Prefácio à edição alemã
de 1890 (27)
Desde que o acabado de mencionar (28)
foi escrito, voltou a ser precisa uma nova edição alemã do Manifesto,
e passaram-se também muitas coisas com o Manifesto que há que referir
aqui.
Uma segunda tradução russa de Vera Zassúlitch (13)
apareceu em 1882, em Genebra; o prefácio para ela foi redigido por Marx
e por mim. Infelizmente, perdi o manuscrito original alemão; tenho, portanto,
que retraduzir do russo, com o que o trabalho não ganha nada (29).
Diz assim:
«A primeira edição russa do Manifesto do Partido Comunista, em tradução
de Bakúnine, apareceu no começo dos anos 60 (10)
na tipografia do Kolokol (14). Naquela
altura, uma edição russa deste escrito tinha, para o Ocidente, quando muito,
o significado de uma curiosidade literária. Hoje, uma semelhante concepção não
é mais possível. Como era limitado o âmbito que o habitat [Verbreitungsgebiet]
do movimento proletário tinha ao tempo da primeira publicação do Manifesto
(Janeiro de 1848) (1) mostra-o da melhor
maneira o [seu] último capítulo: "Posição dos comunistas para com os diversos
partidos oposicionistas". Faltam aí, antes de tudo, a Rússia e os Estados
Unidos. Era o tempo em que a Rússia formava a última grande reserva da reacção
europeia e em que a emigração para os Estados Unidos absorvia as forças excedentárias
do proletariado europeu. Ambos os países abasteciam a Europa de matérias-primas
e serviam, simultaneamente, de mercados de escoamento para os seus produtos
industriais. Ambos apareciam, portanto, desta ou daquela maneira, como suportes
da ordem social europeia.
Hoje, como tudo isso mudou! Precisamente a emigração europeia possibilitou o
desenvolvimento colossal da agricultura norte-americana, o qual, pela concorrência,
abalou nos seus alicerces tanto a grande como a pequena propriedade fundiária
na Europa. Deu simultaneamente aos Estados Unidos a possibilidade de encetar
a exploração dos seus abundantes recursos industriais, e, decerto, com tanta
energia, e em tal escala, que, num curto [espaço de] tempo, isso teve que pôr
fim ao monopólio industrial do Ocidente europeu. E estas duas circunstâncias
reagiram também sobre a América numa direcção revolucionária. A propriedade
fundiária pequena e média do lavrador [Farmer] que trabalha para si
a base de toda a ordem política da América sofreu cada vez mais a concorrência
dos lavradores-gigantes, enquanto, simultaneamente, se formava pela primeira
vez, nos distritos industriais, um proletariado numeroso, a par de uma fabulosa
concentração dos capitais.
Passemos à Rússia. Ao tempo da revolução de 1848-49, não só os monarcas europeus
mas também os burgueses europeus viam na intervenção russa a única salvação
perante o proletariado que só então se começava a aperceber das suas forças.
Proclamaram o tsar chefe da reacção europeia. Hoje, ele fica sentado em Gátchina
como prisioneiro de guerra da revolução (15),
e a Rússia forma a vanguarda do movimento revolucionário da Europa.
A tarefa do Manifesto Comunista era a proclamação do declínio inevitavelmente
iminente da propriedade burguesa hodierna. Na Rússia, porém, nós encontramos
a par da ordem capitalista que se desenvolve com [uma] pressa febril
e da propriedade fundiária burguesa que só agora se começa a formar mais
de metade do solo na propriedade comum dos camponeses.
Pergunta-se, então: pode a comuna de camponeses russa essa forma, sem
dúvida, já muito desagregada da originária propriedade comum do solo
transitar imediatamente para uma forma comunista superior da propriedade fundiária,
ou tem ela, antes, que passar pelo mesmo processo de dissolução que no desenvolvimento
histórico do Ocidente se exibe?
A única resposta hoje possível para esta pergunta é a seguinte. Se a revolução
russa se tornar o sinal para uma revolução operária no Ocidente, de tal modo
que ambas se completem, então, a propriedade comum russa hodierna pode servir
de ponto de partida para um desenvolvimento comunista.
Londres, 21 de Janeiro de 1882.»
Uma nova tradução polaca apareceu, por esse tempo, em Genebra: Manifest Komunistyczny (30).* Perante nós Lassalle declarou-se sempre pessoalmente como «discípulo» de Marx e como tal colocava-se obviamente no terreno do Manifesto. O mesmo não se passava com aqueles dos seus seguidores que não iam além da sua reivindicação de cooperativas produtivas com crédito estatal e dividiam a classe operária toda em ajudados pelo Estado [Staatshülfler] e em ajudados por si próprios [Selbsthülfler].
* W. Bevan. (N. Ed.)
E, contudo, quando ele apareceu, não lhe poderíamos
ter chamado um manifesto socialista. Em 1847 entendia-se por socialistas
duas espécies de pessoas. De um lado, os seguidores dos diversos sistemas utopistas,
em especial os owenistas em Inglaterra e os fourieristas em França, ambos os
quais já então estavam reduzidos a meras seitas moribundas. De outro lado, os
mais variados charlatães sociais, que com as suas diversas panaceias e com toda
a espécie de remendos queriam eliminar os males sociais sem magoar minimamente
o capital e o lucro. Em ambos os casos: pessoas que estavam fora do movimento
operário e que, ao invés, procuravam apoio junto das classes «cultas». Em contrapartida,
aquela parte dos operários que estava convencida da insuficiência de meros revolucionamentos
políticos, [e] exigia uma reconfiguração profunda da sociedade, essa parte chamava-se
então comunista. Era apenas um comunismo apenas mal desbastado, apenas
instintivo, por vezes algo grosseiro; mas era suficientemente poderoso para
engendrar dois sistemas do comunismo utópico, em França o «icário» de Cabet,
na Alemanha o de Weitling. Em 1847, socialismo significava um movimento burguês,
comunismo um movimento operário. O socialismo, pelo menos no Continente, era
apresentável [salon-fähig], o comunismo era precisamente o contrário.
E como já nessa altura éramos muito decididamente da opinião de que «a emancipação
dos operários tem de ser obra da própria classe operária» (26),
nem por um instante podíamos estar na dúvida sobre qual dos dois nomes escolher.
E desde então nunca nos passou pela cabeça rejeitá-lo.
«Proletários de todos os países, uni-vos!». Só poucas vozes responderam quando
gritámos ao mundo estas palavras, faz agora 42 anos, nas vésperas da primeira
revolução de Paris na qual o proletariado avançou com reivindicações próprias.
Mas a 28 de Setembro de 1864 uniam-se proletários da maioria dos países da Europa
ocidental na Associação Internacional dos Trabalhadores, de gloriosa memória.
É certo que a própria Internacional só viveu nove anos. Mas que está ainda viva
a eterna união [Bund] dos proletários de todos os países por ela fundada,
e mais pujante do que nunca, disso não há melhor testemunho do que precisamente
o dia de hoje. Porque hoje (31), dia em que
escrevo estas linhas, o proletariado europeu e americano passa revista às suas
forças de combate mobilizadas pela primeira vez, mobilizadas num único
exército, sob uma única bandeira e para um objectivo próximo:
o dia normal de oito horas de trabalho, a estabelecer por lei, que já o Congresso
de Genebra da Internacional em 1866 (32) e de
novo o Congresso Operário de Paris de 1899 (33)
haviam proclamado. E o espectáculo do dia de hoje abrirá os olhos aos capitalistas
e aos senhores fundiários de todos os países para que hoje os proletários de
todos os países estão de facto unidos.
Pudesse Marx estar ainda ao meu lado, para ver isto com os próprios olhos!
London, 1 de Maio de 1890.
F. Engels