Partido Comunista Português
Política de segurança social - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR
Quinta, 27 Abril 2006
Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre política de segurança social

 

 

Sr. Presidente,  

Começo precisamente por V. Ex.ª colocando-lhe  uma questão dilemática, que é a de que, tendo em conta as vantagens que este modelo oferece ao Governo de ser sempre o último a responder, admito que, com mais 13 minutos para além do tempo regimental atribuído, fico condicionado entre respeitar o tempo regimental acordado e, simultaneamente, não se criar aqui a primeira discriminação entre o Governo e os partidos da oposição. 

É importante fazer o registo, Sr. Presidente, porque se não há uns «mais iguais que outros»… Nesse sentido, creio que vale a pena o reparo.

 

(…)

 

Indo à questão, Sr. Primeiro-Ministro, começo por uma nota que é importante sublinhar: na sua intervenção e na sua fundamentação quanto às medidas  apresentadas, veio dar razão ao alarmismo do Sr. Ministro das Finanças e calar a posição cautelar e moderada do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, articularmente em relação à questão da aplicação das normas das medidas quanto ao cálculo das pensões. Nós somos daqueles que recusamos ficar perante um estado de necessidade em que cada passo dado  justifica sempre o passo seguinte. E é importante que sublinhe com força que, na sua intervenção, aquilo que os portugueses podem esperar, no plano da segurança social de acordo com aquilo que o Governo do Partido Socialista está a propor (com a alteração da forma de cálculo), são pensões mais baixas, é esta ideia de que se quiserem umas reformas mais decentes, mais dignas têm de prolongar o tempo de trabalho para além dos 65 anos — deixa-lhes esta «liberdade» de opção desde que aceitem esta «oferta» inaceitável do Governo do PS —, e de que a inflação vai consumir e «comer» os futuros aumentos das reformas. Ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro vem aqui propor menos direitos para os trabalhadores e para os futuros reformados!! Se não for assim, diga qual é a medida positiva. Disse que é para salvar o sistema, o Estado social, mas o problema é que é sempre, mas sempre, a carregar naqueles que têm sido sacrificados com as políticas de sucessivos governos! Do que nos traz aqui, podemos concluir, com uma incontornável clareza, que o Governo do PS assume com naturalidade a redução dos níveis de protecção social, apesar de eles serem, como se sabe, dos mais baixos da União Europeia. 

O Governo do PS veio aqui dizer que já «arrumou na gaveta» a Lei de Bases da Segurança Social, aprovada em 2000, que revoga e renega medidas do governo de Guterres — onde o senhor participou…! — e passa a ser, por vezes «mais papista do que o Papa», um fiel executor da Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela maioria PSD/CDS-PP. Vê, Sr. Primeiro-Ministro, a razão das dificuldades e das omissões daquela bancada e do Sr. Deputado Marques Mendes?... É que não têm alternativa! É porque, no fundo, os senhores querem levar por diante a Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela direita! Esta é a contradição que aqui está estabelecida! O Governo recusa as nossas propostas que visam a diversificação das fontes de financiamento da segurança social — nem uma palavra ouvimos aqui da sua parte em relação a essas fontes de financiamento — através da criação de uma nova forma de contribuição para as empresas em função da riqueza produzida ou as que apontavam para o reforço dos meios afectos ao combate à evasão e à fraude no pagamento das contribuições da segurança social. Creio que estas são questões concretas. Pode não estar de acordo com estas propostas, mas esta deveria ser uma linha de salvaguarda da segurança social. Estamos profundamente preocupados porque a sua concepção, alimentada e embevecida pelos conceitos neoliberais, hoje, tal como assistimos na Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril, defende algumas ideias peregrinas de que o Estado tem de alterar a sua concepção. Um Estado que deve consagrar e salvaguardar direitos deve passar a ser um Estado mínimo, um Estado que garanta uma concepção assistencialista caritativa. Sr. Primeiro-Ministro, depois de tantos anúncios, de tantas medidas, de tantos decretos, de tanta propaganda feita daquela tribuna, aqui, nesta Assembleia da República, em reuniões de Conselhos de Ministros, passado este tempo, já pensou, ao menos uma vez, por que razão o País está pior, a economia está com mais dificuldades, a pobreza tem aumentado, a exclusão social aumentou, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres hoje é cada vez maior? Já reflectiu, Sr. Primeiro-Ministro, por que razão isto acontece? É por fatalismo? É por qualquer má sorte dos portugueses? Não será antes porque o seu Governo, em vez de provocar uma ruptura com a política seguida pelo governo anterior, está a demonstrar, também aqui na segurança social, uma política errada de continuidade? 

Deixo-lhe este desafio, Sr. Primeiro-Ministro: mude de rumo, mude de política. Não veja sempre um sacrifício para os mesmos. Não fique encantado perante esses nababos e perante a acumulação de fortunas imensas, de lucros fabulosos — que, com certeza, estão a aplaudir a sua declaração de «contar com a sociedade civil»...

 Sr. Primeiro-Ministro, faça uma política conforme a Constituição aponta; pense nos que menos têm e menos podem, pense nos trabalhadores e, certamente, o seu êxito será garantido. Assim será o caminho do seu fracasso!   (…)  Sr. Presidente, desta vez numa pergunta mais curta, gostaria de fazer uma referência aos jovens.  De facto, o Sr. Primeiro-Ministro falou muito dos jovens e das preocupações que tem em relação ao futuro dos jovens com direito à segurança social, mas a verdade é que a primeira preocupação que os jovens hoje têm é a de conseguir evitar o desemprego e os vínculos precários, condições básicas fundamentais para terem direito à segurança social. Não venha, portanto, falar dos jovens, porque os problemas deles — que também estão, obviamente, relacionados com a segurança social — passam, primeiro, pelo direito ao emprego e pelo direito à segurança no emprego. Em relação à questão da salvação do sistema, o Sr. Primeiro-Ministro acabou por dizer — «sublinhado» que penso ser importante — que não tem a visão do caminho único e que pode haver outras propostas, mas há aqui uma contradição que temos de esclarecer. Digo-o porque aquilo que o senhor aqui vem propor não são formas de diversificação do financiamento mas, sim, formas de diversificação do pagamento pelos mesmos do costume, que são os trabalhadores e os reformados. Nesse sentido, há um desacordo da nossa parte. Por que é que hão-de ser sempre os mesmos a pagar? O Sr. Primeiro-Ministro quer uma proposta concreta em relação à taxa sobre as operações especulativas? O senhor não se escandaliza com estes relatórios permanentes e estes balanços trimestrais, segundo os quais esta gente, estes banqueiros e donos de grupos económicos, nunca ganhou tanto dinheiro como agora? Não lhe parece justo que haja uma taxa para procurar as tais fontes de diversificação de financiamento? Não! Para si, Sr. Primeiro-Ministro, esses são intocáveis, beneficiados por mordomias e privilégios resultantes das privatizações, da injustiça fiscal e, enfim, das medidas em que o próprio Governo tem responsabilidade. Vamos, então, à discussão, façamos este exercício e, com certeza, acabaremos por encontrar o tal caminho da esquerda. Na verdade, penso que este debate é importante, porque o que sempre separou a esquerda da direita foram as grandes questões sociais. Ora, este Partido Socialista corre o risco de ser confundido com a direita, porque nem sequer tem já essa consciência social ou é mesmo capaz de corresponder a um património de intervenção e de luta em relação aos direitos sociais.  Esta é uma preocupação que tenho. Repare que não estou a criticá-lo pessoalmente e que, pessoalmente, não tenho nada contra si. A realidade é que estes cortes sociais que existem podem corresponder, no futuro, a cortes na democracia e esta é a nossa preocupação.