No que se refere aos aspectos da pergunta escrita relacionados com a
liberdade de circulação das pessoas, deve salientar-se que o artigo
18.º do Tratado CE estabelece que qualquer cidadão da União goza do
direito de circular e permanecer livremente no território dos
Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas
nesse Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação.
Estas limitações e condições estão previstas na Directiva 2004/38/CE do
Parlamento e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito
de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros
das suas famílias no território dos Estados-Membros(1).
O n.º 3 do artigo 4.º da directiva prevê que os Estados-Membros, agindo
nos termos do respectivo direito, devem emitir ou renovar aos seus
nacionais um bilhete de identidade ou passaporte que indique a
nacionalidade do seu titular.
O n.º 1 do artigo 5.º da directiva estabelece que os Estados-Membros
devem admitir no seu território os cidadãos da União, munidos de um
bilhete de identidade ou passaporte válido. O n.º 1 do artigo 6.º prevê
que os cidadãos da União têm o direito de residir no território de
outro Estado-Membro por um período de até três meses sem outras
condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de
identidade ou passaporte válido.
Para períodos de residência superiores a três meses, pode ser exigido
um registo junto das autoridades competentes. Para a emissão do
certificado de registo, o Estado-Membro de acolhimento pode exigir que
seja apresentado um bilhete de identidade ou passaporte válido,
juntamente com os restantes documentos previstos na directiva.
A não aceitação, sem justificação adequada, de bilhetes de identidade
válidos emitidos por outros Estados-Membros como meio de comprovar a
identidade dos seus titulares implicaria que estes direitos dos
cidadãos da União ficassem desprovidos de significado e de efeito
prático.
Neste contexto, antes de contactar as Autoridades neerlandesas, a
Comissão necessitaria de informações complementares relativas aos casos
referidos pela Senhora Deputada.
No que se refere à não aceitação, por parte de empresas privadas, de
bilhetes de identidade válidos dos cidadãos que desejam recorrer aos
serviços dessas empresas, a Comissão considera que este comportamento é
susceptível de constituir uma discriminação em razão da nacionalidade
ou da residência dos destinatários dos serviços.
O Tribunal de Justiça considerou que o direito que assiste aos
destinatários de serviços de não serem objecto de tratamento
discriminatório com base na sua nacionalidade ou local de residência
faz parte da liberdade de prestação de serviços consagrada no artigo
49.º do Tratado CE. Deve no entanto realçar-se que até ao momento
o Tribunal de Justiça apenas teve a oportunidade de reconhecer a
aplicabilidade do artigo 49.º do Tratado CE a entidades privadas quando
se trata de medidas que, embora de natureza não pública, se destinam a
disciplinar, de forma colectiva, o trabalho independente e as
prestações de serviços (por exemplo, medidas adoptadas por associações
desportivas ou organismos profissionais)(2).
É evidente que, uma vez que o artigo 49.º do Tratado CE tem efeito
directo nos ordenamentos jurídicos nacionais, estas decisões do
Tribunal de Justiça não impedem que os cidadãos afectados pela prática
descrita tenham o direito de invocar esta disposição perante os
tribunais e autoridades nacionais que, na sua decisão, devem também
tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima
referida. Apesar disso, a Comissão lamenta informar a Senhora Deputada
que não possui competências para actuar contra o comportamento de
empresas privadas no âmbito dos poderes de controlo da aplicação do
direito comunitário que lhe foram conferidos pelo artigo 226.º do
Tratado CE e que não pode, por conseguinte, nos termos do direito
comunitário em vigor, intervir directamente em casos como os que lhe
foram apresentados pela Senhora Deputada.
Contudo, a Comissão gostaria igualmente de salientar que será possível,
no futuro, intervir em caso de comportamentos discriminatórios,
incluindo por parte de empresas privadas, baseados na nacionalidade ou
na residência dos destinatários dos serviços, nos termos da Directiva
2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de
2006, relativa aos serviços no mercado interno(3),
recentemente adoptada e que deve ser transposta pelos Estados-Membros
até final de 2009. Nos termos do n.º 2 do artigo 20.º desta directiva,
os Estados-Membros devem assegurar que as condições gerais de acesso a
um serviço que são postas à disposição do grande público pelo
prestador, não incluam condições discriminatórias baseadas na
nacionalidade ou no lugar de residência do destinatário. A mesma
disposição estabelece simultaneamente de forma expressa que os
prestadores de serviços têm a possibilidade de demonstrar que as
diferenças de tratamento são motivadas por critérios objectivos e, por
conseguinte, justificadas. A Comissão está actualmente a diligenciar
juntamente com os Estados-Membros no sentido de garantir que a
directiva relativa aos serviços no mercado interno, incluindo a
disposição acima referida, seja transposta de forma adequada para os
ordenamentos jurídicos nacionais.
(1) JO L 158 de 30.4.2004.
(2)
Ver, ex multis, acórdãos de 12 de Dezembro de 1974, Walrave, processo
36-74 e de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters, processo C-309/99.
(3) JO L 376 de 27.12.2006.
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