Declaração política relativamente ao texto constitucional - Intervenção de Octávio Pato |
Sábado, 03 Abril 1976 | |
Declaração política relativamente ao texto constitucional - Intervenção de Octávio Pato, na Assembleia Constituinte Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição que hoje ficou concluída e que o Sr. Presidente da República, general Costa Gomes, irá solenemente promulgar é um acontecimento histórico de grande transcendência e de um grande significado político. Depois de quase meio século de privação de liberdades e direitos humanos, depois de meio século de opressões e misérias, depois de treze anos de guerras coloniais, o nosso povo conseguiu libertar-se da odiosa ditadura fascista, pôs fim às guerras coloniais e ao colonialismo opressor, e vai finalmente usufruir de uma lei fundamental democrática, vai ter uma Constituição democrática. A Constituição hoje concluída atirará para o lixo da história as leis iníquas que durante várias décadas serviram de instrumentos de opressão e obscurantismo. Portugal passará a reger-se por uma Constituição que foi discutida e elaborada democraticamente. Uma Constituição que consagra amplas liberdades democráticas, que ressalva a independência e unidade nacionais, que põe fim à era colonialista. Uma Constituição que consagra direitos fundamentais dos trabalhadores (direito ao trabalho, liberdade sindical, direito de greve), que estabelece como "conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras" as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974. Uma Constituição que consagra a Reforma Agrária, assim como o controle operário e as organizações populares de base, e que aponta ao País o "caminho para uma sociedade socialista". A Constituição que hoje se concluiu não foi elaborada em gabinetes hermeticamente fechados ou isolados das massas populares. Terá cabimento relembrar hoje algumas das afirmações que aqui fizemos em nome do PCP, quando pela primeira vez falámos no início dos trabalhos desta Assembleia. Dissemos então: "A Constituição não será o produto exclusivo do nosso trabalho aqui. Essa nova Constituição terá de reflectir o resultado da acção revolucionária que se desenvolve por todo o País. Onde se luta contra o desemprego, contra a sabotagem económica e por melhores condições de vida, onde se trava a batalha da produção, onde se luta contra as manobras e conspirações contra-revolucionárias, onde se luta pela liquidação dos monopólios e dos latifúndios, por uma efectiva Reforma Agrária, onde se luta por um Portugal democrático a caminho do socialismo, em todos esses recantos do País também se está a contribuir para que seja elaborada uma Constituição que corresponda aos interesses do País e da revolução em marcha."
Os acontecimentos confirmaram a justeza das apreciações que então
fizemos. Foi em conjugação com a evolução do processo revolucionário
que a Constituição foi elaborada, e, por isso mesmo, ela reflecte a
dinâmica desse mesmo processo, os seus avanços, recuos ou pausas.
O PCP e o seu Grupo de Deputados estão conscientes do importante
contributo que deram, aqui e lá fora, para a elaboração e
especificidade da nossa Constituição.
A Constituição e a sua promulgação representam uma importante e histórica vitória do nosso povo. A defesa da Constituição que será hoje promulgada é uma tarefa que se põe já hoje a todos os portugueses que amam a democracia e querem libertar Portugal dos monopólios e da tutela imperialista, a todos os que anseiam pelo progresso social e cultural, a todos os que aspiram encaminhar o País na via da independência nacional e do socialismo.
Não se deve esquecer que não foram poucas as vozes que aqui mesmo se
ouviram a tentar despojar a Constituição de tudo que fosse a
consagração das conquistas revolucionárias do nosso povo. São vozes
identificadas com o passado, que não aceitam a presente democracia e se
opõem a um futuro socialista. São vozes coincidentes com as forças da
reacção, que trabalham e conspiram para porem em causa as conquistas
fundamentais da nossa revolução e as próprias liberdades democráticas. Na defesa da Constituição não se pode esquecer que houver forças que se esforçaram por retardar ou até impedir a conclusão e promulgação da Constituição. Lembremo-nos de que ainda nos últimos dias se ouviram estranhas vozes de alguns Deputados e de políticos destacados, com o suspeito apoio de jornais estatizados, a fazerem campanha para a revisão da Constituição na próxima Assembleia da República. E o mais estranho ainda é que fizeram essa campanha já depois de ter sido aprovado na Assembleia Constituinte que a revisão só poderá fazer-se quatro anos depois da sua promulgação. A Constituição contém lacunas, insuficiências e disposições de que discordamos, e sobre elas o meu camarada Vital Moreira, um dos principais obreiros da Constituição, irá precisar o pensamento do PCP. A Constituição reflecte as inevitáveis consequências das maiorias oscilantes muitas vezes aqui verificadas, e originadas pelas hesitações, compromissos ou incoerências políticas e contradições de classe existentes no seio mesmo de partidos representados nesta Assembleia.No entanto, e muito embora discordemos de alguns aspectos da Constituição agora concluída e que a seguir vai ser promulgada pelo Sr. Presidente da República, general Costa Gomes, certamente com a concordância e apoio do Conselho da Revolução, desejamos declarar muito claramente que o PCP está na firme disposição de respeitar integralmente a Constituição como lei fundamental do País. Mais ainda: lutaremos para que, juntamente com os comunistas, todos os portugueses respeitem, cumpram e realizem o que na Constituição está consagrado e legislado. Pensamos ser isso uma condição fundamental para democratizar e institucionalizar a vida do País, criando-se assim um clima de paz e de trabalho criador que possibilite, assegurar ao nosso povo uma vida melhor e democrática, livre de opressões e de misérias. Acabamos de assumir, em nome do PCP, o compromisso claro e inequívoco de respeitar e cumprir a Constituição. Gostaríamos que idêntico compromisso fosse assumido de forma clara e inequívoca por todos os partidos políticos existentes no nosso país.
Sr Presidente e Srs. Deputados. Todos sabemos que no
decorrer dos trabalhos da Constituinte se manifestaram dificuldades
resultantes das discrepâncias e choques que reflectiam divergências e
antagonismos políticos e de classe. As diferentes concepções e os
desencontros havidos sobre o carácter da Constituinte e a forma de
cumprir as suas funções fizeram retardar a sua conclusão. O Presidente da Assembleia Constituinte, Prof. Henrique de Barros, afirmou há poucos dias que juntava a sua voz "àqueles que têm alertado o povo português para os perigos da implantação de um regime conservador e mesmo do fascismo". Nós, comunistas, estamos na firme disposição de nos associarmos a todas as vozes que clamem neste sentido. Estamos na disposição de juntar a nossa voz às vozes de todos os que procuram esquecer ressentimentos e atritos, e que estão decididos a construir um Portugal democrático, livre e independente. A Assembleia Constituinte tinha uma composição de maioria democrática e de esquerda, mas uma maioria que nem sempre existiu e que muitas vezes até se confrontou. Uma maioria de esquerda na futura Assembleia da República é absolutamente indispensável para salvaguardar os superiores interesses do povo português e da democracia, e para salvaguardar a nossa própria Constituição, a Constituição que o povo português forjou e criou através da sua própria luta.
O conteúdo democrático e progressista da nossa
Constituição é bem evidente. É por isso que julgamos poder afirmar que
a Constituição é o fruto do labor revolucionário da classe operária,
dos trabalhadores, dos militares, de todo o povo laborioso do nosso
Portugal. É também por isso que a Constituição é um valioso instrumento
nas mãos do povo e um muito grande obstáculo para as negras forças da
reacção. Viva Portugal democrático, livre e independente a caminho do socialismo! |