Partido Comunista Português
Intervenção de Bernardino Soares na AR
Processo Face Oculta
Quarta, 11 Novembro 2009

justica_12_05_09.jpgÉ verdade que há uma crise na justiça, uma crise profunda que os portugueses bem sentem, não só em relação à não resolução de casos concretos ao longo dos anos mas, também - e até, talvez, sobretudo -, pela própria falta de acesso à justiça se não tiverem as condições económicas necessárias para a ela aceder.

 

 

A opinião pública e o conteúdo das escutas das conversas telefónicas com o ex-ministro socialista Armando Vara no âmbito do processo Face Oculta

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite,

É verdade que há uma crise na justiça, uma crise profunda que os portugueses bem sentem, não só em relação à não resolução de casos concretos ao longo dos anos mas, também - e até, talvez, sobretudo -, pela própria falta de acesso à justiça se não tiverem as condições económicas necessárias para a ela aceder.

Dito isto, queria afirmar que continuamos, nesta situação em que nos encontramos, a respeitar a separação de poderes entre o que é do Parlamento e o que é da justiça. Independentemente da gravidade dos casos que venham a público, esse tem de ser o nosso princípio, porque, apesar de a crise da justiça ser profunda, ainda não estamos - pelo menos, até agora - no ponto em que essa ultrapassagem de fronteiras tenha qualquer justificação.

Também queria dizer-lhe que, em relação aos problemas da justiça, é mais importante falar das condições em que ela opera do que falar do caso concreto, ou das competências do Procurador-Geral da República ou do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. E é aí que tem de se dizer, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que estas leis que hoje tanto dificultam o combate à criminalidade económica e financeira e a investigação de casos de corrupção são «filhas» do PS e do PSD.

Desde logo, em matéria de segredo de justiça, o pacto que assinaram e concretizaram leva a que seja mais difícil investigar, como afirmam altos responsáveis do Ministério Público, porque mais cedo os eventuais suspeitos têm acesso às informações do processo.

Também em matéria de autonomia do Ministério Público, foram-se pondo sucessivamente, passo a passo, entraves a essa autonomia (e, mais uma vez, isso resultou do pacto entre o PS e o PSD), aprovando, designadamente, uma lei que permite que haja uma orientação política sobre as prioridades da Procuradoria-Geral da República, uma determinante que condiciona a autonomia do Ministério Público.

Ou ainda, por exemplo, quando se assiste sistematicamente (situação da responsabilidade do PS e do PSD) a uma escandalosa promiscuidade entre cargos do Governo, grandes grupos económicos e empresas públicas, com «saltos» daqui para ali, sem se perceber bem onde começa o campo privado e onde começa o campo público.

Todas essas situações (em que o PSD e o PS têm agravado as responsabilidades) contribuem em muito para a suspeição que o povo português tem, não só sobre a justiça mas também sobre a imposição que a Constituição impõe a todos nós: a subordinação do poder económico ao poder político e não, como hoje acontece pela mão de sucessivos governos, uma completa subordinação do poder político ao poder económico, com as consequências que estão à vista!

Esta promiscuidade, agora auxiliada pela dificultação da investigação criminal, é o problema que é preciso resolver e, para isso, não precisamos de falar do caso concreto, precisamos de responsabilizar aqueles que, como o PS e o PSD, tanto têm contribuído para que a situação da justiça chegue ao ponto em que está.