presente diploma, e também através de escritura de habilitação notarial
  2. A habilitação notarial consiste na declaração feita em escritura pública, por três pessoas, que o notário considere dignas de crédito, de que o candidato às prestações coabitou com o beneficiário em qualquer das situações previstas na presente lei.
  3. O estabelecido no presente diploma relativamente à prova da união de facto para efeito de atribuição de prestações da segurança social, é aplicável aos funcionários da administração central e local.


Artigo 50º

(Transmissão do arrendamento urbano, regime fiscal e legislação do trabalho)

A prova da existência da união de facto para efeitos da aplicação do regime de transmissão do arrendamento urbano, do regime fiscal e da legislação de trabalho, quando exigida, pode ser feita nos termos previstos no artigo anterior

Capítulo X

Disposições regulamentares

Artigo 51º

( Forma dos autos de convenção de união de facto)

À escritura notarial e ao auto da Conservatória do Registo Civil para celebração de convenção de união de facto aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no Código do Notariado e no Código do Registo Civil para as escrituras e autos relativas a convenções antenupciais, aplicando-se de igual modo a respectiva tabela emolumentar.

Artigo 52º

( Conteúdo da escritura notarial de habilitação)

A habilitação notarial, prevista nos artigos 49º e 50º da presente lei, segue os termos previstos no Código do Notariado para a habilitação notarial de herdeiros, sendo-lhe igualmente aplicável a tabela emolumentar desta habilitação, com as devidas adaptações.

Capítulo XI

Disposições finais e transitórias

Artigo 53º

(Uniões de facto já constituídas)

A presente lei aplica-se também às uniões de facto já constituídas e não dissolvidas, no momento da sua entrada em vigor

Artigo 54º

(Entrada em vigor)

  1. Entram imediatamente em vigor as normas relativas ao direito sucessório, às obrigações alimentares, segurança social, legislação do trabalho , habitação e à contribuição para as despesas domésticas.
  2. A normas relativas ao regime de bens, administração de bens, e dívidas, entram em vigor no prazo de 180 dias, durante o qual os casais em união de facto poderão celebrar a convenção prevista no artigo 5º, sob pena de aplicação do regime supletivo previsto na presente lei.
  3. As normas com repercussão orçamental entram em vigor apenas com a lei orçamental posterior à sua publicação.

Assembleia da República, 12 de Junho de 1997