Intervenção de Carlos Carvalhas
Secretário-geral do PCP

A nossa Conferência está a chegar ao fim, depois de um grande esforço das organizações para o envolvimento dos militantes no debate e na reflexão para encontrarmos as respostas e os caminhos que nos permitam superar deficiências, dinamizar a iniciativa política das bases ao topo, reforçar a nossa capacidade de luta e intervenção qualificada na oposição à política de direita.

E podemos afirmar que, a concretização das primeiras medidas deste governo, mais confirmam a necessidade deste Partido e do seu reforço e mais confirmam a importância dos contributos que chegaram a esta Conferência.

Mas, no encerramento da nossa Conferência Nacional, queremos saudar de forma especial todos os militantes do Partido que, com a sua participação e intervenção nas reuniões e assembleias para debate político e eleição de delegados ou através de outras contribuições e reflexões individuais, se empenharam em expressar os seus pontos de vista e em exercer plenamente os seus direitos democráticos na vida interna do Partido e reafirmaram o valor insubstituível do debate franco e leal com os seus camaradas. Com a sua participação deram um novo testemunho de como, apesar de tudo, continua forte e viva no nosso Partido a justa concepção de que no PCP haverá responsabilidades, experiências, percursos, tipos de conhecimento e opiniões diferenciadas, mas que nada disso pode apagar nem a igualdade de direitos e deveres entre membros do PCP, nem a indispensável consciência de que, sempre e sempre, todos temos a aprender com todos.

É sabido, e aqui o reafirmamos sem margem para dúvidas, que temos os nossos próprios padrões, exigências e ambições do funcionamento democrático do nosso Partido que nos distanciam de qualquer auto-contentamento que resultasse da simples comparação da nossa vida, das nossas regras e critérios com as de outros partidos.

Por isso mesmo, também é sabido, e aqui o reafirmamos com toda a clareza, que consideramos inteiramente natural não apenas a existência de insatisfações e de críticas mas também o nosso comum empenho em fortalecer a nossa democracia interna e a mais larga participação dos militantes na construção das orientações e da intervenção do Partido.

Mas isso não nos retira autoridade para estranhar que tantos que olham o PCP de fora e que, de fora, sobre ele dão opiniões devastadoras e sobre ele despejam arrogantes sentenças, só “descubram” os “problemas” de democracia interna dos partidos a propósito dos Congressos ou Conferências do PCP (e nunca a respeito dos Congressos ou Conferências de outros partidos), assim como só a propósito do PCP “descubram” e se interessem pelo número de militantes e pelos respectivos escalões etários, pela percentagem de pagamento de quotas e por muitos outros aspectos internos, sem terem a franqueza de reconhecerem que só podem falar disso porque o PCP divulga tranquilamente os dados que os outros partidos quase sistematicamente escondem ou omitem.

Para não haver confusões, repetimos: mantemos as nossas insatisfações e a consciência de deficiências que importa superar e, definitivamente, não somos cultores de critérios e técnicas de consolação. Mas desafiamos quem estiver de boa-fé a olhar para os resultados eleitorais das últimas autárquicas e legislativas e para os nomes dos partidos que aí sofreram derrotas, e vejam depois se conseguem descobrir outro partido, para além do PCP, que esteja agora a terminar um processo de debate de quase seis meses. Outro partido, para além do PCP, que tenha assumido com tanta frontalidade os problemas, interrogações e desafios criados por esses resultados e pelas mudanças políticas que trouxeram. Outro partido, para além do PCP que tenha criado tantos espaços para a intervenção e opinião dos militantes. Outro partido, para além do PCP, que tenha publicado no seu jornal quase 150 textos com diversificadas opiniões dos seus militantes e que faça preceder a eleição democrática de delegados de um importante período de debate político.

A proposta de Resolução Política agora votada, dedica o primeiro capítulo, desde logo, ao novo quadro político em consequência dos resultados eleitorais de 17 de Março, e da formação do governo PSD/CDS-PP, dispondo da maioria absoluta de deputados.

Como aí se afirma, estamos perante uma situação muito negativa tal como o comprova o Programa do Governo e as medidas já anunciadas em que se aponta para o agravamento e a acentuação das políticas de direita, para levar ainda mais longe as políticas neoliberais, para dar mais um passo no sentido da privatização de importantes empresas e dos sistemas públicos da saúde, ensino e outros serviços públicos.

Procurando aproveitar-se do chamado “estado de graça”, e tirando partido da maioria absoluta, o Governo lançou uma ofensiva de grande envergadura.

Começou por empolar o desequilíbrio das contas públicas para depois as instrumentalizar, aumentando os impostos, acabando com os juros bonificados à compra de casa própria, ameaçando milhares de trabalhadores da Administração Pública, procurando reduzir a RTP a um apêndice no panorama televisivo português e avançando com os propósitos de mudar a legislação laboral e privatizar as partes mais rentáveis da Segurança Social.

Há um desequilíbrio das contas públicas, sempre o dissemos, mas consideramos totalmente errado sacrificar o desenvolvimento do país, o aparelho produtivo nacional e o investimento público para cumprimento do défice zero ou próximo do zero em 2004, tal como foi agora acordado em Sevilha, seguindo cegamente o Pacto de Estabilidade.

Numa altura em que as tendências recessivas são evidentes, a política orçamental deveria ser um instrumento de compensação, nomeadamente através do investimento público produtivo e não o contrário. A política restritiva a «mata cavalos e as declarações de que o País está de tanga», têm vindo a criar um clima extremamente negativo, que não se recupera com o marketing político apresentando quarenta medidas, ditas de reanimação da economia.

A subalternização do aparelho produtivo, a liquidação das nossas pescas e da nossa agricultura e a entrega de importantes empresas estratégicas através das privatizações ao domínio do capital estrangeiro, tem-se traduzido numa crescente substituição da produção nacional pela importada, aumentando de forma alarmante o défice das contas externas e o endividamento ao estrangeiro. A continuar tal política aumentará a subordinação do poder político ao poder económico e este será cada vez mais determinado pelos centros de decisão externos.

Os grandes interesses já estão hoje representados directamente no governo através de ministros e secretários de Estado. As suas opções de classe são claras, embora o governo as procure mistificar com as dificuldades financeiras e com um discurso de vitimização, no estilo: “nós encontrámos uma situação muito má, temos que tomar medidas, nenhum governo gosta de tomar medidas impopulares!”. Acreditamos que nenhum governo “goste” de tomar medidas impopulares, mas é uma evidência que não se pode satisfazer a gula dos grandes interesses e ainda encontrar meios para ir ao encontro das justas aspirações e reivindicações populares, nomeadamente quando a submissão ao Pacto de Estabilidade «torna a manta mais curta».

E é por isso, que o governo optou por aumentar a taxa do IVA em dois pontos percentuais, imposto cego e injusto que não faz qualquer diferenciação entre o multimilionário e o que ganha o salário mínimo e simultaneamente isentou vergonhosamente em 20% os lucros do capital financeiro sediados no off shore da Madeira.

E é também por isso, que o governo nada avança em relação à tributação da Banca que paga de taxa efectiva de IRC 12 a 14 %, taxa muito inferior ao que paga qualquer outro empresário, mas simultaneamente revoga a tributação sobre as mais valias obtidas nas transações bolsistas e elege como primeira prioridade a alteração do contrato individual do trabalho, na exacta medida e conteúdo reivindicado pelos sectores mais retrógrados da sociedade portuguesa.

É, em defesa dos objectivos estratégicos do grande capital financeiro que o Governo pretende rever a Lei de Bases da Segurança Social de Agosto de 2002, com a maior urgência e procurando, se possível, evitar a audição pública dos trabalhadores aproveitando o seu período de férias.

As várias declarações do Ministro da Segurança Social, nomeadamente nos últimos dias, acentuam claramente o objectivo de iludir o alcance das alterações que pretendem introduzir na actual lei – designadamente, com o estabelecimento de tectos contributivos a serem geridos pelos fundos de pensões privados. Trata-se de um processo de “grande fôlego” que visa abrir o caminho para a crescente privatização das partes mais rentáveis da segurança social com custos mais elevados, não só para as reformas dos trabalhadores que ficariam assim, sujeitas às oscilações dos mercados bolsistas, mas também, na redução do sistema público e do seu insubstituível papel na garantia de uma segurança social para todos e numa efectiva melhoria do valor das prestações sociais, sobretudo das pensões e das reformas.

Centrando a fundamentação das alterações que pretendem introduzir na defesa dos trabalhadores, dos beneficiários e dos que mais precisam. Acenando inclusivamente com aumentos de pensões e de reformas que aliás, já estavam previstas na Lei de Bases, o Governo tem em curso uma fortíssima mistificação do conjunto dos beneficiários/contribuintes que não pode deixar de merecer um activo e empenhado combate. É conhecido o apetite das seguradoras privadas e do capital financeiro pelos milhões acumulados pelos trabalhadores – os fundos de pensões – e por isso, exigem que a alteração da lei se faça rapidamente, enquanto a relação de forças for favorável.

É de crucial importância que, no momento actual e face à intenção do Governo de promover a discussão das alterações à lei de Bases a 10 de Julho, na Assembleia da República, que se promova um forte movimento de resistência e luta contra a tentativa de privatização da segurança social, envolvendo o conjunto dos trabalhadores no activo, os reformados, as novas gerações de trabalhadores e outros segmentos da população para quem a consolidação do sistema público de segurança social e o cumprimento da actual lei de Bases é um direito e uma conquista civilizacional de que não podem prescindir porque consagra direitos e garantias que defendem e protegem a vida humana face aos riscos sociais e aos contextos políticos e económicos adversos.

Procurando confrontar os partidos da coligação governamental com as suas promessas eleitorais, o Grupo Parlamentar do PCP, apresentou uma proposta no sentido de o governo compensar as baixas reformas e os mais baixos salários da Administração Pública, em que a perda do poder de compra pela inflação tem sido significativa.

É bom que se saiba que tanto o PSD como o PP, votaram contra esta proposta do PCP. Ficou assim claro para que serviram as promessas do PSD e do PP, na campanha eleitoral e a forma como estes partidos honram os seus compromissos. Mas ficou também clara a oposição do PS que teve de alinhar com a direita parlamentar devido à política do seu Governo.

O Governo da direita nas suas primeiras medidas tem confrontado muitas vezes o PS, aproveitando-se de afirmações, práticas e compromissos do anterior governo com políticas desgraçadas no campo da saúde, do ensino, da reforma fiscal, da política de salários e até em relação ao “plafonamento” na Segurança Social.

Mesmo em relação ao plano de privatizações anunciado pelo actual governo, Jaime Gama, encarregou-se de revelar na Assembleia da República, perante os sorrisos dos deputados dos restantes grupos parlamentares, que aquela lista era a que o governo socialista tinha em carteira para concretizar! Tal revelação, que só por si, é mais um testemunho dos eixos da política neoliberal que o anterior governo queria prosseguir, também criou incomodidades nalguns deputados do PS, precisamente naqueles que querem agora dar uma imagem do PS como grande opositor à política governamental e apagar da memória as práticas, os compromissos e as políticas de direita.

Pela nossa parte temos vindo a apresentar na Assembleia da República as diversas propostas que avançámos ao povo português, cumprindo com a palavra dada e confrontado o governo com as suas verdadeiras opções.

Na verdade, apesar de ter estado nestes três meses envolvido num profundo debate político no quadro da preparação desta Conferência, o PCP não fechou para discussão, nem reduziu a sua intervenção no plano da luta de massas e no plano institucional.

Os comunistas estiveram por todo o país em pequenas e grandes lutas pela defesa dos postos de trabalho, pela melhoria dos salários, pelos direitos de quem trabalha, por reivindicações justas das populações.

O PCP participou também nas vigílias de solidariedade com o povo da Palestina e nas manifestações e concentrações pela Paz em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.

Desencadeou as acções de esclarecimento e protesto sobre o aumento de impostos e o corte do crédito bonificado para aquisição de habitação própria.

Esteve nas manifestações de trabalhadores da RTP e de protesto contra a política do Governo a este respeito; nas manifestações e protestos da Função Pública, da CGTP-IN, dos estudantes, dos pescadores, dos operários têxteis e no lançamento de novas e importantes batalhas como a campanha “muita força para pouco dinheiro”, para a dignificação dos trabalhadores do sector da Construção Civil. O PCP manifestou também a sua solidariedade activa aos trabalhadores de várias empresas vítimas de encerramento e deslocalizações em vários distritos, tendo também nesta matéria confrontado o Governo com as suas responsabilidades e com os compromissos do PSD e do PP na anterior legislatura.

No plano institucional, os projectos lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, a reposição da tributação das mais valias nos impostos sobre o rendimento, a redução para as 35 horas por semana do tempo de trabalho, a actualização extraordinária das pensões mínimas de invalidez e velhice, a criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto, e o aumento do salário mínimo nacional, foram os primeiros a dar entrada na Assembleia da República nesta legislatura.

Posteriormente apresentámos propostas legislativas em matérias tão diversas como a alteração da lei do “Conselho das Comunidades Portuguesas”; a criação dos Órgãos Representativos dos Portugueses Residentes no estrangeiro; a recuperação de edificações devolutas e degradadas em centros e núcleos históricos; a alteração do regime de entrada e, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional; a revogação das discriminações legais no acesso ao emprego em razão da nacionalidade; o combate à evasão e fraude nas contribuições ao regime da Segurança Social; a iniciativa legislativa popular; a nova forma de financiamento da Segurança Social com base no valor acrescentado bruto e a alteração do regime do exercício do direito de petição.

Suscitámos a apreciação parlamentar do Plano Nacional da Água, apresentámos Projectos de Resolução em defesa dos interesses nacionais na revisão da Política Comum de Pescas, por uma verdadeira política de defesa e promoção do Ensino da Língua e Cultura Portuguesa no estrangeiro e sobre a situação no Médio Oriente. Propusemos ainda a constituição de uma Comissão de Inquérito Parlamentar à aceitação pelo Estado de acções da SAD do Benfica, como garantia de dívidas fiscais em processo de execução.

Além de muitas outras intervenções, tomadas de posição, o PCP concretizou ainda uma valiosa audição sobre o serviço público de Televisão e Radiodifusão e uma participada reunião pública sobre a decisão do governo de fundir os Institutos ligados à Prevenção e Combate à Toxicodependência. Creio que são testemunhos claros da empenhada e da diversificada iniciativa e intervenção do nosso Partido.

Apesar de toda esta intensa e qualificada intervenção do nosso Partido nestes dois meses de novo Governo, ainda ontem num órgão de informação havia quem falasse do PCP como um partido «incapaz de ter presença política e parlamentar que marque a actualidade» e como um partido afectado «por uma inexistência política como protagonista da oposição».

Não estranhemos esta cegueira e este autismo. Aqueles que confundem as páginas preconceituosas onde escrevem como um espelho da realidade, aqueles que sempre acharão mais interessante um espirro ou uma boa intriga nos corredores da Assembleia da República do que um bom e sério projecto de lei do PCP, aqueles que não desistem de torcer a verdade e a realidade até ela se encaixar nos seus dogmáticos esquemas mentais sobre o PCP, sempre assim pensarão e sempre assim escreverão. Porque, para estas almas, a separação entre belos e monstros, entre cinzentos e mediáticos, entre brilhantes e baços, entre frescos e cansados, entre anjos e demónios já está feita há muito tempo e nunca sofrerá nem mudança nem renovação.

A política de direita com que os trabalhadores e o povo são confrontados torna ainda mais necessário um PCP forte, mais actuante e mais interveniente. E foi também com este objectivo que realizámos esta Conferência.

Queremos também daqui saudar a luta da Função Pública e da Frente Comum, bem como a CGTP, a grande central sindical dos trabalhadores portugueses e sublinhar o significado das duas magnificas manifestações em defesa dos trabalhadores, às quais demos o nosso inteiro apoio.

Sobre esta magnífica iniciativa, anteontem o Primeiro-ministro, manifestamente agastado com a manifestação promovida pela CGTP-IN, abriu o baú do anticomunismo para afirmar que na manifestação havia uma orientação política do PCP, e não preocupações sociais tecendo ainda considerações sobre o nosso Partido ao mesmo tempo que procurava minimizar aquela grande jornada de luta.

Sobre isto queremos deixar apenas quatro breves anotações.

A primeira, para perguntar o seguinte: se o PCP está assim tão debilitado e se a manifestação não teve importância, quais as razões do nervosismo e do embaraço do Primeiro-ministro?

A segunda, para dizer ao Primeiro-ministro que assumimos com muita honra e orgulho que muitos milhares de comunistas, conjuntamente com outros trabalhadores de diversas opções políticas e de Norte a Sul do País, não só se manifestaram como incentivaram colectivos de trabalhadores a incorporarem-se nesta grande manifestação convocada autonomamente pela CGTP-IN, contra a política antisocial ao serviço dos grandes interesses.

A terceira, para lhe garantir que o PCP e os seus militantes vão continuar generosamente a participar e a intervir em todas as lutas contra uma política injusta e de exploração, e em todas as causas que fazem a razão de ser da sua existência e da sua vida.

A quarta, para lhe lembrar, dado que o Governo está no início, que aquando dos acontecimentos da Ponte 25 de Abril, Cavaco Silva também no estilo do 24 de Abril, procurou jogar com o papão do anticomunismo. O que sucedeu depois é uma história conhecida.

O novo quadro político e as responsabilidades que temos perante os trabalhadores, o povo e o país, exige que este Partido reforce a sua influência o que passa também pela sua organização, como instrumento fundamental de ligação às massas e como meio de dar força material às nossas ideias, propostas e objectivos.

São de grande importância o conjunto de orientações que constam da Resolução aprovada, como o estímulo e a valorização da militância, da iniciativa própria de cada organização e dos militantes, com a ideia clara que o Partido não é uma entidade abstracta mas sim em cada local – de trabalho ou de residência – aquilo que o conjunto dos seus militantes consiga que seja, pela sua iniciativa inserida no dinamismo e funcionamento do colectivo partidário.

O alargamento do núcleo activo, a renovação e o rejuvenescimento de organismos, o aumento do número de camaradas com tarefas e responsabilidades e uma mais larga responsabilização de quadros são objectivos de grande importância e de grande actualidade, que é agora necessário concretizar. É também de grande importância e de grande significado o lançamento e o êxito da campanha de recrutamento de mais 2 000 novos militantes até ao fim do primeiro semestre do próximo ano.

E em relação a esta questão, contrariando todos aqueles que ao longo dos anos nos vêm sentenciando o envelhecimento do PCP (em análises superficiais que parecem basear-se no estranho princípio de que só os membros do PCP envelheceriam e os outros não), a não capacidade de atracção e a morte, queremos daqui informar a Conferência e o colectivo partidário que no último ano as inscrições no Partido se saldaram em mais 2 400 membros, 45% dos quais com menos de 30 anos, sem contar obviamente, com a JCP. Para quem, como alguns dizem, deixou de ter poder de atracção e designadamente em relação às novas gerações, estes dados são um balde de água fria, mas são também a confirmação de que este Partido de causas e valores, de luta e de projecto, tem futuro e tem os olhos postos no futuro.

O fluxo de jovens simpatizantes e o significativo aumento de jovens que têm vindo nestes últimos tempos ao Partido, sendo já hoje militantes exigem da nossa parte uma cada vez mais audaz política de inserção, valorização e responsabilização destas novas gerações de quadros. E há que dar uma maior atenção e aprofundamento às questões da juventude e do diálogo do Partido com as novas gerações. Queremos também daqui valorizar e saudar a luta e acção da JCP, a juventude do PCP, que também tem vindo a alargar as suas fileiras e que em breve realizará o seu Congresso.

É também de grande importância o desenvolvimento do trabalho com as outras camadas e sectores sociais, designadamente, os intelectuais e quadros técnicos, os micros e pequenos e médios empresários, os reformados pensionistas e deficientes. É igualmente necessário considerar medidas para o reforço da acção visando a participação das mulheres em igualdade e a nossa intervenção junto dos agricultores e pescadores.

Uma outra questão que tem de estar sempre presente e que deve ser tão natural como o ar que respiramos é a do exercício da democracia interna como característica essencial do funcionamento do Partido que, como se afirma na Resolução, não se define apenas pelas suas normas estatutárias, mas fundamentalmente com práticas concretas.

O respeito pelas opiniões dos outros, o saber ouvir e ser ouvido, a rejeição do autoritarismo, do “mandonismo” e da sobreposição das opiniões individuais e de grupo, sobre a opinião colectiva; a dinamização das Assembleias de Organização; a realização de plenários de militantes onde a opinião circula largamente; o lançamento de uma acção em toda a organização partidária para a aceleração do esclarecimento da situação dos membros do Partido para sabermos com mais rigor quantos somos e o que somos e contribuir para a integração dos militantes em organismos e organizações; a prestação regular de contas; o desenvolvimento do sítio Internet do PCP e a realização com maior regularidade de espaços do “Avante!” destinados à participação dos membros do Partido, são direcções de grande importância com vista ao aprofundamento da democracia interna.

A influência eleitoral do PCP

Os actos eleitorais e os factores que mais pesaram nos maus resultados também estiveram em exame na preparação da nossa Conferência.

Muito já se afirmou e avançou na aproximação aos factores que determinaram os maus resultados. Mas permitam-me ainda que em relação às eleições legislativas adiante mais alguma coisa, tanto mais que o tema exige que o continuemos a aprofundar.

E a questão que gostaria de pôr à vossa reflexão é esta: há dois anos, nas penúltimas eleições legislativas, com um PS menos desprestigiado conseguimos eleger mais dois deputados e um aumento percentual, embora pequeno.

Dois anos após, com um PS mais desprestigiado e desmascarado tivemos um mau resultado. Como explicar que dois anos após, com uma importante e reconhecida intervenção na Assembleia da República e fora dela tivéssemos um resultado decepcionante? O que é que pesou?

Os acontecimentos do Leste e as dificuldades de organização não terão pesado mais nestas últimas eleições, do que em outras, tal como a mistificação centrada na escolha do Primeiro-ministro. Então o que é pesou mais, o que é que houve de mais particular e específico nestas últimas eleições?

Após a súbita convocação de eleições legislativas antecipadas, numa conjuntura política e de opinião muito marcada, quanto à CDU, pelos variados impactos do seu mau resultado nas autárquicas, muitos eleitores acharam também, que o PS já tinha sido castigado nas autárquicas e que se lhe devia dar mais uma chance. Depois, nestas eleições o perigo do regresso da direita ao poder era real, o que facilitou a mistificação do voto útil.

Mas, em relação ao nosso Partido e sem subestimar as nossas deficiências e desacertos, também pesou e muito negativamente na imagem do PCP, as repetidas afirmações feitas por alguns membros do Partido com grande repercussão na comunicação social, de que tínhamos feito do PS o “inimigo principal”, de que empurrámos o PS para a direita, de que fomos responsáveis pela antecipação das eleições e de que a nossa manifestação de disponibilidade para examinarmos com as outras forças à esquerda a possibilidade de concretização de uma política de esquerda não era nem credível nem verdadeira, adiantando a este respeito argumentos mesquinhos e falsos. E pesou ainda a imagem que nos quiseram colar até ao último minuto, reavivando todos os preconceitos anticomunistas, de um partido que não tinha em conta os aspectos humanos, de um partido frio, insensível, execrável por não ter incluído nas suas listas tal ou tal candidato...

Estamos convencidos que, no conjunto do Partido, também não se achou natural nem inocente que tendo alguns membros do Partido conseguido as tribunas, os meios de difusão e o relevo mediático que no passado, enquanto responsáveis pelo PCP, lhes eram em regra negados, não as tivessem aproveitado para expor qualquer argumento favorável ao voto na CDU ou expressar qualquer significativo ou claro apelo ao voto na CDU em 17 de Março.

Estamos convencidos também que, no conjunto do Partido, predomina largamente a consciência da absoluta inaceitabilidade do prosseguimento de tentativas de impor, pela via dos factos consumados, a constituição de tendências organizadas dotadas dos seus próprios porta-vozes e agindo, sempre que lhes apetecer, em contestação pública às orientações do Partido e prosseguindo objectivos internos de grupo, com espírito de grupo e tácticas de grupo, que são frontalmente ofensivas dos princípios de lealdade e solidariedade entre os comunistas.

A par de tudo isto, estamos convencidos de que, no conjunto do Partido, prevalece e predomina largamente uma viva consciência de que alguns membros do Partido reclamam para si próprios o «direito» a atitudes, métodos e procedimentos que, no presente ou no passado, jamais teriam tolerado que fossem dirigidos contra si próprios ou contra as responsabilidades que exerceram ou exercem. E que existe uma viva consciência de que a generalização a todos os militantes (e com orientações ou propósitos inevitavelmente dos mais variados) dos alegados «direitos» que alguns invocam para si próprios, conduziriam à completa desagregação do Partido e à sua inexorável deserção das responsabilidades que tem perante os trabalhadores, o povo, a democracia e o país.

Neste ponto, e para evitar uma consabida tentativa de criar confusão, queremos mais uma vez acentuar o que deveria ser óbvio e que tem marcado todas as posições da direcção do PCP: é que estas observações críticas dirigem-se a quem fez as referidas declarações, a quem assumiu os referidos comportamentos públicos e a quem promoveu, organizou e coordenou as referidas iniciativas e não a todos os que porventura partilhem de opiniões similares ou porventura tenham entendido, numa conjuntura de grande amargura e preocupação, apoiar esta ou aquela iniciativa.

Na preparação desta Conferência, fizeram-se sucessivos apelos para que se fizesse no Partido, um debate vivo, frontal, mas sereno. O que tem estado em causa não são opiniões e muito menos os inventados “delitos de opinião”, mas sim atitudes e comportamentos à margem do Partido e das suas regras. O Partido não é um clube de discussão. No Partido há reflexão e debate. Mas, depois de decididas e votadas as conclusões, estas dizem respeito a todo o colectivo partidário.

A Resolução desta nossa Conferência pronuncia-se com toda a clareza pelo indispensabilidade, reforçada no actual contexto da vida partidária, do restabelecimento, de preferência por decisão voluntária de membros do Partido, dos laços de fraternidade, de solidariedade, de lealdade e de inserção das legítimas opiniões individuais na reflexão e trabalho colectivo que, constituindo um imperativo ético e político decorrente dos Estatutos que todos os membros do Partido, podendo manter discordâncias, se comprometeram a aceitar.

O nosso mais firme desejo e voto, porque seria o melhor para o PCP, é que esta mensagem e este apelo possam ser entendidos e escutados, conduzindo a que cessem as espirais de crispação e as derivas de confrontação sistemática e a que, independentemente da legítima conservação de divergências, os membros do Partido não acompanhem, circunscritos mas premeditados propósitos de causar maiores prejuízos ao Partido.

Uma conjuntura internacional
marcada por grandes incertezas

A nossa Conferência realizou-se também numa conjuntura internacional marcada por grandes incertezas e pela grande incerteza sobre o futuro da situação financeira e económica de muitos regiões. E isto numa altura em que a crise continua a flagelar vários países em vários continentes, em que aumenta de novo a desconfiança nos principais mercados bolsistas e em que a “globalização capitalista” continua a acentuar as desigualdades, a concentração de riqueza e a condenar milhões de seres humanos ao subdesenvolvimento, à miséria e até à morte pela fome.

A segunda Cimeira Mundial contra a fome, que se realizou na semana passada em Roma na sede da FAO teve a ausência dos governantes dos países ricos (salvo a Espanha e a Itália). Com a política da “cadeira vazia”, estes países revelaram o olímpico desprezo e indiferença perante o drama da fome no mundo, que atinge 815 milhões de seres humanos e perante o drama da sida que atinge particularmente os jovens do Terceiro Mundo. O ponto da situação feito nesta Cimeira é também um dedo acusador ao sistema e às políticas neoliberais e um testemunho das consequências da dominação, da exploração e do imperialismo, quando na história da humanidade existem hoje meios, tecnologia e possibilidades para acabar com a fome no mundo.

Em contraste, alguns dias depois, era conhecido o Relatório Anual do Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), mostrando que os países desenvolvidos continuam a obter altos rendimentos com o tráfico de armas entre os quais se encontram à cabeça os EUA, a Rússia, a França e a Inglaterra e que nos últimos três anos as despesas militares continuaram a aumentar tendo atingido 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, em 2001!

Aquela Cimeira e os dados deste Instituto de Estocolmo são também um testemunho da hipocrisia de muitos daqueles que enchem a boca com os direitos humanos em abstracto, com os valores humanitários, com a solidariedade.

E é também, no quadro desta retórica que depois dos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro, o tema da luta anti-terrorista tem servido de biombo à estratégia dos EUA de domínio hegemónico do Planeta. Nenhum ensinamento se procura retirar do 11 de Setembro, nem a urgência de pôr fim aos conflitos regionais e aos paraísos fiscais, onde o terrorismo encontra o seu caldo de cultura e financiamento, nem a necessidade de se intervir contra as injustiças mais gritantes da humanidade. Pelo contrário, a luta contra o terrorismo é para Bush um instrumento da sua estratégia de “geometria variável” cujo objectivo final é a dominação e a satisfação dos interesses norte-americanos contra tudo e contra todos e que se exprime também, na recusa do Protocolo de Quioto, no proteccionismo comercial unilateral, na concepção do eixo do mal e dos países que o compõem, nos objectivos de atrelar os seus aliados em novas aventuras bélicas contra o Iraque e o Irão.

Nesta nossa Conferência, nós que condenamos e combatemos esta política, daqui manifestamos a nossa solidariedade activa a todos os povos em luta e designadamente ao povo palestiniano, à autoridade palestiniana e também às forças da paz que com coragem lutam em Israel por uma resolução justa e pacífica, pelo fim da espiral de violência e contra a política criminosa de Sharon, que com o apoio de Bush reafirma que está fora de questão para Israel voltar às fronteiras de 1967 ou desmantelar os colonatos.

Queremos também aqui deixar uma palavra amiga e de solidariedade para com o povo de Angola e ao MPLA, que têm agora mais certos os caminhos da paz e ao povo de Timor e à Fretilin, que ainda há bem pouco celebraram a sua independência e que sempre contaram com o apoio solidário do PCP.

Apesar dos preparativos da Conferência e das energias que temos consagrado à dinamização do Partido, temos procurado, a par da resposta política nacional, como já referimos, dar também, a nossa contribuição positiva nos principais eventos e Foruns internacionais.

Nos últimos anos a União Europeia teve uma larga maioria de governos socialistas e sociais democratas... A política que imprimiram foi uma política de direita.

O conteúdo neoliberal das políticas da União Europeia, as privatizações, o desmantelamento dos serviços públicos, a marcha irracional para os critérios do Pacto de Estabilidade, a criação de fundos de pensões para alimentar a roleta bolsista, os despedimentos para aumentar cotações de acções, a política dos factos consumados, longe do controlo popular tem vindo a alimentar o mal estar e a insatisfação das populações e as derivas xenófobas, racistas, populistas e de extrema direita. Depois, quando a crise se agudiza e aumenta o desemprego está criado o caldo de cultura para os demagogos sem escrúpulos atirarem para cima do estrangeiro, do imigrante, do que tem outra cor, a causa de todos os males desde a insegurança até à falta de emprego.

Também em relação à questão da imigração, que fez parte da agenda de trabalho desta Cimeira é necessário reafirmar que, não é com medidas policiescas que se dá resposta aos seus problemas.

A ajuda ao desenvolvimento, a gestão e legalização dos fluxos migratórios, os acordos justos de emigração, o combate às máfias e a exploração dos indocumentados, a política de integração e do respeito pelas diferenças e o combate à lógica de certos sectores económicos que pressionam pelo aumento de específicos fluxos migratórios no sentido de liquidar direitos conquistados e reduzir salários, são vectores essenciais para uma justa e humana política de imigração.

Uma força com causas e convicções
Uma força com futuro

É necessário que a reflexão colectiva prossiga no curso normal da vida interna do Partido. Mas é também necessário que os membros do Partido respondam afirmativamente ao vivo sentido e forte apelo que a Conferência aqui lançou para que pela sua opinião, trabalho e acção se empenhem na concretização das linhas de orientação e de trabalho decididas. Voltados para fora, com os olhos postos no futuro, com os pés bem assentes na terra e com uma maior e mais activa intervenção e responsabilização de todos os militantes pela vida do Partido estaremos em condições de ultrapassar dificuldades, reforçar a intervenção e influência e estar à altura das responsabilidades, perante o povo e o País, como força essencial da democracia portuguesa, como força impulsionadora da luta contra a política de direita e pela futura construção de uma alternativa de esquerda. Como uma força revolucionária com causas e convicções, como uma força com futuro.

Para além das suas conclusões e das importantes linhas e compromissos de trabalho que incorporam, a nossa Conferência Nacional e o debate democrático que a precedeu, testemunham e dão força a um conjunto de atitudes que, colectivamente assumidas, podem ser decisivas para o presente e o futuro do nosso Partido nos tempos difíceis e ásperos que temos pela frente mas que queremos transformar em tempos de esperança e de êxitos.

Desde logo, a atitude de um Partido que reconhece sem disfarces as suas dificuldades, insuficiências e problemas mas que quer afirmar a sua renovada ambição de reforçar a sua influência e assim servir melhor os trabalhadores e o povo português. Mas que não quer cometer esse lento e quotidiano suicídio que seria, diante das amarguras causadas pelas nossas dificuldades e insucessos, passarmos a ignorar, desvalorizar e arrasar tudo quanto de importante, positivo e marcante resulta da nossa acção e do nosso indispensável papel na sociedade portuguesa.

Ainda também, a atitude um Partido que quer compreender melhor e mais profundamente as realidades que enfrenta e o movimento de ideias e aspirações que se expressam na sociedade portuguesa. Mas que o quer fazer para encontrar os melhores caminhos para o enriquecimento das suas propostas de progresso, transformação e libertação e para a sua melhor irradiação e não para ajoelhar perante factos consumados e alegadas inevitabilidades ou para se submeter à ditadura das audiências ou às receitas fáceis mas desonrosas da demagogia populista.

E sobretudo a atitude de um Partido que assume a complexidade e a densidade das interrogações, interpelações e desafios que se colocam à sua luta e ao seu futuro e que também sabe conviver com dúvidas e incertezas. Mas que não abdica do seu vasto património de luta e de propostas, que se dispõe lutar pela justeza e vitalidade dos seus ideais e do seu projecto, tendo no horizonte o socialismo, e que sustenta com vigor e confiança a sua sólida vinculação com as grandes causas da liberdade, da democracia, do progresso social, da dignidade, libertação e felicidade humanas, de um mundo de paz, de um mundo mais justo e solidário.

Viva a Conferência Nacional
Viva o PCP