Partido Comunista Português
Autoridades Metropolitanas de Transportes
Sexta, 18 Julho 2008
rossio.jpgNestas discussões sobre políticas de transportes, a senhora costuma dizer muitas vezes que "quem paga manda". E é com essa palavra de ordem que nos apresenta esta proposta de lei, que é um caso flagrante de governamentalização que nos merece as maiores críticas  

Autoridades Metropolitanas de Transportes
Intervenção de Bruno Dias na AR

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhora Secretária de Estado dos Transportes,

Nestas discussões sobre políticas de transportes, a senhora costuma dizer muitas vezes que "quem paga manda". E é com essa palavra de ordem que nos apresenta esta proposta de lei (proposta de Lei n.º 214/X), que é um caso flagrante de governamentalização que nos merece as maiores críticas.

Primeiro, o Governo quer garantir que os seus próprios representantes têm a maioria absoluta nos órgãos directivos destas Autoridades. Só escapa o Conselho Consultivo, que reúne uma vez por ano!

Depois, querem que o Governo decida e aprove Planos Operacionais de Transportes e de Deslocações Urbanas - e despacham isto de tal maneira que dão um prazo de três anos para que em função disso se alterem Planos Directores Municipais, Planos Regionais de Ordenamento do Território e o mais que for preciso! O Governo determina e manda publicar, e as competências do Poder Local vão para a gaveta, porque "quem paga manda".

Senhora Secretária de Estado, não considera que com opções destas também está em causa uma preocupante concepção de funcionamento da democracia - e que também aqui está a diferença entre política de esquerda e de direita?

E Senhora Secretária de Estado, o que é espantoso é que os senhores com esta proposta  vão mais longe do que nunca com aquilo que nós chamamos de "centralização do poder e descentralização da factura".

As verbas do Orçamento do Estado para este sector inicialmente mantêm-se [Artigo 22.º da proposta de lei]. Depois, as contribuições do Estado para o financiamento do sistema de transportes são «gradualmente reduzidas em função de ganhos de eficiência e da diversificação das fontes de financiamento» [Artigo 24.º da proposta de lei].

Vai-se passando a factura para os municípios (que o Governo já hoje submete a uma verdadeira asfixia financeira) e para as áreas metropolitanas - inclusive com uma tal de "taxa metropolitana de mobilidade", que várias vezes se refere mas que em lado nenhum se define!

Senhora Secretária de Estado, afinal que taxa vem a ser esta? É mais um imposto que o Governo vai criar? São novas portagens que querem introduzir?

E, mesmo à luz desse notável princípio democrático de que "quem paga manda", como é que explica esta proposta de lei em que o poder central paga cada vez menos e manda cada vez mais?

Disse.

(...)

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

Costuma-se dizer que a pressa é má conselheira. E de facto, o país já tem tido (infelizmente!) exemplos bastantes de diplomas do Governo que, de tão insensatos e mal preparados, só com muita pressa se compreende que tenham sido feitos.

Ora, com o passar dos anos em que esta aberrante legislação actual sobre as Autoridades Metropolitanas de Transportes se foi mantendo em vigor, com toda esta demora para que o Governo apresentasse a sua proposta, por várias ocasiões suscitámos a necessidade de se encontrar uma solução de uma vez por todas.

E quando há quase dois anos (!) o Grupo Parlamentar do PCP apresentou este mesmo projecto de lei que agora volta a estar em apreciação (projecto de Lei n.º 555/X), da parte do PS veio o argumento que a legislação já se encontrava em reformulação pelo Governo, que o próprio Ministro, meses antes, tinha dado essa resposta ao PS.

Com os municípios e as estruturas metropolitanas a alertar o Governo, com as recomendações apresentadas, com as propostas concretas (designadamente as do PCP), chegamos finalmente a este ponto com uma proposta de lei do Governo - mas uma proposta que vem consagrar opções profundamente erradas e injustas para os transportes públicos e a mobilidade nas áreas metropolitanas.

Já aqui abordámos a linha de governamentalização que este Governo insiste em manter na legislação das AMT - aliás, prosseguindo o que fez o anterior Governo PSD/CDS-PP. O Governo define as AMT como pessoas colectivas de direito público (tal como defendemos desde o início), mas o problema está no domínio dos seus órgãos pelo poder central.

E a proposta do Governo nesta matéria tem normas que chegam a ser insólitas. Dois exemplos.

O Conselho Geral é o órgão deliberativo da AMT, e é presidido por um dos representantes dos municípios. Mas como o Governo tem ali a maioria absoluta, até pode escolher qual o município que preside, seja qual for a vontade dos autarcas. [Artigo 13.º]

Os Planos de Deslocações Urbanas, que já há pouco mencionámos: o Conselho Geral (onde o Governo tem a maioria absoluta) aprova a proposta de plano, que é depois submetida à aprovação... do Governo! [Artigos 9.º, 10.º e 14.º]

Depois de todos os discursos do PS sobre a "responsabilidade partilhada" entre poder central e poder local nas AMT, não é preciso dizer mais nada...

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

O projecto-lei do PCP corresponde a uma estratégia substancialmente diferente, na justa medida em que não abandona a indispensável perspectiva da Regionalização - consagrada na Constituição da República - com a concretização de verdadeiras autarquias metropolitanas. E esta é uma questão incontornável, que o PS continua a deixar na gaveta.

Não havendo autarquias metropolitanas nas circunstâncias actuais, há que avançar para modelos institucionais com a efectiva participação das autarquias, sem essa chantagem do "quem paga manda" - porque os municípios e os munícipes já pagam muito!

E o direito das populações à mobilidade, a promoção do transporte público e do seu papel social, económico e ambiental, tudo isto exige que se assuma plenamente uma filosofia de serviço público, financiamento público e sector público de transportes. É isto que defendemos com o nosso projecto-lei, ao contrário da proposta do Governo (aliás, ao contrário de toda a política do Governo).

As pessoas que utilizam os transportes públicos já conhecem muito bem o resultado concreto das privatizações neste sector. Quando a Sra. Secretária de Estado diz que «a sociedade já resolveu este problema», nós dizemos que este problema está longe de ser resolvido. Este problema é provocado pelos sucessivos Governos e sentido na pele pelas populações!

E não vale a pena assobiar para o ar. Estas orientações da União Europeia - entusiasticamente seguidas pelo Governo - no sentido da "contratualização do transporte público" são nas circunstâncias actuais uma forma de abrir e apontar caminho à entrega aos privados do que resta no sector público. E o que resta tem muita importância! São os STCP, é a Carris, é a CP, é a Transtejo, é o Metro. Empresas e serviços fundamentais para a vida de milhões de pessoas, e cujo carácter público tem de ser defendido.

É esta ao fim e ao cabo a diferença essencial entre as propostas do PCP e as do Governo: o nosso projecto-lei não perde de vista o horizonte das autarquias metropolitanas, e entretanto promove a participação efectiva do poder local, dos trabalhadores e utentes do transporte público; o vínculo público e com direitos para os trabalhadores das AMT; o financiamento público e a defesa do serviço público.

A proposta do Governo representa mais um passo atrás em todos estes domínios. Mas fica demonstrado que há alternativas e propostas concretas e, fosse outra a vontade política do PS, não estaríamos condenados a este mau caminho.

Disse.