Sessão Comemorativa dos 30 Anos da Constituição - Intervenção de Jerónimo de Sousa
Domingo, 02 Abril 2006

20060302-1pqNa sessão comemorativa dos 30 anos da Constituição da República Portuguesa, no âmbito de um vasto conjunto de iniciativas que o PCP está a promover, o Secretário-Geral do PCP sublinhou que «a elaboração, aprovação e entrada em vigor da Constituição da República é inseparável do processo da Revolução de Abril e da prolongada luta dos trabalhadores e do povo português que de forma plena acolhe no seu seio os valores, conquistas, mudanças e transformações revolucionárias de um tempo de viragem e de ruptura com a ditadura fascista, a opressão e o colonialismo». Jerónimo de Sousa, depois de ter destacado a generosa, empenhada e qualificada contribuição dos comunistas na defesa e na exigência de respeito pelo projecto constitucional, reafirmou a determinação do PCP em defender a Constituição «o seu Estado Democrático e o seu compromisso social com o bem-estar dos trabalhadores e do povo. Compromisso de defesa e realização de um Estado com preocupações e responsabilidades sociais que garanta aos portugueses, independentemente da sua condição social ou económica, o direito ao ensino, à saúde, à justiça e à segurança e protecção social».


Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
na Sessão Comemorativa dos 30 Anos da Constituição da República Portuguesa

  Sessão Comemorativa do 30º aniversário da CRP - Foto1


Decidiu o Partido Comunista Português assinalar, com particular relevo, os 30 anos de vigência da Constituição da República Portuguesa.

 

Fiel ao seu compromisso de sempre de respeitar e defender o texto fundamental da nossa vida democrática, iniciamos, aqui, com esta Sessão Comemorativa, um conjunto de realizações que irão ter lugar um pouco por todo o país e que justamente visam a sua valorização, divulgação e defesa.

A elaboração, aprovação e entrada em vigor da Constituição da República é inseparável do processo da Revolução de Abril e da prolongada luta dos trabalhadores e do povo português que de forma plena acolhe no seu seio os valores, conquistas, mudanças e transformações revolucionárias de um tempo de viragem e de ruptura com a ditadura fascista, a opressão e o colonialismo.

Neste momento que celebramos esse acto fundador e decisivo da democracia portuguesa, permitam-me que daqui preste homenagem aos militares de Abril que devolveram a dignidade, a liberdade e o direito de voto ao povo e aos deputados constituintes que com o seu honroso trabalho lhe deram forma e selaram esse compromisso colectivo com o Portugal livre, democrático, de progresso e independente que a Constituição de 1976 consagrou.

Mas, não há saudação ou homenagem maior que possa ser feita que não seja ao povo português que conquistou e teve o direito ao voto e à palavra, que com a sua luta não escreveu a Constituição mas fez com que fossem inscritos os seus direitos e aspirações democráticas e patrióticas.

Trabalho para o qual o PCP se orgulha de ter dado uma generosa, empenhada e qualificada contribuição e a que se seguiram, nestes últimos trinta anos, árduos combates, não só em sua defesa mas também na exigência do respeito pelas suas normas, valores e projecto e pela sua efectivação.

A Constituição que hoje celebramos teve desde o momento da sua construção inimigos declarados, mas também inimigos dissimulados como se tornou evidente nestes trinta anos que agora fazem da sua vigência.

As forças conservadoras e retrógradas, políticas e sociais, os grandes interesses económicos e financeiros, os grandes senhores da terra, nunca se conformaram com seu projecto libertador e emancipador e viram sempre a Constituição de Abril como um obstáculo à reposição e afirmação dos seus interesses e do seu poder perdido.

A Constituição que hoje celebramos enfrentou, por isso, cíclicas ofensivas que a mutilaram e empobreceram em várias áreas e relevantes aspectos, limitando o seu alcance e conteúdo progressista.

Assim foi nas sucessivas e excessivas revisões constitucionais de que foi alvo, pela iniciativa e acção concertada da direita e do PS, que ora abriam as portas à perversão dos seus princípios, ora legalizavam praticas anticonstitucionais resultantes da actividade dos seus governos.

Ofensiva que amputou a protecção constitucional a grandes transformações sócio-económicas que permitiram a reconstituição dos grandes grupos económicos monopolistas e o seu domínio e que, ao mesmo tempo que fragilizou a possibilidade de desenvolver e afirmar uma democracia económica, passou a condicionar e fazer regredir as outras componentes da democracia, nomeadamente a política e social.

Foi com as alterações produzidas na estrutura socioeconómica e a sua passagem para o controlo e domínio dos grandes grupos económicos e financeiros que vimos inflectir, num sentido antidemocrático, a política social e cultural e o próprio regime político, confirmando o carácter inseparável das quatro vertentes da democracia – a económica, a social, a cultural e a política – e o papel determinante da estrutura socioeconómica na garantia de uma democracia avançada e desenvolvida em todas as suas dimensões.

Trinta anos de continuada ofensiva e acção restauradora dos interesses e privilégios do grande capital monopolista que não conseguiu, contudo, apagar o projecto de democracia avançada que a Constituição da República projecta para o futuro de Portugal.

Apesar da gravidade das mutilações e das perversões realizadas, a Constituição da República transporta, em termos globais, os valores de liberdade, democracia, desenvolvimento, justiça social e independência nacional que consubstancia o projecto transformador e de modernidade da Revolução de Abril.

Na verdade, a Constituição da República continua a ser uma Constituição das mais progressistas da Europa, garante de importantes direitos políticos, económicos sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.

Nela se inscrevem os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à democracia, desde os direitos sindicais aos direitos laborais e à justiça, à segurança no emprego, a uma redistribuição mais justa da riqueza com a efectivação do direito a salários mais justos, a horários de trabalho mais dignos.

Nela se expressa o direito ao trabalho para todos e execução de políticas económicas de pleno emprego.
Nela se reconhece às mulheres o direito à igualdade no trabalho, na família e na sociedade e importantes direitos às crianças, aos jovens, aos reformados e aos cidadãos com deficiência.

Nela se proclama a exigência da subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência ao Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional.

Nela estão consignadas as obrigações do Estado em relação a domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da segurança social.

Nela se estipulam os justos princípios que devem nortear as relações internacionais e pelas quais Portugal se deve reger – os princípios da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o desarmamento e a dissolução dos blocos militares.

Ela tem sido, apesar das mutilações de sucessivas revisões, um instrumento importante, adequado e ajustado ao normal funcionamento das instituições democráticas e um suporte que reforça a legitimidade da luta, dos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor, num Portugal mais fraterno e solidário, mais livre e mais democrático.


É, por isso, que assistimos ainda hoje a uma insidiosa campanha ideológica promovida pelos mesmos que desde sempre se lhe opuseram e que há muito preparam o terreno para um ajuste de contas com o que resta de progressivo e avançado na Constituição da República.


Do conclave do Beato, essa magna reunião de representantes do grande capital económico e da alta finança que actualizou o seu vasto caderno reivindicativo contra Abril os trabalhadores e os seus direitos e recentrou na Constituição da República a causa dos males do país, à direita política de vários matizes que lhe vem dando voz, preparando e animando, em diversas frentes, o esvaziamento do Estado Democrático e Social, a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, os serviços públicos essenciais ao bem-estar das populações e o próprio sistema político.


Os meses que antecederam a recente campanha eleitoral para a Presidência da República evidenciaram não só um latente propósito de subversão da Constituição, mas também explícitos e reais objectivos de certos sectores da direita conservadora e revanchista que não se confinavam à proclamação de uma mais profunda revisão da actual Constituição mas à exigência da elaboração de uma nova Constituição.

A direita política e dos interesses quer uma Constituição nova, sem garantias e sem direitos para quem trabalha.

A direita política e dos interesses quer uma Constituição nova de velhos valores para impor uma democracia mutilada nas liberdades, direitos e garantias do povo.

Querem o Estado de Abril despojado das suas funções sociais que garantem a concretização do direito à saúde, ao ensino, à segurança social ao povo português ou a existência de direitos laborais aos trabalhadores.

E, se alguns fazem agora um compasso de espera nessa pérfida campanha contra a Constituição de Abril, na expectativa que a anunciada “cooperação estratégica” lhes franqueie, pela prática da intervenção institucional, as portas aos seus objectivos de subversão do projecto democrático de Abril, outros persistem em responsabilizar a Lei fundamental do país de todos os males que atravessam a sociedade portuguesa.

Uns e outros descarregam para cima da Constituição anos de governação dos seus próprios governos, cujas orientações e políticas são a verdadeira causa da crise e das dificuldades do país e dos portugueses.

Não é a Constituição da República que impõe uma desastrosa política económica centrada no combate ao défice das contas públicas e de submissão aos ditames do Pacto de Estabilidade e Crescimento que tem destruído e arruinado os sectores produtivos nacionais.

Não é a Constituição da República que determina a obrigação de levar por diante o esbanjamento dos bens públicos, essa vergonhosa operação de rapina que são as privatizações. Esse instrumento central da política de direita de recuperação e concentração capitalista que apenas agudiza a crise estrutural que o país enfrenta e fragiliza a capacidade de resposta do país no combate à crise.

Não é a Constituição da República, mesmo revista, que impõe a transformação das funções sociais do Estado de Abril num negócio e instrumento de exploração de uns poucos.

Não é a Constituição da República, nem nenhuma das suas revisões que vinculam Portugal à aceitação submissa de uma integração europeia marcada por uma orientação federalista, neo-liberal e militarista que acentuam o carácter periférico e dependente do nosso país.

Foram os governos do PS e do PSD que o têm decidido e assim o querem.

Tal como não é Constituição da República que determina a necessidade de alterar as leis eleitorais, que mais uma vez visam por em causa a proporcionalidade da representação política, e retirar capacidade de formação de verdadeiras alternativas institucionais na base do actual sistema partidário.

Tal como no passado o fizeram com o calculado artifício da redução do número de deputados para acentuar o reforço artificial da bipolarização partidária, as suas actuais e novas propostas da dita reforma do sistema político, mais não visam que promover um mais substancial desvirtuamento da proporcionalidade de forma a garantirem maiorias eleitorais com menos votos.

São as suas decisões, as suas políticas e orientações que são a causa das crescentes dificuldades e da degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

São as suas opções de total e completa subversão dos objectivos e princípios da Constituição da República e da desvalorização dos seus instrumentos de intervenção que estão na origem do nosso preocupante atraso, a estagnação e a regressão social.

É a sua política de subordinação aos interesses dos grandes grupos económicos que tem levado a uma escandalosa acumulação de capitais e de centralização da riqueza nas mãos de uma minoria que têm hoje o domínio dos instrumentos essenciais de exploração dos trabalhadores e do povo e dos diversos sectores da economia nacional.

Políticas que colocaram o país na dependência dos grandes grupos económicos e financeiros que escandalosamente concentram nas suas mãos os resultados do trabalho de todo um país, acentuaram as desigualdades sociais e regionais e que têm conduzido ao estrangulamento de milhares de micro, pequenas e médias empresas.

Políticas que o actual governo do PS retoma com a entrega de novas e importantes fatias de capital de empresas estratégicas essenciais à promoção de uma política de desenvolvimento nacional.

É esta prática continuada de décadas à revelia da Constituição da República, que está ainda em curso e que tem no actual governo um preocupante exemplo nas suas políticas de saúde com as medidas já em curso de privatização dos centros de saúde, de concentração de serviços e meios, uma inaceitável machadada no direito constitucional à saúde de todos os portugueses a que se juntou o recente e inadmissível anúncio do Ministro da Saúde do fim do carácter tendencialmente gratuito do Serviço Nacional de Saúde.

A ofensiva de subversão do projecto constitucional tem outros declarados inimigos e instrumentos de perversão, pela mão dos mesmos agentes que persistem na subalternização do direito constitucional português e da Constituição Portuguesa a uma “Constituição Europeia” neo-liberal e federalista que a todo o custo tentam ressuscitar.

Neste momento de celebração da Constituição da República, aqui renovamos o nosso compromisso com o imperativo constitucional de realizar em Portugal uma democracia política, económica, social e cultural, reafirmando a sua actualidade e necessidade para o desenvolvimento e modernização da sociedade portuguesa.

Neste momento de comemoração da Constituição da República mais uma vez declaramos o nosso empenhamento no aprofundamento da democracia e da valorização das suas diversas dimensões, em particular a dimensão participativa tão golpeada nos últimos tempos.

Neste momento de homenagem à Constituição da República reafirmamos a nossa firme e inabalável determinação de defender o seu Estado Democrático e o seu compromisso social com o bem-estar dos trabalhadores e do povo. Compromisso de defesa e realização de um Estado com preocupações e responsabilidades sociais que garanta aos portugueses, independentemente da sua condição social ou económica, o direito ao ensino, à saúde, à justiça e à segurança e protecção social.

Estado que combata as discriminações e afirme os direitos das mulheres e sua participação em igualdade.

Estado que deve estar ao serviço do desenvolvimento harmonioso do país e de uma economia nacional virada para satisfação das necessidades do povo.

Neste momento em que prestamos o nosso tributo à Constituição da República, valorizamos mais uma vez a sua clara opção de garantir e assumir a defesa dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, nomeadamente o direito ao emprego, a um salário e uma reforma dignas, à contratação colectiva e ao trabalho com direitos.

Neste momento de consagração da Constituição da República, renovamos os nossos propósitos de luta por uma nova uma nova orientação na construção da integração europeia baseada em países soberanos e iguais e uma nova ordem mundial assente na paz e na cooperação entre os povos tal como a nossa Constituição estabelece.

A sua importância para a construção de um Portugal com futuro, livre e democrático e a sua estreita identificação com as mais profundas aspirações dos trabalhadores e do povo português são a garantia que a sua defesa há-de ser sempre obra do povo que a inspirou e construí com a sua luta nesse processo exaltante de liberdade e de transformação da vida que brotou da Revolução de Abril.

 

Sessão Comemorativa do 30º aniversário da CRP - Foto2

 


 
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