Partido Comunista Português
Estatuto dos dirigentes associativos das associações profissionais de militares das Forças Armadas - Intervenção de António Filipe na AR
Sexta, 07 Dezembro 2007

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 295/2007, de 22 de Agosto, que define o estatuto dos dirigentes associativos das associações profissionais de militares das Forças Armadas

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Srs. Deputados:

O PCP requereu a apreciação parlamentar (nº 51/X) do decreto-lei relativo ao estatuto dos dirigentes associativos militares.

Começo por dizer que este decreto-lei veio numa altura em que, de uma forma inédita, se acentuou a repressão, por via disciplinar, dos dirigentes associativos militares, através de procedimentos absolutamente inadmissíveis, como seja fotografar os militares que, com as suas famílias, participavam numa acção cívica, na Baixa lisboeta - e, até hoje e apesar de todos os pedidos de esclarecimento, o Ministério da Defesa ainda não esclareceu cabalmente a quem mandou fazer esse serviço!

Selectivamente, a conta-gotas, foram sendo instaurados processos disciplinares a largas dezenas de dirigentes associativos militares e, inclusivamente, foram aplicadas sanções privativas da liberdade, tendo o Governo legislado por forma a impedir os tribunais administrativos de se pronunciarem em tempo útil sobre tais medidas.

Chegámos ao ponto de haver unidades militares que elaboram regulamentos para as visitas aos militares que se encontram detidos nas suas instalações a cumprir penas disciplinares, impedindo os respectivos familiares de se solidarizarem com eles. Isto é absolutamente escandaloso e tem de ser denunciado.

Este decreto-lei, que o Governo fez aprovar, sobre o estatuto dos dirigentes associativos militares tem um claro intuito persecutório.

Lendo o seu preâmbulo, verifica-se que a intenção do Governo não foi a de regular, como era seu dever, o estatuto destes dirigentes associativos mas, sim, condicionar o mais possível a actividade associativa dos militares.

Todo o preâmbulo deste decreto-lei só fala em restrições, não fala no estatuto, fala em limitações, em restrições, e, portanto, tem um vezo claramente restritivo, limitador do direito de associação dos militares.

Por isso mesmo, este decreto-lei é manifestamente inconstitucional. E porquê? Porque as restrições aos direitos dos militares estão previstas no artigo 270.º da Constituição. Nos termos do artigo 164.º da Constituição, esta matéria constitui reserva absoluta de competência da Assembleia da República, isto é, só a Assembleia da República pode legislar em matéria de restrições aos direitos dos militares.

Mais: a legislação restritiva dos direitos dos militares tem de ser aprovada nesta Assembleia por maioria qualificada de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

Ora, o que a lei orgânica de 2001 incumbe o Governo é de regular o estatuto do dirigente associativo, desde que isso não implique limitações que não estejam previstas pela lei, isto é, só a Lei Orgânica n.º 3/2001 é que estabeleceu as restrições. Estabelecidas essas restrições, o Governo não pode estabelecer outras

O que este diploma fez foi, exactamente, estabelecer um conjunto de restrições que não estavam previstas na lei e que, portanto, não podem ser reguladas por decreto-lei. Assim, do nosso ponto de vista, este decreto-lei é grosseiramente inconstitucional, sofre de uma inconstitucionalidade formal insanável.

Queremos deixar isso bem claro. Daí que a nossa opção, em sede de apreciação parlamentar, tenha sido a de apresentar um projecto de resolução para a cessação de vigência deste decreto-lei, por entendermos ser esta a única forma de sanar o vício de que o diploma enferma desde a sua nascença. Posto isto, também queremos pronunciar-nos sobre alguns aspectos relativos ao conteúdo do diploma porque, de facto, estabelece restrições que não estão previstas.

O artigo 4.º deste decreto-lei estabelece um conjunto de incompatibilidades com o exercício de actividades associativas pelos detentores de diversos cargos ou funções. Não sabemos qual é a cobertura legal para este quadro de incompatibilidades.

Se se pretendia estabelecer incompatibilidades, teria de ser a lei orgânica a fazê-lo. Não é o Governo que pode decidir, de forma avulsa, quais as funções militares que são incompatíveis com a qualidade de dirigente associativo. Isto não significa que, em abstracto, o legislador não possa estabelecer incompatibilidades, mas tem de ser a Assembleia da República a estabelecê-las e não o Governo. Em todo o caso, entendemos que as incompatibilidades que o Governo pretende estabelecer são extraordinariamente restritivas e impedem um conjunto muito significativo de militares de serem dirigentes associativos, o que não faz sentido nenhum. Isto é, o Governo pretende ser ele próprio a definir quem pode e não pode ser dirigente associativo militar.

Por outro lado, o artigo 5.º deste diploma estabelece um conjunto de deveres que também não estão previstos na lei em sítio algum e que, portanto, não podem ser estabelecidos por decreto-lei. Para além disso, o regime de dispensas para participação em reuniões associativas é extraordinário, na medida em que, na prática, faz depender do consentimento das chefias militares toda e qualquer actividade associativa. Isto é, chegamos ao ponto de, se a Comissão de Defesa Nacional conceder uma audiência a associações militares ou solicitar a sua comparência nesta Assembleia para emitirem opinião, designadamente sobre um processo legislativo, aquelas têm de pedir autorização às respectivas chefias militares e têm de fazê-lo com enorme antecedência, provavelmente com maior antecedência do que o prazo de marcação da audiência estabelecido pela Comissão.

Ou seja, têm de pedir autorização com muita antecedência e têm de dizer às chefias militares ao que vêm!

É absolutamente espantoso como é que o Governo pode arrogar-se o direito de condicionar a autorização superior praticamente toda a actividade associativa. Efectivamente, trata-se de limitar, de uma forma insuportável, o núcleo essencial do direito de associação dos militares. Portanto, estamos perante um decreto-lei através do qual o Governo pretende, no fundamental, liquidar o direito de associação dos militares.

Ora, isto contraria frontalmente o espírito da Lei n.º 3/2001. Tratava-se de regular o direito de associação, de reconhecer o papel importante que as associações representativas dos militares desempenham enquanto parceiros num dos órgãos de soberania no debate sobre as questões essenciais relativas à condição militar e às próprias forças armadas. Mas o que é que o Governo está a fazer?

Em vez de assumir esse espírito e reconhecer esse papel importante, o Governo está a desempenhar uma função de repressão contra as associações militares para que elas sejam impedidas de emitir a opinião dos seus associados.

Gostaria de anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, como já referi, um projecto de resolução para a cessação de vigência deste decreto-lei e apresentou também um projecto de lei, que acabámos de entregar na Mesa, que visa regular o estatuto dos dirigentes associativos militares, que corresponde ao que consideramos ser essencial e que entendemos deve ser arrolado. Direi mais: este projecto de lei assume também algum trabalho feito em governos anteriores relativamente a esta matéria, porque houve diplomas em discussão pública que nunca chegaram a ser apresentados, mas que consideramos que têm ideias mais pertinentes do que aquelas que constam agora do Decreto-Lei. Ora, nós entendemos que esse trabalho deveria ser aproveitado, pelo que decidimos incorporar a nossa própria contribuição num trabalho que já vinha sendo feito.

Portanto, parece-nos que o Decreto-Lei do actual Governo é um «parêntesis» infeliz na regulação que deve ser feita do estatuto dos dirigentes associativos. Entendemos que deve ser retomada uma reflexão que já existiu sobre esta matéria, incorporando-a com novas contribuições e novas reflexões, para que a Assembleia da República chame a si a responsabilidade de dotar as associações militares com um estatuto para os seus dirigentes que seja compatível com a dignidade que lhes deve ser reconhecida.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Nesta intervenção, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares delirou.

Manifestamente delirou. Porque o espírito do PCP é o da Lei Orgânica n.º 3/2001, única e simplesmente.

Espero que a sua afirmação sobre o Arsenal do Alfeite não signifique que o Governo quer desmantelá-lo.

Esperemos que não seja, porque o Governo assumiu compromissos sobre o Arsenal do Alfeite e tem de cumprir. E, devo dizer, esse seu desdém relativamente ao Arsenal do Alfeite é muito preocupante.

Sr. Ministro, por falar em delírio, tenho comigo um regulamento de uma unidade militar relativo às visitas aos detidos em prisões disciplinares, que diz coisas como esta, que passo a ler: «As visitas e o visitado deverão ser informados que não poderão ser utilizadas as visitas para qualquer outro fim para além daquele que decorre do relacionamento pessoal existente entre os intervenientes, não podendo, portanto, ser utilizadas para manifestação de solidariedade e apoio a atitudes, nomeadamente aquelas que estão relacionadas com a razão da detenção do militar».

«Qualquer situação que indicie, de forma evidente, que a visita está a ser abusivamente utilizada para fins distintos deverá ser prontamente suspensa e reportada superiormente de forma a serem tomadas as acções tidas por adequadas».

É isto que os senhores querem fazer nas Forças Armadas! Os senhores acusam-nos que querermos fazer não sei o quê relativamente às Forças Armadas, mas os senhores estão a aprisioná-las, o que é absolutamente intolerável num Estado de direito democrático! Portanto, se alguém aqui está a delirar não é o PCP!