Partido Comunista Português
Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Eléctrica, assinado em Santiago de Compostela, a 1 de Outubro de 2004
Intervenção de Agostinho Lopes
Sexta, 13 Janeiro 2006

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação,

Uma primeira questão é formal. O debate que estamos a travar incide sobre um Acordo que estabelece, no seu artigo 1.º, n.º 5, que «o MIBEL iniciará o seu funcionamento antes de 30 de Junho de 2005», o que é uma manifesta impossibilidade. A minha pergunta é se esta proposta de resolução não deveria ser acompanhada da correcção efectuada depois da Cimeira Luso-Espanhola, de 18 e 19 de Novembro último, a qual estabeleceu uma nova data. Caso contrário, estamos a debater um Acordo que contém uma formulação errada.

Em segundo lugar, gostaria que o Sr. Secretário de Estado me dissesse quais os custos do operador português até ao final de 2005 e já no presente ano. Um jornal noticiou que, até ao final de 2005, os custos fixos anuais seriam da ordem dos 3 milhões de euros. Faço-lhe esta pergunta, Sr. Secretário de Estado, pois a mesma questão, colocada ao Sr. Ministro, na passada terça-feira, em sede de comissão, não obteve qualquer resposta.

Uma terceira questão diz respeito a um artigo que estabelece a harmonização tarifária. Neste artigo, diz-se que as Partes tenderão a fazer esta harmonização e, depois, que, no prazo de um ano após a entrada em funcionamento do MIBEL, será desenvolvido um plano, mas não se estabelece qualquer prazo, nem data, para a concretização, de facto, da harmonização tarifária. Era isso que gostaria que o Sr. Secretário de Estado me esclarecesse.

(…)

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. as e Srs. Deputados:

É fácil fazer ironia com o MIBEL… Quando as diplomacias de um dos países precisam de uma cimeira para esconder qualquer facto mais desagradável no plano interno, ou de um evento mediático para mostrar os seus primeiros-ministros, e não sabem o que é que hão-de fazer lá vem uma cimeira ibérica e nova data para o MIBEL… Já vamos em quatro!!

Mas o MIBEL é também o que poderíamos denominar do paradoxo energético português. O MIBEL tem já uma longa prateleira de documentos: um Memorando de Acordo, um protocolo de colaboração, um memorando de entendimento, um Acordo propriamente dito e a Acta da Cimeira de 18 e 19 de Novembro. E, com tanto documento, não existe!!…

Já no sector energético português as negociações e as negociatas, os entendimentos, os acordos e os protocolos a que vimos assistindo existem, mas não têm documentos que os suportem, conforme afirmação do Sr. Ministro da Economia, na passada terça-feira. É tudo «31 de boca»…!

O problema é que o MIBEL não dá vontade de rir aos consumidores domésticos e à grande maioria das empresas portuguesas que já o estão a pagar caro e mais caro o vão pagar, no futuro.

Vendido sob a propaganda de melhores serviços e tarifas mais baixas, o que decorreria da livre escolha por cada consumidor do vendedor de quilowatt, isso é uma fraude política que se procura inculcar na opinião pública, porque o MIBEL é fundamentalmente o «véu» com que se força a liberalização e a privatização dos mercados de energia eléctrica em Portugal e na Espanha.

Estamos já todos a pagar os custos desta forçada liberalização e privatização em curso. Entre outras coisas, são as tarifas que vão aguentar com os custos da extinção dos contratos de aquisição de energia.

São as tarifas que estão e vão aguentar com os custos do funcionamento do Operador. Confirmou, agora, o Sr. Secretário de Estado os 2 milhões de euros fixos, anuais, até ao momento — e, segundo parece, em 2006, esta verba provavelmente triplicará…!

Aí estão os brutais aumentos anunciados pelo Sr. Ministro da Economia na semana passada! Aliviando os consumidores de alta tensão, passa a factura para os consumidores domésticos; aliviando as grandes empresas, agrava novamente a situação das micro e pequenas empresas, que já tinham sido a faixa de consumidores mais penalizada desde 1998.

Tudo isto sem reduzir os diferenciais de 40% a 50% que nos distanciam das tarifas espanholas, o que penaliza fortemente a economia nacional.

Mas que fazer? Para que a EDP, a Iberdrola e outros apresentem vultuosos lucros e façam chorudas distribuições de dividendos alguém tem de pagar.

Outro e não menos importante problema é o da impossibilidade de o MIBEL, pelo menos no quadro dos seus princípios orientadores, se basear na transparência e na livre concorrência. Foi o Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que o veio recentemente dizer face ao domínio monopolista do mercado ibérico por duas empresas que dominam dois terços da produção. O Presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN) também afirmou que o MIBEL não será transparente enquanto não forem eliminadas as assimetrias tarifárias e de regulação com a Espanha.

A estas questões o acordo nada ou quase nada diz. Nada há de concreto sobre a harmonização da regulação para lá da constituição do conselho de reguladores. Não há praticamente nada em relação à harmonização tarifária para lá da vaga fórmula para que tenderá e, passado um ano, as partes desenvolverão um plano que, como o Sr. Secretário de Estado acabou aqui de referir, não tem prazo nem data para ser finalizado.

O pior é que mesmo que se fizesse a harmonização da regulação e das tarifas ela seria completamente subvertida pelo poder da estrutura oligopolista de um mercado onde duas empresas, como já referi, controlam dois terços da produção.

Ora, sobre isto o acordo diz «zero»! E a situação será agravada com a concretização que está em curso, ou seja, a OPA da Gás Natural sobre a Endesa, que poderá produzir o terceiro maior operador a nível mundial e o reforço, com a participação activa do Governo português, das posições da Iberdrola e de outras no sistema eléctrico português, o que também está aceleradamente em curso.

Se o MIBEL for concretizado por uma questão de aparência de mercado, é óbvio que pouca ou nenhuma convergência de regulação de políticas de concorrência e de fixação de tarifas haverá, porque será um jogo completamente viciado à partida. Mas constitui — devemos dizê-lo —um precioso «cavalo de Tróia» para o assalto dos capitais espanhóis ao sector estratégico nacional.