Partido Comunista Português
"A vertigem europeia"
Ilda Figueiredo no "Semanário"
Sexta, 06 Maio 2005

O momento de autêntica vertigem que se está a viver na evolução da União Europeia deixa-nos pouco tempo para a reflexão, o aprofundamento do estudo, o debate, a ponderação das consequências.

Após um alargamento a dez novos países, sucedem-se propostas de novas adesões a curto prazo, alteração de montantes e modos de financiamento e de funcionamento, modificações profundas a nível institucional e das próprias competências da União, alteração de políticas comunitárias, de regulamentos, de processos e de direitos.

Vejamos apenas alguns exemplos. Estão neste momento em debate questões tão importantes como:

- O novo quadro financeiro da União Europeia para 2007/2013, incluindo os seus montantes, a sua repartição e o modo de cálculo, o que, face às propostas existentes, e tendo por base quer a proposta da Comissão Europeia, quer a do Conselho, quer o que se está a preparar no Parlamento Europeu, pode significar para o nosso País uma redução de verbas superior a 20%, apesar da situação grave que estamos a atravessar e da notória falta de preparação para enfrentar os embates da liberalização do comércio internacional e do mercado interno comunitário.

- A adesão da Bulgária e Roménia, em Janeiro de 2007, a possível abertura de negociações com a Turquia tendo em vista a sua adesão futura, o debate em torno da hipótese de também abrir negociações com a Croácia e outros países dos Balcãs, o que, naturalmente, terá também consequências na vida económica e social de cada um dos actuais Estados -Membros.

- Alterações da directiva sobre organização do tempo de trabalho, visando uma maior desregulamentação e a tentativa de abrir caminho legislativo a uma harmonização, por baixo, do funcionamento dos serviços, através da tristemente célebre proposta de directiva Bolkenstein, com a sua proposta de liberalização dos serviços, tendo por base a legislação do país de origem.

- A crescente liberalização do comércio internacional, que a Comissão Europeia vai negociando no âmbito da Organização Mundial de Comércio, ao arrepio dos interesses de cada um dos 25 países que representa, como agora é mais notório na questão da têxtil e do vestuário, mas que também afecta outros sectores industriais.

- A culminar tudo isto, ou servindo-lhe de suporte, temos o processo de ratificação da dita constituição europeia, um texto que a generalidade das pessoas desconhece, mas que dá um cunho tão forte a uma construção europeia neoliberal, militarista e federalista, que é inadmissível admitir a coincidência de um referendo sobre a mesma com a realização de eleições autárquicas.

São propostas de mudanças tão profundas e tão bruscas que impedem um acompanhamento reflexivo de todas as vertentes, apesar da gravidade das suas consequências para a vida pessoal e colectiva nos mais diversos países da Europa, com particular destaque para Portugal, que sendo um país da já “velha” União Europeia a 15, mantém muitos dos problemas dos novos países do alargamento e tem, noutras áreas fundamentais e estruturantes, piores situações, com destaque para a educação, formação escolar e profissional.

Os principais responsáveis e protagonistas a nível das instituições europeias não se dão conta de que estão a seguir um caminho tortuoso, a caminhar à beira do abismo, que pode desabar a qualquer momento e arrastar na sua queda mesmo aqueles que julgam estar de pedra e cal nos alicerces de uma construção tão elitista que tende a destruir tudo à sua volta, e pode acabar por ser também arrastada na vertigem que provoca.

Por isso, é preciso parar para pensar. É urgente que se promova um grande debate pluralista, que se dê iguais oportunidades a todas as diferentes correntes de opinião para que se confrontem ideias e não se dê apenas cobertura à posição oficial, que, embora maioritária no plano partidária, já que PS e PSD apoiam a dita constituição europeia, não é exclusiva, nem pode ser a única via. Há sempre outros caminhos. É preciso conhecê-los, antes de uma decisão consciente.