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Projecto de Lei nº 176/VII
Revê o Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro
(legislação de combate à droga)

Situação


(Preâmbulo)

1. Com a apresentação do conjunto de iniciativas legislativas em que o presente Projecto de Lei do PCP se insere, teve início o processo de revisão do Decreto- Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, vulgarmente conhecido como "lei da droga".

O facto deste processo de revisão legal decorrer integralmente na Assembleia da República é algo que se saúda. Ao contrário do que aconteceu em 1992, em que este órgão de soberania se limitou, após um debate sumaríssimo, a conceder ao Governo uma Autorização Legislativa para aprovar um diploma basilar do nosso ordenamento jurídico em matéria de combate à droga, o processo agora iniciado permitirá decerto uma discussão mais ampla e um confronto público de ideias e concepções em matéria de combate à droga mais alargado e seguramente mais participado.

2. Apesar da sua inquestionável pertinência e importância, a revisão da "lei da droga" não pode ser encarada como uma panaceia que irá resolver os gravíssimos problemas que o flagelo social da droga veio criar na sociedade portuguesa. Tão pouco pode ter a pretensão, só por si, de resolver as enormes dificuldades com que o combate à droga quotidianamente depara. O enquadramento legal de combate à droga deve ser aperfeiçoado e corresponder melhor aos objectivos que se propõe atingir, mas é inquestionável que a luta eficaz contra este flagelo não pode limitar-se à alteração desse quadro, tendo necessariamente que passar pela concretização de políticas globais e coerentes de combate à droga, que alterem as causas mais profundas da toxicodependência e que articulem devidamente as vertentes de prevenção do consumo e de repressão do tráfico de drogas.

3. Os pilares jurídicos fundamentais para o combate à droga em Portugal, consagrados no essencial no Decreto-Lei nº 430/83 e prosseguidos no Decreto-Lei nº 15/93 agora em revisão, assentam na consagração da ilicitude do tráfico e do consumo de drogas, na consideração do crime de tráfico de drogas como de enorme gravidade e dos toxicodependentes como cidadãos que, praticando actos ilícitos de consumo de drogas, o fazem, seja por circunstâncias sociais que facilitaram a sua atracção pelo consumo de drogas, seja em consequência de condições psíquicas que, mais do que repressão, aconselham e exigem meios de tratamento.

4. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, não preconiza alterações legais que ponham em causa o consenso social existente quanto ao essencial do estatuto jurídico do tráfico e consumo de drogas, nem embarca em soluções de efeito mediático garantido mas de eficácia comprovadamente nula que consistem em aumentar indiscriminadamente as penas de prisão aplicáveis, sobretudo aos pequenos traficantes, como se fosse por falta de penas que a maioria dos traficantes permanece impune. Apresenta porém um conjunto de propostas de alteração à "lei da droga" que considera mais adequadas para responder melhor aos objectivos para que esta legislação foi concebida.

Assim, embora não proponha a alteração das molduras penais aplicáveis ao tráfico de drogas e outros crimes conexos, o PCP considera justificado, por isso o propõe, que as circunstâncias consideradas como agravantes destes tipos de crime impliquem uma agravação não já de um quarto, mas de um terço, nos limites mínimos e máximos das penas.

5. Especial atenção merece o regime aplicável ao consumo de drogas. Embora o legislador em 1983 e em 1993 tenha considerado - e bem - que o simples consumidor de drogas (excluindo portanto os casos de tráfico e mesmo de tráfico para consumo) não deve ser tratado como um criminoso, mas antes como um doente que, como tal, carece de tratamento, optou por manter a previsão da aplicação de penas de prisão aos casos de simples consumo de drogas. Dir-se-á que tal previsão terá um efeito meramente simbólico e que tal pena de prisão se destina tão somente a dissuadir, podendo sempre ser suspensa ou substituída por multa. Esta situação, já chamada de "bluff" do legislador, não se afigura de facto a mais adequada, tanto mais que o artigo 40º nº2 do Decreto-Lei nº 15/93 acaba por estabelecer uma moldura penal que vai até um ano de prisão em casos de simples consumo de drogas por força da aplicação de um conceito tão indefinível como é o "consumo médio diário".

Assim, o PCP, considerando que o consumo de drogas se deve manter como conduta ilícita, entende que os efeitos que o legislador procurou salvaguardar com esta ilicitude - dissuadir do consumo de drogas e encaminhar os toxicodependentes para soluções de tratamento - serão mais eficaz e coerentemente atingidos se for excluída nestes casos a previsão de penas de prisão e utilizadas, em alternativa, outras formas de reacção penal.

Propõe-se assim que, nos casos de simples consumo de drogas seja aplicável a pena de multa (que aliás já se encontra prevista); que essa punição possa ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade (a requerimento do condenado); e ainda, que o tribunal possa suspender a obrigatoriedade de pagamento da multa se o condenado, sendo toxicodependente, se sujeitar voluntariamente a tratamento adequado, comprovando-o pela forma e no tempo que o tribunal determinar (adaptando assim o regime de suspensão de pena já previsto para os toxicodependentes no artigo 44º do DL nª 15/93.

De igual modo se propõe que seja retomada no essencial a disposição legal constante do DL nº 430/83 e injustificadamente revogada em 1993, que permitia ao Ministério Público não exercer a acção penal nos casos de simples consumo de drogas, em que se tratasse do primeiro processo a instaurar por factos dessa natureza e houvesse o compromisso do agente não repetir factos semelhantes.

6. Especial atenção merecem também, consequentemente, as possibilidades de tratamento. Pouco sentido fará que o legislador deposite justas expectativas nas possibilidades de tratamento e reinserção social de toxicodependentes e depois o Estado não cuide de assegurar os meios que tornem esse tratamento possivel e acessível. Assim, o PCP, que apresentou já na Assembleia da República um Projecto de Lei de criação de uma rede pública de serviços de atendimento e tratamento de toxicodependentes, aprovado na generalidade, propõe que também ao nível da "lei da droga" se estabeleça a gratuitidade da prestação de atendimento a toxicodependentes pelos serviços públicos competentes; a urgência no atendimento dos cidadãos sujeitos a tratamento no âmbito de processos em curso ou de suspensão de execução de pena; a existência de meios e estruturas adequados de tratamento de toxicodependentes nos estabelecimentos prisionais; a consideração da reinserção social como um dos objectivos de uma política de prevenção do consumo de drogas.

7. Finalmente, o PCP retoma a iniciativa já tomada na VI Legislatura, de propor que a Assembleia da República participe na definição de uma política nacional de combate à droga, designadamente através da apreciação de um Relatório Anual a apresentar pelo Governo, contendo uma informação tanto quanto possivel pormenorizada sobre a situação do país em matéria de toxicodependência e tráfico de drogas, bem como sobre as actividades desenvolvidas pelos serviços públicos com intervenção nas áreas da prevenção primária, do tratamento, da reinserção social de toxicodependentes e da prevenção e repressão do tráfico de drogas.

8. O presente Projecto de Lei representa o contributo do PCP para melhorar o quadro legal do nosso país em matéria de combate à droga. Sem a pretensão arrogante de pretender possuir a verdade toda ou conter soluções inquestionáveis. Trata-se de um contributo para a discussão, animado pela vontade de sempre do PCP de unir os seus esforços aos de todos os que estejam seriamente empenhados em combater um dos flagelos maiores dos nossos tempos.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Os artigos 24º, 40º, 42º, 44, 46º e 70º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 24º

(Agravação)

As penas previstas nos artigos 21º, 22º e 23º são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se:

a) ...

b) ...

c) ...

d) ...

e) ...

f) ...

g) ...

h) ...

i) ...

j) ...

l) ...

Artigo 40º

(Consumo)

1. Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de multa até 30 dias, a fixar nos termos do artigo 47º do Código Penal.

2. À condenação prevista no número anterior é aplicável, a requerimento do condenado, o regime de substituição por dias de trabalho a favor da comunidade regulado no artigo 48º do Código Penal.

3. Pode o tribunal suspender a obrigação de pagamento da multa, sob condição, se o condenado, tendo sido considerado toxicodependente nos termos do artigo 52º, se sujeitar voluntariamente, mediante prescrição médica, a tratamento ambulatório ou a internamento em estabelecimento apropriado, o que comprovará pela forma e no tempo que o tribunal determinar.

4. A suspensão da obrigação cessará se o toxicodependente culposamente não se sujeitar ao tratamento ou ao internamento ou deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos pelo tribunal.

5. A obrigação será declarada extinta pelo tribunal se o tratamento for dado por concluído, mediante declaração emitida pela entidade terapêutica responsável.

6. Ao não pagamento da multa ou ao incumprimento da substituição por trabalho a favor da comunidade a que o condenado se tenha comprometido é aplicável o disposto no artigo 49º do Código Penal.

Artigo 42º

(Atendimento e tratamento de consumidores)

1. O Ministério da Saúde desenvolverá, através dos serviços respectivos, as acções necessárias à prestação de atendimento gratuito a toxicodependentes ou outros consumidores.

2. Os cidadãos sujeitos a tratamento nos termos do presente diploma, no âmbito de processo em curso ou de suspensão de execução de pena, terão acesso urgente ao atendimento por parte dos serviços de saúde competentes.

3. (Anterior nº 2).

Artigo 44º

(Suspensão da pena e obrigação de tratamento)

1. Se o arguido tiver sido condenado pela prática de crime que se encontre numa relação directa de conexão com o crime previsto no artigo 40º e tiver sido considerado toxicodependente nos termos do artigo 52º, pode o tribunal suspender a execução da pena de acordo com a lei geral, sob condição, para além de outros deveres ou regras de conduta adequados, de se sujeitar voluntariamente, mediante prescrição médica, a tratamento ambulatório ou a internamento em estabelecimento apropriado, o que comprovará pela forma e no tempo que o tribunal determinar.

2. ...

3. ...

4. ...

5. ...

Artigo 46º

(Toxicodependente em prisão preventiva ou em cumprimento de pena de prisão)

1. Compete à Direcção Geral dos Serviços Prisionais, em colaboração com o SPTT, assegurar os meios e estruturas adequados ao tratamento de toxicodependentes em prisão preventiva ou em cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais.

2. (Anterior nº 1).

Artigo 70º

(Actividades de prevenção)

1. Compete ao Governo, planear, executar e avaliar acções, medidas e programas específicos de prevenção do consumo de droga e de reinserção social de toxicodependentes, tendo em conta a sua natureza pluridisciplinar.

2. ...

Artigo 2º

São aditados ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, os artigos seguintes:

Artigo 40º-A

(Não exercício da acção penal)

Nos casos previstos no nº 1 do artigo anterior, pode o Ministério Público não exercer a acção penal se se verificarem cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Tratar-se do primeiro processo que seria instaurado por factos dessa natureza.

b) O agente comprometer-se, em declaração proferida nos autos, a não repetir factos semelhantes.

Artigo 70º-A

(Relatório anual)

1. A Assembleia da República aprecia anualmente um relatório a apresentar pelo Governo até 31 de Março de cada ano sobre a situação do país em matéria de toxicodependência.

2. O Relatório tem por finalidade fornecer à Assembleia da República uma informação tanto quanto possivel pormenorizada sobre a situação do país em matéria de toxicodependência e tráfico de drogas, bem como sobre as actividades desenvolvidas pelos serviços públicos com intervenção nas áreas da prevenção primária, do tratamento, da reinserção social de toxicodependentes e da prevenção e repressão do tráfico de drogas.

Assembleia da República, 18 de Junho de 1996.

- Os Deputados do PCP: António Filipe - Bernardino Soares - Octávio Teixeira - João Amaral - Lino de Carvalho