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Portugal e a União Europeia nos 20 anos de adesão à CEE - Intervenção de José Lourenço |
Sábado, 16 Dezembro 2006 |
Quando em 30 de Maio de 1980 o nosso partido realizou uma Conferência
Nacional para debater a adesão à CEE, logo ficou claro nas suas
conclusões que as razões fundamentais que levavam a aliança de direita
PPD/CDS no Governo e, o PS a defender a rápida e completa integração de
Portugal na CEE, eram razões políticas e não razões económicas.
O que eles pretendiam e o futuro veio a confirmar, era com a integração
no Mercado Comum criar novos e poderosos instrumentos para a
recuperação capitalista e latifundista, era conseguirem apoios e ajudas
para liquidar o regime democrático, para liquidar o Portugal de Abril e
as suas conquistas.
O nosso partido sempre advertiu que a integração de Portugal no Mercado
Comum, mais que uma operação económica, constituiria uma grande
operação política reaccionária.
As forças políticas defensoras da adesão pretendiam desta forma com a
nossa integração criar as condições para a destruição completa das
transformações democráticas alcançadas, para a restauração do
capitalismo monopolista em Portugal, para a restauração do poder
económico e político dos monopólios e dos latifundiários, para a
liquidação do regime democrático consagrado na nossa
Constituição.
Sempre o nosso partido advertiu que a integração visava, não resolver
os problemas e impulsionar a economia portuguesa, mas sim obter um novo
e poderoso instrumento e criar condições para a destruição completa das
transformações democráticas alcançadas.
Feita esta pequena introdução, e não deixando de responder àqueles que
viam na integração de Portugal no Mercado Comum uma oportunidade para o
nosso país alcançar rapidamente a prosperidade e o desenvolvimento, não
deixámos nessa Conferência de dizer que considerávamos que a nossa
economia não estava em condições de integrar a Comunidade Europeia.
O nosso país apresentava então níveis de desenvolvimento e
consequentemente de produtividade que não nos permitiam competir no
mercado externo e interno, com os outros países da Comunidade, sem
apoios do Governo.
Qualquer que fosse o sector em análise, da agricultura à indústria era
facilmente visível o enorme atraso que registávamos em relação aos
outros países da Comunidade, com excepção da Grécia, atraso que só
seria superado com medidas de fundo e que não seria recuperável a curto
prazo.
Vinte anos após a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia
(CEE), qualquer balanço económico não poderá deixar de fazer referência
ao impacto da adesão sobre a nossa estrutura produtiva, sobre a balança
comercial, sobre o ritmo e características do crescimento económico, a
evolução do emprego e do desemprego, a distribuição do rendimento pelas
famílias, os níveis de educação, saúde e segurança social da nossa
população, em suma sobre os índices de qualidade de vida e a sua
comparação com os restantes países comunitários.
Em síntese é fundamental que com este balanço possamos poder concluir,
não só se a situação económica do nosso país melhorou comparativamente
com os nossos parceiros comerciais, mas também se fruto desse
desenvolvimento, o nosso país é hoje um país menos desigual e se dada a
situação de partida crescemos a um ritmo superior ao dos nossos
parceiros comerciais.
Vejamos como evoluiu a nossa estrutura produtivo e comparativamente a
da União Europeia a 15 e a dos países que com Portugal aderiram nos
anos 80 à Comunidade Europeia (Irlanda, Espanha e Grécia).
Se é verdade que em qualquer dos países se verifica uma tendência no
sentido da redução do peso dos Sectores Primário e Secundário e aumento
do Sector Terciário, essa redução é no entanto mais acentuada no caso
Português.
Nos anos anteriores à adesão à Comunidade Económica Europeia, os
Sectores Primário e Secundário eram responsáveis por cerca de 47,5% do
nosso Valor Acrescentado Bruto, já nos últimos anos essa importância na
ultrapassa os 33% do VAB, uma quebra de 30% ao longo destes 20 anos de
adesão, o que não teve paralelo em qualquer dos outros países da
Comunidade.
Já em relação à população empregue, antes da adesão o Sector Primário e
Secundário empregavam 53,2% da população activa, hoje empregam apenas
40% dessa mesma população (menos 25% da população empregue nestes
sectores produtivos), curiosamente no mesmo período a população
empregue nestes sectores em todo o espaço comunitários a 15, baixou
mais, (cerca de 28%), representando agora apenas 30% do total da
população empregue. Uma nota para referir aqui que a Irlanda é o único
destes países em que ao longo destes 20 anos, a quebra verificada na
produção agrícola é compensada pelo acréscimo registado na produção da
indústria transformadora, a qual ao arrepio do que se verifica em todos
os outros países, aumenta o seu peso na estrutura da produção.
Será interessante analisar embora de uma forma breve a estrutura da
nossa indústria transformadora em vésperas da adesão à CEE, e mais
próximo dos nossos dias. O que é que verificamos? A par da redução do
seu peso na estrutura produtiva, a indústria transformadora registou
uma alteração da importância relativa dos seus subsectores.
No período em análise, “as indústrias alimentar, das bebidas e do
tabaco”, de “fabricação de outros produtos minerais não metálicos” e “
máquinas e equipamento” registaram os aumentos mais significativos em
termos do peso relativo no total da indústria transformadora (mais 8,2
pontos percentuais) e os sectores ditos tradicionais (indústrias
alimentar, têxtil, peles, calçado, madeira, cortiça e papel) registaram
uma ligeira quebra no seu peso, no VAB da indústria transformadora
(menos 1,3 pontos percentuais).
Vejamos como evoluiu o Produto Interno Bruto (PIB) em Portugal e na
União Europeia a 15 nos últimos 20 anos utilizando como unidade de
medida o PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC).
Ao longo deste período a taxa média anual do nosso PIB cresceu
ligeiramente acima da taxa média de crescimento da EU 15, isto é 5,5%,
contra 4,9%. Por esta razão o nosso PIB per capita em PPC era de 57,60
para uma média comunitária de 100 em 1985 e passou para 69,15 em 2005.
Esta taxa média de crescimento do PIB ao longo dos 20 anos de adesão,
podendo parecer um indicador de um bom ritmo de crescimento da nossa
economia comparativamente com a média da EU 15, esconde ritmos de
crescimento bem diferentes:
§ nos sub-períodos de 1985 a 1991, em que crescemos acima da média comunitária,
§ de 1992 a 1994, em que crescemos a ritmo inferior,
§ de 1995 a 2001, em que voltamos a crescer acima da média da União e,
§ finalmente de 2002 até aos nossos dias em que
voltamos a crescer continuamente a um ritmo bem inferior ao da União
Europeia.
Vivemos aliás actualmente o mais longo período de contínuo ritmo de
crescimento muito baixo das últimas décadas, podemos mesmo falar em
estagnação, o que faz com divergemos do resto da União Europeia há já 5
anos.
Nas relações comerciais externas de Portugal verificaram-se grandes alterações estruturais desde a nossa adesão à CEE.
Desde logo a perda relativa de peso das exportações no PIB, enquanto as nossas importações apresentam uma evolução inversa.
Em 1985 as nossas exportações representavam 31,4% do PIB, em 2005 já só
representam 28,6%, enquanto do lado das importações o seu peso no PIB
passa de 33,8% em vésperas da adesão para 37,8% mais recentemente.
O agravamento do défice da nossa Balança Comercial que passa de 2,4% do
PIB, em 1985, para 9,2% em 2005 é a consequência mais imediata do
aprofundamento deste claro desequilíbrio da nossa economia – um sector
produtivo mais frágil e sem capacidade para competir num mercado cada
vez mais aberto -.
A evolução da Balança Comercial foi acompanhada por uma alteração significativa das nossas exportações e importações.
Do lado das exportações verifica-se a perda de peso relativo das
industriais tradicionais portuguesas com as da madeira, cortiça, papel,
têxteis, vestuário e calçado que, no conjunto passaram de cerca de 49%
do total, em 1995, para menos de 30% em 2004, isto é, a perda de 20
p.p. (a preços correntes) em 20 anos.
Por outro lado, a subida do peso relativo das máquinas e material de
transporte, que de cerca de 15% no total em 1985, passaram para mais de
34% em 2004. Verifica-se aqui uma perda de peso das indústrias
tradicionais muito baseadas no baixo custo do factor trabalho e
acrescente posição de sectores industriais bastante influenciados e
dependentes do investimento directo estrangeiro.
Do lado das importações destacam-se três aspectos seguintes:
1. a manutenção de uma forte dependência alimentar e energética;
2. a manutenção da posição relativa das indústrias tradicionais (cerca de 12% do total das importações);
3. a subida significativa dos sectores das “máquinas
e material de transporte” que passam de cerca de 22% para quase 35%
duas décadas mais tarde;
No decurso dos últimos 20 anos alterou-se também de uma forma bastante
evidente a estrutura geográfica do nosso comércio externo.
Em primeiro lugar, destaca-se o forte crescimento do comércio externo português com os outros Estados-membros da UE15.
Do lado das importações, o comércio intra-comunitário que representava
cerca de 35% do total das importações portuguesas, em 1985, ultrapassa
hoje os 75%.
Do lado das exportações passou-se também de cerca de 36% para valores próximos de 80% do total.
Portugal é mesmo hoje dentro dos actuais 25 Estados-membros o país com
maior dependência do comércio intra-comunitário, 4/5 do nosso
Comércio Externo faz-se dentro do Espaço Comunitário a 25.
O acréscimo do peso deste tipo de comércio fez-se através de vários elementos chave.
Por um a lado, um acréscimo da posição relativa dos nossos principais
parceiros comerciais, com excepção do Reino Unido enquanto fornecedor,
e por outro lado, com alterações na posição relativa de clientes e
fornecedores.
Aqui destaca-se, especialmente a posição de Espanha, que passou a ser o
nosso principal cliente e o nosso principal fornecedor, absorvendo
cerca de 1/3 do nosso Comércio Externo, quando antes da adesão não
representava mais do que 1/20 desse Comércio.
Até à adesão à CEE apenas 5,4% das nossas importações provinham de
Espanha e apenas 2,2% das nossas exportações iam para Espanha, 20 anos
depois, 30% das nossas importações provêm de Espanha e cerca de 27% das
nossas exportações têm como destino o país vizinho.
A Alemanha ocupa actualmente o 2º lugar como fornecedor e partilha regularmente com a França o 2º e 3º lugar como clientes.
Um dado bem elucidativo sobre a crescente fragilidade e dependência da
nossa economia, se em 1986 vários eram os nossos parceiros comerciais
da EU 15, cuja balança comercial bilateral era deficitária com Portugal
- casos da França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca e Grécia -,
em 2005 só a Inglaterra e Grécia apresentam uma balança
deficitária com o nossos país, o que não é certamente alheio ao facto
de Inglaterra não ter aderido ao euro, o que faz com que as suas
exportações sejam muito caras para nós e as nossas importações bem
acessíveis para eles. Mais ainda, dos actuais 25 membros da União
Europeia, a nossa Balança Comercial apenas não é deficitária com 5
deles, para além dos anteriores, Chipre a Hungria e a Eslovénia.
Feita a análise da evolução da nossa estrutura produtiva, da evolução
do crescimento económico e da balança comercial, vejamos os impactos da
adesão sobre a evolução do desemprego, sobre a distribuição do
rendimento pelas famílias, os níveis de educação, saúde e segurança
social da nossa população, em suma sobre os índices de qualidade de
vida e a sua comparação com os restantes países comunitários.
Em 1985, o nosso país tinha 416 mil desempregados, enquanto a União
Europeia a 15 tinha 14,7 milhões desempregados, no final de 2005,
Portugal ultrapassou o nº de desempregados de 1985, tinha 422 mil
desempregados, enquanto a União Europeia a 15, deverá manter os 14,7
milhões de desempregados. É certo que a metodologia de cálculo do
desemprego foi alterada ao longo deste período, por isso é difícil
dizer se a taxa de desemprego de 7,6% registada no final de 2005 é
superior à registada em 1985, de qualquer das formas um facto é
indesmentível, enquanto a nossa taxa de desemprego tem vindo a
aumentar, a taxa de desemprego na EU a 15 tem registado uma tendência
contrária e de acordo com os últimos dados do Eurostat ela poderá no
final de 2006, ser pela 1ª vez inferior à registada no nosso país. A
nossa adesão à CEE não significou 20 anos depois, tal como sempre
dissemos a solução para os nossos problemas do emprego, antes nos
colocou em confronto directo com empresas melhor apetrechadas e com
trabalhadores em muitas situações melhor preparados, com consequências
directas no encerramento de empresas e no aumento do desemprego, com
particular incidência nos jovens à procura do 1º emprego – para eles a
taxa de desemprego é o dobro da média nacional – e nas mulheres.
Uma situação que consideramos a todos os títulos preocupante e que por
mais que os vários governos procurem ocultar com algumas medidas de
cosmética, ela é de tal forma grave que foi já reconhecida pelo próprio
Governador do Banco de Portugal, diz respeito à situação social que se
vive no nosso país, quando comparada com o conjunto dos países da EU-15.
Considerando os dados disponíveis para 1997, onze anos após a adesão,
Portugal é o país da EU-15 com menor rendimento por habitante, mais
elevada taxa de pobreza, mais elevada desigualdade da distribuição do
rendimento e em que a desigualdade dos rendimentos salariais é mais
elevada.
Analisando os Inquéritos aos Orçamentos Familiares em três anos
diferentes 1989/1990, 1994/95 e 2000, confirmam-se os elevados índices
de desigualdades do rendimento e da pobreza económica dos agregados e
dos indivíduos durante a década de noventa. Confirma-se que Portugal é
o país da EU-15 com o maior nível de desigualdade do rendimento e com a
maior taxa de pobreza relativa. Confirma-se que ao longo da década de
noventa houve um aumento de cerca de 250 mil indivíduos observados numa
situação de pobreza relativa, de tal forma que em 2000 são quase dois
milhões os portugueses classificados como pobres em função do seu
rendimento e em termos relativos.
Estas acentuadas desigualdades sociais em Portugal, de que a
desigualdade da distribuição do rendimento que acabei de referir
constitui a dimensão mais expressiva e mais determinante de muitas
outras (das desigualdades das despesas e dos padrões de consumo, das
desigualdades do nível de instrução e do sucesso escolar, das
desigualdades do nível de protecção contra os riscos sociais, etc.),
são a expressão de factores económicos e sociais a que a acção do
Estado–providência desenvolvida pelos Governos de Direita que nos têm
governado e pela União Europeia, não dão resposta e constituem o mais
claro libelo acusatório contra as políticas de direita que vêm sido
prosseguidas no nosso país.
Qualquer balanço cor-de-rosa que possa ser feito destes vinte anos de
adesão ao chocar com esta dura e indesmentível realidade social,
traz-nos à lembrança a necessidade de lutarmos por uma outra Europa em
que os objectivos fundamentais sejam a convergência económica e social
entre os Estados, sejam a criação de um espaço económico e social com
níveis de desenvolvimento idênticos, de que possam disfrutar os vários
povos da União Europeia.
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