Partido Comunista Português
Intervenção de Miguel Tiago na AR
PCP defende a valorização do Estatuto dos Bolseiros de Investigação
Quinta, 08 Abril 2010
Foram hoje discutidos na Assembleia da República os Projectos de Lei apresentados pelo PCP, sobre o Estatuto e condições de trabalho dos bolseiros de investigação científica. Deste debate resultou que, mais uma vez, o voto contra do PS e a abstenção do PSD e CDS-PP, mantêm a actual política de desvalorização da mão de obra que representam os actuais bolseiros.

 



O Grupo Parlamentar do Partido Comunista português agendou dois Projectos de Lei com incidência sobre o conjunto do Sistema Científico e Técnico Nacional, em particular sobre o estatuto e condições de trabalho dos bolseiros de investigação científica. Projecto de Lei 41/XI e Projecto de Lei 42/XI.

O debate parlamentar convocou as diferentes forças políticas a pronunciarem-se sobre a matéria e, da parte do PCP, julgamos importante clarificar um conjunto de aspectos que resultam desse debate. Enquanto o PSD mantém uma postura de pseudo-abstenção, o PS assumiu uma posição frontalmente contra as propostas do PCP. É grave que o PS, suportando o governo como lhe compete, continue a defender uma política de desvalorização da mão-de-obra que representam os actuais bolseiros. Mas é igualmente grave que o PSD se abstenha neste processo, sabendo antecipadamente que essa abstenção significa a rejeição das propostas.

É também o momento para reafirmar as maiores preocupações do PCP em torno da política de C&T do actual governo. Foi o próprio Ministro Mariano Gago que, durante o dia 6 de Abril afirmou em plena Comissão de Educação que as bolsas de pós-doc vão ser praticamente eliminadas. Quando confrontado pelo PCP sobre o futuro desses actuais bolseiros, Mariano Gago foi peremptório quando disse que terão à sua disposição os concursos que abrirão para os quadros de docência dos politécnicos. Com isto, o Ministério e o Governo visam essencialmente dois objectivos:

i.Responsabilizar a Assembleia da República pela não abertura de concursos para docentes nos politécnicos, determinada pelas alterações que a Assembleia da República introduziu no Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico, assim alijando as suas próprias responsabilidades.
ii.Ludibriar os actuais bolseiros pos-doc, criando junto deles a ilusão de que o fim das bolsas poderia ser compensado por concursos para ingresso nos politécnicos como docentes.

Curiosamente, nunca o Ministro tinha afirmado tal coisa durante a negociação da carreira do docente politécnico, o que facilmente se compreende porque estaria a assumir que estava a “piscar o olho” aos bolseiros doutorados com os lugares actualmente preenchidos por esses docentes.

Da parte do PCP, mantemos a firme convicção de que os quadros dos institutos politécnicos devem ser qualificados e reforçados, mas não à custa da expulsão dos actuais docentes. Da mesma forma, entendemos que os actuais bolseiros devem ver a sua situação laboral reconhecida, como docentes, técnicos ou investigadores, ingressando nas respectivas carreiras após um período de formação de acordo com o que estabelece o Projecto de Lei do PCP.

É lamentável que o Governo continue a executar uma política de desvalorização dos recursos mais qualificados de que o país dispõe, assim atacando a estrutura científica, promovendo apenas pequenos nichos de investigação, enquanto desmantela o sistema enquanto pilar fundamental da soberania nacional. É urgente uma política de recrutamento e valorização de mão-de-obra técnica e de investigação que se centre também no respeito pelos direitos de quem produz e difunde conhecimento em Portugal.

O PCP manterá a sua persistência no que toca à defesa dos interesses dos actuais bolseiros porque eles são coincidentes com a defesa de uma política de desenvolvimento nacional. O PCP reafirma a sua solidariedade com a justa luta dos bolseiros de investigação científica pelo reconhecimento do seu trabalho.

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Actualização extraordinária das bolsas de investigação. Primeira alteração à Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto (Estatuto do Bolseiro de Investigação)
Estatuto do Pessoal de Investigação Científica em formação
(projectos de lei n.ºs 41/XI/1.ª e 42/XI/1.ª) Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dificilmente, nos 4 minutos de que dispomos, conseguirei fazer uma apresentação profunda dos projectos de lei do PCP, sendo também difícil descrever a situação das pessoas que vivem na situação que é o motivo da apresentação destes projectos de lei do PCP. Trata-se de pessoas que trabalham no sistema científico e técnico nacional e que são, muito provavelmente, o topo de gama da mão-de-obra qualificada nacional e que não sabem se amanhã terão as condições de trabalho que têm hoje. Têm um regime precário de prestação de trabalho que não é tido como tal, sem protecção na doença, sem subsídio de desemprego, sem direito a férias pagas, sem direitos de maternidade e paternidade, com remunerações que não são actualizadas há quase uma década e que, por isso mesmo, desvalorizam o seu trabalho. Esta é uma primeira nota que gostávamos de deixar aqui no Plenário. Para o PCP, não é possível — e isso desmonta bem a propaganda do Governo — fingir que se aposta na ciência enquanto se desvalorizam aqueles que nela trabalham e que, de facto, produzem a ciência e o conhecimento em Portugal. É uma falácia julgar que é possível, de forma supra-estrutural, investir na ciência enquanto se continua, sistematicamente, a atacar os direitos mais elementares dos seus trabalhadores. São cerca de 17 000 aqueles que hoje prestam trabalho científico em Portugal e, um pouco à semelhança do que se faz por todo o País, com recurso abusivo aos recibos verdes, também neste caso se dá cobertura a trabalho que é prestado e que reverte para o Estado e para outras instituições mas que não tem por base um contrato laboral, um vínculo. Aquilo que o Governo afirma, no seu próprio Programa, reconhecendo a necessidade de integrar estes trabalhadores no regime geral da segurança social, denuncia bem a hipocrisia com que se tem vindo a encarar esta matéria: para umas coisas reconhece-se que são trabalhadores, para lhes reconhecer aqueles direitos mais elementares é necessário que haja o acesso ao regime geral da segurança social, mas para terem um vínculo, calma lá!, para terem um vínculo é que não!, devem continuar precários e docilmente precários, agora até com alguns direitos que são assegurados aos trabalhadores. O que é preciso é valorizar a mão-de-obra qualificada do nosso País, para que um jovem ou um menos jovem, actualmente bolseiro, saiba se para o ano vai poder continuar a entregar o seu contributo intelectual no seu País, que é onde ele quer entregar, ao contrário de ser forçado a ir para o estrangeiro, procurando melhores condições, como acontece com muitos. O outro projecto de lei que o PCP apresenta visa tão simplesmente a actualização do valor das bolsas. Desde 2002 que o valor das bolsas não é revisto, em relação a algumas delas até há mais tempo. Isto significa, contas simples, que já há uma perda de poder de compra de 20%. O que o PCP propõe é que seja feita uma actualização extraordinária mínima de 5% a 10%, em função do valor da bolsa. Julgamos ser da mais elementar justiça e é um desafio que deixamos também às restantes bancadas. (…)Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproximamo-nos do final deste debate e é importante deixar claro que o Governo, apesar da conversa e da propaganda em torno da ciência e da investigação e desenvolvimento, fazendo inclusivamente desses itens quase que bandeiras da sua política, desvaloriza sistematicamente os trabalhadores da ciência e bloqueia objectivamente a entrada de novos quadros no sistema científico e tecnológico. Foi o actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que, em 2004, disse que o próprio país se desmoronaria enquanto estivessem bloqueados os acessos aos quadros no sistema científico e tecnológico nacional. E é esse mesmo Ministro que agora vem impor o recurso à figura do bolseiro de investigação científica para suprir todas as necessidades, das mais elementares às mais exigentes, desse mesmo sistema científico nacional. Esta é uma ilustração clara das contradições do Governo. No entanto, não podemos deixar de responder às questões que foram aqui levantadas pelo Partido Socialista, o que farei muito brevemente, Sr. Presidente. Foi dito que ao Governo cabe governar e que a esta Assembleia caberá legislar. A Sr.ª Deputada Teresa Damásio não estará ainda muito por dentro da forma como esta Assembleia fiscaliza, intervém, recomenda e legisla, no sentido de condicionar e orientar, porque é essa também a sua função e porque a democracia é isso, ou seja, independentemente da maioria que se constituiu, chegar-se a acordo com as forças que aqui têm assento e que trazem os problemas do exterior. Sr.ª Deputada, quando o Governo governa mal é dever desta Assembleia trazer aqui esses problemas para que sejam resolvidos. O Governo quer governar mas, enquanto continua a enganar os bolseiros e a dizer que vai apresentar uma proposta, que apresenta para o ano, que apresenta em Março, que apresenta em Junho ou em Julho e nunca apresenta proposta nenhuma, esta Assembleia deve ser chamada a intervir. É o que o PCP tem feito desde há vários anos, sempre que o Governo falha na sua tarefa de governar em função dos interesses do País, não só dos interesses dos bolseiros de investigação científica, porque estamos a falar de uma camada de trabalhadores altamente qualificada que entrega de boa vontade uma mais-valia tremenda ao desenvolvimento nacional. Bem sabemos que, para o PS, não havia investigação nem desenvolvimento, porque, não havendo sistema produtivo, não havendo produção nacional, pouco importa a ciência, a investigação e o desenvolvimento. Contudo, esse não é o interesse nacional, e se o Governo governa de forma adversa ao interesse nacional cabe a esta Assembleia legislar, orientar e intervir.