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A evolução das telecomunicações
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Engenheiro
Realizou-se no passado dia 10 de Outubro de 2001
um Encontro do PCP sobre o sector das Telecomunicações.
Dado o interesse dos temas abordados, o "O Militante" decidiu publicar neste número a intervenção dos camaradas Francisco Silva e Álvaro Tavares, contribuindo assim para uma melhor informação sobre as questões que se colocam neste importante sector.
Obscurecidas pelas turbulências dos últimos tempos, as tendências actuais no sector das telecomunicações - nomeadamente na área da União Europeia (UE) e na Europa e, portanto, no nosso País -, no entanto, deixam-se revelar através dos seus traços mais salientes. De entre eles destacam-se os relativos ao estatuto de propriedade das operadoras de telecomunicações e os respeitantes às suas envolventes financeiras, regulatórias e tecnológicas.
Para
dar andamento a uma orientação política generalizada
de liberalização do fornecimento dos serviços de telecomunicações
e de privatização e colocação em Bolsa dos operadores
de telecomunicações públicos - até então,
no continente europeu estes eram geralmente de propriedade pública
-, foi implementado um conjunto de operações ao nível
da UE e dos seus Estados-Membros, processo este preparado e desenvolvido durante
a última década e meia. O resultado: a situação
actual no sector - uma situação que seria irreconhecível
para alguém que tivesse estado incomunicável com a Terra durante
este período.
Teria imaginado que as Bolsas passariam a viver uma nova situação, agora, no mínimo, de partilha do sector financeiro com o importante papel dos operadores de telecomunicações em conjunto com os fabricantes de telecomunicações e de tecnologias da informação, media, Internet, quando até há pouco a situação era a de uma dominação quase absoluta do sector financeiro? E o certo é ser a partir desta perspectiva que os responsáveis das empresas do sector determinam as suas estratégias e actuações do dia a dia.
Basta olhar para a Europa e começar pela Bolsa de Londres onde o peso das empresas do sector é fundamental. Isto, mesmo contando apenas com as operadoras de telecomunicaçõe, isto é, a PT privatizada, mas também a Vodafone - dedicada aos serviços móveis e detendo um dos maiores valores de capitalização bolsista do Mundo, não só entre os operadores de telecomunicações mas também em termos absolutos -, a Cable & Wireless - com interesses enormes no Extremo Oriente -, a Colt ou, ainda, a Energis, que veio do sector de distribuição de energia e na qual participa a France Telecom, que no nosso país está na Optimus. France Telecom que controla a Orange, o segundo maior europeu dos serviços móveis, depois da Vodafone. Quase todas empresas que actuam globalmente ou, no mínimo, ao nível europeu.
Em Espanha, de onde vem um dos maiores accionistas da PT, a Telefónica, a influência na bolsa madrilena não é muito diferente. Basta atentar no peso da Telefónica e das suas filiais Telefónica Moviles (o grupo das suas operadoras móveis) e Terra Lycos (que foi uma das estrelas do mundo das dotcoms nos seus tempos áureos de especulação, por alturas de quando foi firmado também o acordo AOL Time Warner). Telefónica que possui a Endemol, a do Big Brother, um campeão internacional de audiências de televisão! Telefónica que é, ainda, o maior operador de telecomunicações da América Latina, incluindo uma enorme presença directa no Brasil (e indirecta através da PT).
Falando de Portugal, a PT é, em média, o título mais movimentado em termos de volume de transacções da Bolsa de Valores de Lisboa e Porto. PT que, à sua conta, representa mais de um quinto da capitalização bolsista total. Mas também lá estão os outros operadores: os inevitáveis, a nível europeu, Vodafone -ex-Telecel, France Telecom/Orange/Optimus e EDP/ONI/Telenor (da Noruega).
Mais, à conta das operadoras da PT e da Telefónica, giram também, em certa medida, as bolsas da América do Sul, em particular a mais importante de entre elas, a de São Paulo.
E nos Estados Unidos, o verdadeiro centro, sendo certa a importância per si dos operadores de telecomunicações, é onde o conjunto do sector TMT (Tecnologia, Media, Telecomunicações), vulgo, nova economia, demonstra toda a sua pujança nos mercados financeiros: quando este sector está bem, tudo parece ir bem, e vice-versa, quando está mal, tudo parece ir mal. É a ATT, a Worldcom MCI, a SBC (uma das maiores do Mundo, que controla na Europa, a Belgacom e a TeleDanmark), a Intel, a Microsoft, a HP, a Compaq (esta juntou-se com a HP), a Lucent, a Nortel, a Motorola, a Yahoo, a Amazon, a AOL Time Warner, etc..
É muito? Diria ser mesmo alucinante. E onde vamos parar com todo este afã colocado na especulação de curto prazo? Em particular, agora que não é só a nova economia a estar em fase de recuo bolsista. Ou, antes, numa fase de normalização, para onde parece ter sido atirada também pela campanha levada a cabo pelos generais da velha economia/esfera financeira. E levada para um recuo em companhia destes velhos próceres, enfim quando se entrou em crise económica geral e global - a primeira da era da nova economia! Para mais temperada pelo 11 de Setembro.
Mudando de cabo, verifica-se que não foram, em geral, atingidos os objectivos esperados do estabelecimento de novos operadores em termos de construção de novas infra-estruturas e, portanto, de animação das compras aos fabricantes europeus de telecomunicações como consequência do processo de liberalização levado por iniciativa da União Europeia.
É certo que foram construídas redes GSM e alguma coisa na área da Internet, das redes IP (Internet Protocol). Também, ainda nas telecomunicações móveis, o projecto de fornecimento de serviços UMTS é uma esperança de negócio importante para os fabricantes. Mas tais promessas estão, não só adiadas, mas também em risco de serem diminuídas, vindo a vingar as partilhas de parte importante das infra-estruturas pelos operadores concorrentes - diminuir custos a todo o custo, pois foram muito altos os preços das licenças.
Os grandes negócios
Contudo, o resultado mais esperado das reformas regulatórias era o relativo à rede fixa clássica, nomeadamente, o da instalação de fibras ópticas. Um grande negócio sustentado num período alargado. Mas, onde estão as novas infra-estruturas? Dirão que se vão instalando acessos em fibra óptica para servir fundamentalmente grandes empresas. Mas não é muita coisa, em número de acessos. Dirão ainda que algo se avançou, ou vai ainda avançar em alternativa, embora de forma mitigada, através da instalação de acessos FWA (Fixed Wireless Access - Acesso Fixo via Rádio). Mas quanto e quando? Com que ritmos? Poder-se-á mencionar ainda, em alternativa, as redes de TV cabo, aliás, um tipo de infra-estrutura maioritariamente instalada e explorada pela PT. Porque - argumentam - sobre esta infra-estrutura também poderá ser oferecido serviço telefónico. É o que a Cabovisão oferece - um pacote com TV cabo, Internet de banda larga e telefone. Mais. Poderá ainda acontecer o aproveitamento para telecomunicações das infra-estruturas dos fornecedores de energia eléctrica, por cá a ONI, uma empresa detida pela EDP. Os acessos que chegam às instalações dos utentes poderão servir para a dupla função de transporte de energia eléctrica e de suporte para telecomunicações.
No entanto, os objectivos primeiros, declarados, das liberalizações - também nas telecomunicações - não costumam ser os objectivos dos fornecedores. Pelo menos não são estes os comunicados à massa de consumidores. São antes - por definição - o conseguir mercados onde a oferta é submetida a uma concorrência efectiva, mesmo quando não minimizam a utilização de recursos. Concorrência que conduza a uma redução dos preços e, além disso, responda inovadoramente, antecipando-a, à procura.

E, em particular na UE, parte dos preços - na longa distância - baixaram. Do processo fez também parte uma reequilibração das receitas do operador único, para compensar a baixa de receitas na longa distância, levando a maiores preços nas chamadas locais. Contudo, a concorrência nesta área continua a quase não existir.
Como não foram instaladas, de forma significativa, infra-estruturas alternativas para as telecomunicações fixas, não houve compras suficientes para dinamizar o fornecimento de equipamentos e sistemas de telecomunicações (apenas países como a China, têm concorrido para a sua dinamização). E, na fase actual, nem se acredita que tal possa acontecer na UE, nem noutros países desenvolvidos.
Por isso, se impôs a abertura dos acessos locais aos utentes por parte dos antigos operadores únicos, que os devem alugar aos novos, podendo, assim, estes fornecer mais facilmente acessos locais aos seus clientes. Já não têm de fazer o investimento na sua instalação. Esta tornou-se numa questão chave, pois deverá passar a ser possível mudar a situação de prática ausência de concorrência nas chamadas locais.
Mais: a liberalização dos serviços de telecomunicações e a privatização de boa parte dos antigos operadores únicos foi delineada num tempo em que a tecnologia e o mercado de utilização era diferente da actual. Por isso assistimos a uma acentuada desfasagem em relação a questões como o desejo voluntarista e ingénuo da implementação de uma profusão de infra-estruturas alternativas.
Com efeito, já hoje andam por aí mais telemóveis do que telefones fixos. A estes está a ser crescentemente sapada a razão de ser da sua existência - cada um repare no peso das diversas componentes nas contas telefónicas.
Além disso, a Internet está a contribuir para a completa alteração não só das proporções entre tráfego de voz e de dados na rede fixa, agora cada vez mais, e já maioritariamente, desde logo na longa distância, ocupada por tráfego de dados, mas ainda para um novo padrão de tráfego. Um padrão em que a constância da carga de tráfego é a regra. Isto explica que uma rede como a telefónica, desenhada para um padrão de tráfego de voz, não possa responder devidamente ao novo tipo de procura. O que está a implicar a criação de uma nova rede, com uma diferente estrutura de encaminhamento de tráfego, a Rede de Nova Geração.
É isso: as telecomunicações, em particular na Europa, tanto quiseram ver na Internet apenas uma brincadeira que esta acabou por determinar a arquitectura das novas redes de telecomunicações!
É certo que a Internet terá de evoluir. Isto, para cumprir as suas novas obrigações, quer de atender a um número de utentes impensável quando foi concebida, quer de corresponder à função de coração da rede de telecomunicações - as fixas e as móveis, sabemo-lo agora, a convergir -, nomeadamente no domínio da qualidade de serviço, não só para os dados, mas particularmente para a voz e para os sinais de vídeo. Porque a Internet foi desenhada para o tráfego de dados, como a rede telefónica o foi para a voz!
A caixa de Pandora
Será que a nova versão da Internet em desenvolvimento - a IPv6 (versão 6 do IP, isto é, do protocolo internet) -, em substituição da versão actual - a IPv4 (versão 4 do IP) -, estará apta a responder aos novos requisitos - isto é, trabalhar com biliões de endereços e com qualidades de serviços diversas consoante as aplicações (dados, voz, vídeo, multimédia) e as suas exigências de capacidades e outras características de transmissão?
Entretanto, não apenas se vai dando a convergência das telecomunicações e dos meios de comunicação social - incluindo a informação noticiosa e o entretenimento, amalgamados com a publicidade -, mas também se expande a utilização das telecomunicações em diversas áreas, destacando-se o comércio electrónico, o teletrabalho e as intervenções à distância nas áreas da Educação, da Saúde e das pes-soas com necessidades especiais.
Por isso, assiste-se à formação de grupos económicos de um modo algo experimentalista. E vão cimentando a sua constituição: incluem plataformas de telecomunicações para atingir um número tão grande quanto possível de clientes - podem dispor de redes fixas e móveis e de televisão por cabo -, fornecer acessos à Internet, agregação e encaminhamento a conteúdos através de portais ou de set-top boxes para TV, e dispor de conteúdos propriamente ditos, sejam filmes, músicas, programas desportivos, notícias ou livros.
E aparecem as novas dimensões que atingem questões antigas, como sejam o acesso à informação e a infoexclusão, a liberdade de expressão e a privacidade - a vontade de importantes sectores de uma omnisciente observação de todos, para combater a cibercrime -, a segurança da informação - por exemplo, dos dados dos meios pagamento no comércio electrónico -, a taxação de serviços de telecomunicações e de transacções de produtos -, a evasão fiscal no ciberespaço e as questões da concorrência entre empresas sediadas em diferente países e regiões, por exemplo na UE e nos EUA - e, ainda, a propriedade intelectual e os direitos de autor e de reprodução das editoras.
Por isso, se está a assistir a uma reestruturação de entidades reguladoras - aproximação das telecomunicações e comunicação social, aproximação da área de concorrência e preços; entidades nacionais versus entidades regionais e globais. Por exemplo, em Portugal foi nomeada uma comissão (onde participam, entre outros, representantes do ICP e da Alta Autoridade para a Comunicação Social) para estudar a nova situação e não está afastada a hipótese de uma nova entidade única.
A juntar a tudo isto, no nosso País, a revisão do contrato de concessão da operadora de serviço universal - a PT -, nomeadamente a questão do domínio público da Rede e o agendamento da sua venda à mesma PT.
A caixa de Pandora está aberta
«O Militante» - N.º 256 - Janeiro/Fevereiro de 2002