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Projecto de Lei nº 340/VII
Garantia dos alimentos devidos a menores

Situação


As normas respeitantes à família e aos direitos e deveres de cada uma das pessoas que a compõem foram profundamente alteradas com a Constituição da República e posteriormente com a reforma do Código Civil.

À luz da Constituição, o Estado e a sociedade assumem importantes deveres perante a realidade familiar.

Não obstante isto, a legislação em vigor não extrai todas as implicações do quadro constitucional. Não se encontre garantida sequer a sua efectiva aplicação.

Ao renovar a apresentação do presente de lei de garantia dos alimentos devidos a menores, o PCP visa colmatar uma das mais graves deficiências do actual quadro legal, criando os mecanismos novos capazes de assegurar o respeito por um direito fundamental.

1 - Dos imperativos constitucionais e legais à realidade

A Constituição reconhece às famílias o direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

Aos pais e às mães é garantido o direito a protecção especial na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos.

As crianças têm direitos que o Estado deve assegurar e fazer respeitar, com vista ao seu desenvolvimento integral. Aos jovens é constitucionalmente assegurada protecção adequada para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais ...

É sabido quão longe nos encontramos de uma efectiva realização de todos estes direitos e como se fazem sentir aqui agudamente as desigualdades que caracterizam a sociedade portuguesa.

Como ignorar então que tudo isto se reflecte no incumprimento das obrigações alimentares, sem que a lei ordinária assegure um eficaz sistema de protecção dos menores que dela mais carecem?

É certo que a reforma do Código Civil empreendida em 1977 alterou o instituto das obrigações alimentares, dando um importante passo para o adequar ás novas realidades.

Hoje a Lei reflecte as novas realidades e aponta para a transformação social.

Mas, apesar de tudo, mantém-se as distorções e há normas a rever como de uma maneira geral se reconhece.

A inadequação da Lei torna-se ainda mais patente quando se tem em conta o grande número de crianças que hoje vivem e são educadas na companhia só da mãe ou só do pai, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força da separação ou divórcio dos pais.

Não se pode ignorar, finalmente, que existe ainda um enorme desconhecimento dos próprios direitos consagrados na Lei por parte de quem mais carência tem de os conhecer e exercer...

2 - Um novo regime legal que ponha fim à desprotecção existente

Sobre as formas de alteração da situação que ficou descrita vem sendo travado desde há anos um útil debate de dimensão internacional, cujas conclusões apontam para a necessidade de intervenção do Estado.

Segundo documentos aprovados pelo Conselho da Europa, os países membros devem garantir aos menores o adiantamento das pensões alimentares fixadas judicialmente, quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres. O Estado ficará então subrogado nos direitos dos menores, devendo exigir ao devedor as pensões não pagas.

Trata-se de soluções cuja concretização no direito português se afigura urgente face às carências existentes e aos imperativos constitucionais.

A Organização Tutelar de Menores tal como se encontra, continua a não dar cumprimento a essas directrizes e tão pouco se adequa aos princípios que enformaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos Alimentos.

Se a pessoa obrigada à prestação de alimentos está ausente em parte incerta, se está ausente no estrangeiro ainda que se lhe conheça o paradeiro, se trabalhar por conta própria, se não trabalhando por conta própria estiver com recibo verde, se mudar constantemente de emprego, se não cumprir a sua obrigação - que pode fazer a pessoa a quem foi confiada a guarda do menor?

No primeiro caso - ausência em parte incerta - nada há a fazer. Apenas emoldurar a sentença do Tribunal como recordação da inoperância da legislação, do demissionismo do Estado.

No segundo caso - ausência no estrangeiro - verifica-se a extrema dificuldade em fazer funcionar a Convenção sobre o reconhecimento e execução das decisões relativas às obrigações alimentares, ratificada por Portugal, bem como os instrumentos internacionais celebrados com vários Estados.

Uma que outra vez atinge a finalidade. Mas quantos anos após a decisão judicial? Depois de labirintos e barreiras burocráticas?

No terceiro caso - o do trabalhador por conta própria que não cumpre, ou o trabalhador falsamente classificado como prestador de serviços - normalmente "não tem bens e não tem rendimentos". Daí a total impossibilidade de fazer funcionar o artigo 1118º do Código do Processo Civil. Mas ainda que haja bens e rendimentos, o alimentado terá de aguardar pacientemente o decorrer dos largos meses ou até anos, defrontando-se com repetidas certidões negativas de notificação do executado.

No último caso - o do trabalhador que frequentemente muda de emprego - haverá que renovar periodicamente perante o Juíz a solicitação de proceder a inquérito para determinar qual a nova entidade do faltoso.

Mas no meio de tudo isto, ainda há a situação trágica que hoje é frequente realidade, daqueles que empregados, não recebem salários há vários meses, que querem cumprir e não podem e aos quais nada se pode descontar no (inexistente) vencimento ...

3 - As propostas do PCP

O presente Projecto de Lei visa dar resposta a estas questões.

Para os casos de incumprimento de uma decisão judicial relativa a alimentos devidos a menor residente no território nacional, propõe-se que o Estado assegure a prestação necessária para suprir as que tenham ficado em falta e não tenha sido possível obter através dos mecanismos do artigo 189º do decreto-lei nº 314/78, de 27 de Outubro (Organização Tutelar de Menores). Exceptuam-se, no entanto, os casos em que o alimentado não tenha especiais carências.

Compreende-se que assim seja: a manutenção da vida está nestes casos assegurada.

Estabelece-se também um limite para os casos de pluralidade de alimentos e para as hipóteses (raras) em que a pensão de alimentos exceda o salário mínimo nacional.

A prestação mensal por parte do Estado não pode exceder, por cada devedor, o montante daquele salário.

Processualmente, estabeleceu-se um regime simplificado, aliás próprio dos processos regulados na Organização Tutelar de Menores.

Tem vantagens e inconvenientes a opção por um sistema jurisdicionalizado de atribuição de prestações. O direito comparado oferece soluções que cometem à Administração o papel que o projecto confia aos tribunais e sabe-se com que dificuldades estes vão dando resposta às tarefas que hoje lhes cabem...~

O regime que se propõe, com vista ao necessário debate, procura garantir a máxima celeridade compatível com a indispensável segurança.

A prestação mensal que o Estado deve assegurar é fixada pelo tribunal, a requerimento do representante legal do menor, do curador ou da pessoa à guarda de quem o menor se encontre. O Juíz poderá atribuir a prestação com urgência, a título provisório e decidirá definitivamente após ter procedido às diligencias de prova que entender necessárias e a inquérito sobre as necessidades do menor. A decisão do Juíz é susceptível de recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo. Quando este cesse ou se altere a situação de incumprimento ou quando se modifique a situação do menor, o representante legal ou a pessoa à guarda de quem este se encontre ficam obrigados a informar o tribunal ou a entidade responsável pelo pagamento. Recebidas prestações indevidamente, devem as mesmas ser restituídas, com juros de mora, quando haja incumprimento doloso do dever de informação.

Para execução do sistema proposto, cria-se um Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, que fica subrogado em todos os direitos de menores, com vista ao reembolso dos montantes em dívida. Dados os meios de informação e os serviços de que o Estado dispõe, a atempada recuperação dos montantes em dívida permitirá diminuir o peso sobre o OE de situações de incumprimento que hoje se repercutem sobre o direito à vida dos menores.

As medidas propostas pelo PCP preenchem uma grave e sentida lacuna do nosso ordenamento jurídico, dão cumprimento a princípios constitucionais de fulcral importância, atendem a uma realidade dramática, face à qual o Estado não pode ficar indiferente.

Só uma lei como a que ora se propõe poderá fazer com que para milhares de crianças, jovens e mulheres, o direito a alimentos deixe de ser uma proclamação sem substância, para passar a representar uma realidade segura e certa.

Nestes termos, os deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte projecto de Lei:

Artigo 1º

(Garantia de alimentos devidos a menores)

Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional , não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

Artigo 2º

(Fixação e montante das prestações)

As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante do salário mínimo nacional.

Artigo 3º

(Disposições processuais)

1. A prestação de alimentos nos termos da presente lei pode ser requerida no próprio processo em que tenha sido fixada a pensão não paga, pelo representante legal do menor, pelo curador ou pela pessoa à guarda de quem o menor se encontre.

2. Se for considerada justificada e urgente a pretensão do requerente,o juiz, após diligências de prova, proferirá decisão provisória.

3. Seguidamente, o juiz mandará proceder às restantes diligências que entenda indispensáveis e a inquérito sobre as necessidades do menor, posto o que decidirá.

4. Da sentença cabe recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo.

Artigo 4º

(Cessação ou alteração das prestações)

1. O representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem se encontre devem comunicar ao tribunal ou à entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas na presente lei, a cessação ou qualquer alteração da situação de incumprimento ou da situação do menor.

2. A necessidade de cessação ou alteração das prestações pode ser comunicada ao curador por qualquer pessoa.

3. Dos quantitativos indevidamente recebidos cabe restituição e, em caso de incumprimento doloso do dever de informação previsto no nº 1, o pagamento de juros de mora.

Artigo 5º

(Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores)

1. É constituído, no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, um fundo gerido em conta especial e denominado Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

2. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegura o pagamento das prestações previstas na presente lei, por ordem do respectivo tribunal e através dos competentes Centros Regionais de Segurança Social.

3. O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.

4. Constituem receitas do fundo:

  1. As importâncias provenientes do reembolso de prestações pagas nos termos da presente lei;
  2. 50% do produto das multas cobradas nos termos do artigo 181º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro;
  3. Os juros pagos nos termos do artigo 4º;
  4. Uma verba anualmente fixada no Orçamento de Estado;
  5. Quaisquer outras importâncias que lhe sejam atribuídas.



Artigo 6ª

(Regulamentação e execução)

O Governo regulamentará no prazo de 90 dias, mediante Decreto-Lei, o disposto no presente diploma e tomará as providências orçamentais necessárias à sua execução.

Artigo 7º

(Entrada em vigor)

O presente diploma entra em vigor na data da sua publicação e produz efeitos na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento posterior à regulamentação prevista no artigo anterior.

Assembleia da República, 7 de Maio de 1997