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Projecto de Lei nº 14/VIII
Altera o regime de exercício de direitos pelos militares (alteração do artigo 31º da Lei de Defesa Nacional)
Situação do Projecto de Lei



A alteração do artigo 31º da Lei de Defesa Nacional impõe-se há muito, dado o carácter obsoleto e excessivamente restritivo do regime de exercício de direitos fundamentais pelos militares que define.

Foi nesse quadro que o PCP apresentou na Legislatura passada, em Abril de 1997, o Projecto de Lei nº 309/VII. A apresentação desse projecto polarizou a atenção de todos os que entendiam que nada justificava que no final do século XX a manutenção de uma legislação tão restritiva.

Posteriormente, o Governo veio a apresentar também uma alteração ao artigo 31º. Na questão essencial, que é a do direito de associação e representação profissional, essa proposta do Governo significava uma inaceitável manutenção do que de pior tem o regime em vigor.

No debate na especialidade, nos últimos dias da Legislatura, o projecto do PCP foi votado por maioria na Assembleia da República, o mesmo sucedendo a uma proposta de alteração apresentada pelo PS no articulado do Governo, e que ia no mesmo sentido do projecto do PCP.

A oposição do PSD e do PP, inviabilizando que fosse alcançado o total de 2/3 dos votos foi considerado, face ao texto constitucional, como inviabilizador do resultado pretendido.

Considerando a necessidade de rever o regime do artigo 31º, o PCP volta a colocá-lo na agenda dos trabalhos da Assembleia da República, através da apresentação do presente projecto de lei.
De facto, o artigo 31º da Lei de Defesa Nacional foi aprovado em 1982, logo a seguir à primeira revisão constitucional, num contexto político marcado, no plano das Forças Armadas, pela extinção do Conselho da Revolução. O regime de restrição de direitos dos militares foi portanto influenciado por uma conjuntura muito complexa e particularmente adversa a um reconhecimento aberto dos direitos fundamentais dos membros das Forças Armadas. Foi assim que os direitos de associação, expressão, reunião, manifestação, petição colectiva e capacidade eleitoral passiva sofreram restrições que vão muito além dos limites constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade. Por exemplo, o direito de petição colectiva está pura e simplesmente proibido. O direito de associação profissional é restringido a associações profissionais de natureza deontológica. O direito de expressão sofre restrições tais que praticamente impediriam os militares de se expressarem publicamente, particularmente sobre as questões que lhes dizem respeito.

Este regime legal aparece hoje, dezassete anos decorridos, como obsoleto, excessivo e desajustado, face à evolução histórica entretanto verificada não só no plano internacional e nacional, como no plano específico das Forças Armadas Portuguesas.

Sucedeu ao artigo 31º o que sempre sucede às leis excessivas: foram sendo feitas interpretações “tolerantes”, para tentar enquadrar uma dinâmica que na sua prática não se conforma com as regras da lei.

Mas, o exercício de direitos fundamentais não pode estar dependente de conjunturas, nem da maior ou menor “tolerância” de responsáveis políticos. O regime jurídico deve corresponder à evolução entretanto verificada, e deve fixar as “regras do jogo” de forma clara, objectiva e segura.
O PCP propõe assim a alteração do artigo 31º da Lei de Defesa Nacional, num espírito de modernização e abertura.

Importa particularmente ter em atenção o direito de associação, designadamente o direito de constituição de associações sócio-profissionais. A evolução verificada nos últimos anos nos países da União Europeia foi no sentido do seu progressivo reconhecimento.

Em 1984, o Parlamento Europeu aprovou o relatório PETER, que “convida os Estados membros a concederem, em tempo de paz, aos membros das Forças Armadas o direito de criarem, para defesa dos seus interesses sociais, associações profissionais”. Em 1988, foi a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que aprovou o relatório APENES, que “convida todos os Estados membros do Conselho da Europa a concederem, em circunstâncias normais, aos membros profissionais das forças armadas, o direito de criarem associações específicas, formadas para protegerem os seus interesses profissionais no quadro das instituições democráticas”.

Esta tendência do moderno direito europeu corresponde à crescente afirmação do carácter inalienável dos direitos fundamentais de cidadania. Hoje, na maioria dos países da União Europeia, já existem associações profissionais de militares que cooperam no âmbito da EUROMIL.

O PCP propõe que o artigo 31º seja alterado nesta parte, por forma a dar pleno assento legal a este tipo de associações. Não se trata de sindicatos com os poderes que a Constituição prevê (embora a questão do sindicalismo militar não seja nenhum tabu). Trata-se de legalizar aquilo que é uma realidade implícita e socialmente reconhecida, que é a existência de associações profissionais representativas de militares.

Também na área dos direitos de expressão, reunião, manifestação, petição colectiva e quanto à capacidade eleitoral passiva, o PCP propõe significativas alterações, conforme decorre do seguinte quadro comparativo do texto actual do artigo 31º da Lei de Defesa Nacional e do texto proposto pelo PCP.

Assunto Texto da Lei de Defesa Nacional Texto do Projecto de Lei do PCP
Princípio Geral nº 1 -- O exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e contratados em serviço efectivo será objecto das restrições constantes dos números seguintes. nº 1 -- Os militares gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente estabelecidos, mas o exercício dos direitos de associação, expressão, reunião, manifestação e petição colectiva, sofre as restrições constantes dos números seguintes.
Liberdade de Associação nº 6 – Os cidadãos referidos no nº 1 não podem ser filiados em associações de natureza política, partidária ou sindical, nem participar em quaisquer actividades por elas desenvolvidas, com excepção da filiação em associações profissionais com competência deontológica e no âmbito exclusivo dessa competência. nº 2 -- Os militares gozam da liberdade de associação, nos termos gerais, não podendo contudo ser filiados em partidos e associações políticas constituídas nos termos da Lei dos Partidos Políticos (Decreto-Lei nº 595/74), nem em associações sindicais constituídas nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 215-B/75.
Liberdade de expressão nº 2 -- Os cidadãos referidos no nº 1 não podem fazer declarações públicas de carácter político ou quaisquer outras que ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas ou desrespeitem o dever de isenção política e apartidarismo dos seus elementos.
nº 3 – Os cidadãos referidos no nº 1 não podem, sem autorização superior, fazer declarações públicas que abordem assuntos respeitantes às Forças Armadas, excepto se se tratar de artigos de natureza exclusivamente técnica inseridos em publicações editadas pelas Forças Armadas e da autoria de militares que desempenhem funções permanentes na respectiva direcção ou redacção.
nº 3 – Os militares gozam de liberdade de expressão e informação, nos termos gerais, não podendo contudo fazer declarações públicas que violem o dever de apartidarismo ou que forneçam dados classificados que ponham em risco a Defesa Nacional.
Direito de Reunião nº 4 -- Os cidadãos referidos no nº 1 não podem convocar ou participar em qualquer reunião de carácter político, partidário ou sindical, excepto se trajarem civilmente e sem usar da palavra nem fazer parte da mesa ou exercer qualquer outra função. nº 4 -- Os militares gozam do direito de reunião, mas não podem convocar ou participar em qualquer reunião de carácter partidário ou sindical, excepto se trajarem civilmente e sem usar da palavra nem fazer parte da mesa ou exercer qualquer outra função.
Direito de Manifestação nº 5 -- Os cidadãos referidos no nº 1 não podem convocar ou participar em qualquer manifestação de carácter político, partidário ou sindical. nº 5 -- Os militares não podem convocar ou participar em manifestações de carácter partidário ou sindical.
Petições Colectivas nº 8 -- Os cidadãos referidos no nº 1 não podem promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou aos respectivos superiores hierárquicos sobre assuntos de carácter político ou respeitantes às Forças Armadas. nº 6 -- Os militares podem promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou aos respectivos superiores hierárquicos, excepto sobre assuntos de carácter político-partidário ou respeitantes à actividade operacional das Forças Armadas.
Capacidade Eleitoral nº 9 -- Os cidadãos referidos no nº 1 são inelegíveis para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para as Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, para a Assembleia Legislativa de Macau e para as assembleias e órgãos executivos das autarquias locais e das organizações populares de base territorial.
nº 10 -- Não pode ser recusado, em tempo de paz, o pedido de passagem à reserva apresentado com o fim de possibilitar a candidatura a eleições para qualquer dos cargos referidos no número anterior.
nº 7 -- Os militares são elegíveis para os órgãos de soberania e órgãos de poder regional e local electivos, mas, para o efeito têm de pedir a passagem à reserva ou requerer a licença sem vencimento, as quais, em tempo de paz, não podem ser recusadas, iniciando-se a reserva ou a licença com a apresentação da candidatura e terminando, no caso de licença, com a não eleição ou com a cessação do mandato.
Direitos Laborais nº 11 -- Aos cidadãos mencionados no nº 1 não são aplicáveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos trabalhadores. nº 8 -- Aos militares não é reconhecido o direito de greve.
Actos oficiais e conferências nº 7 -- O disposto nos nºs. 4, 5 e 6 deste artigo não é aplicável à participação em cerimónias oficiais, nem em conferências ou debates promovidos por institutos ou associações sem natureza de partido político. nº 9 -- As restrições acima referidas não são aplicáveis à participação dos militares em cerimónias oficiais ou em conferências ou debates promovidos por entidades ou associações sem natureza de partido político.
Serviço Militar Obrigatório nº 12 -- Os cidadãos que se encontrem a prestar serviço militar obrigatório ficam sujeitos ao dever de isenção política, partidária e sindical. nº 10 -- No exercício das suas funções, os cidadãos que se encontram a prestar serviço militar obrigatório estão exclusivamente ao serviço do interesse público, estando sujeitos ao dever de isenção partidária.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo Único

O artigo 31º da Lei da Defesa Nacional (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro) passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 31º

  1. Os militares gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente estabelecidos, mas o exercício dos direitos de associação, expressão, reunião, manifestação e petição colectiva, sofre as restrições constantes dos números seguintes.
  2. Os militares gozam da liberdade de associação, nos termos gerais, não podendo contudo ser filiados em partidos e associações políticas constituídas nos termos da Lei dos Partidos Políticos (Decreto-Lei nº 595/74), nem em associações sindicais constituídas nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 215-B/75.
  3. Os militares gozam de liberdade de expressão e informação, nos termos gerais, não podendo contudo fazer declarações públicas que violem o dever de apartidarismo ou que forneçam dados classificados que ponham em risco a Defesa Nacional.
  4. Os militares gozam do direito de reunião, mas não podem convocar ou participar em qualquer reunião de carácter partidário ou sindical, excepto se trajarem civilmente e sem usar da palavra nem fazer parte da mesa ou exercer qualquer outra função.
  5. Os militares não podem convocar ou participar em manifestações de carácter partidário ou sindical.
  6. Os militares podem promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou aos respectivos superiores hierárquicos, excepto sobre assuntos de carácter político-partidário ou respeitantes à actividade operacional das Forças Armadas.
  7. Os militares são elegíveis para os órgãos de soberania e órgãos de poder regional e local electivos, mas, para o efeito têm de pedir a passagem à reserva ou requerer a licença sem vencimento, as quais, em tempo de paz, não podem ser recusadas, iniciando-se a reserva ou a licença com a apresentação da candidatura e terminando, no caso de licença, com a não eleição ou com a cessação do mandato.
  8. Aos militares não é reconhecido o direito de greve.
  9. As restrições acima referidas não são aplicáveis à participação dos militares em cerimónias oficiais ou em conferências ou debates promovidos por entidades ou associações sem natureza de partido político.
No exercício das suas funções, os cidadãos que se encontram a prestar serviço militar obrigatório estão exclusivamente ao serviço do interesse público, estando sujeitos ao dever de isenção partidária.

Assembleia da República, 15 de Novembro de 1999
Os Deputados