Partido Comunista Português
Debate mensal sobre acesso aos medicamentos - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Sexta, 26 Maio 2006
Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre acesso aos medicamentos

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Começo por lhe dizer que, em relação à referência que fez à nossa proposta vaga para a segurança social, devia tomar para si o conselho que deu ao PSD: estude e verá que a nossa proposta não é vaga, tem os mecanismos concretos e até a quantificação dos resultados.Mas, em relação aos temas que aqui nos trouxe hoje, designadamente à liberalização das farmácias, o que podemos dizer é que se trata de uma medida que não aparece, na nossa opinião, como necessária, indispensável e prioritária na política do medicamento e tem traços perigosos.

E o nosso argumento de dúvida em relação à liberalização não é aquele que o Sr. Primeiro-Ministro tem estado a rebater, até a pedido do Partido Socialista. A nossa preocupação é com a possibilidade de, apesar das regras que, formalmente, irão ficar estabelecidas em relação ao máximo de quatro farmácias na propriedade de uma só entidade, isso ser contornado, na realidade, como sucedeu noutros países, e de se dar uma verdadeira verticalização do sector, um poder excessivo, abusivo e de controlo do mercado nas suas várias áreas, isto é, na produção, no mercado grossista e no mercado retalhista. Este é que é o perigo, Sr. Primeiro-Ministro! É isto que nos preocupa, legitimamente, e que, aliás, nos parece uma preocupação séria que deveria tocar também o Governo.

O regime que actualmente temos e que é apresentado como uma coisa esotérica, meramente corporativa, existe na Alemanha, na Áustria, na Bulgária, no Chipre, na Dinamarca, na Eslováquia, na Eslovénia, na Espanha, na Finlândia, na França, na Grécia, na Hungria, na Itália, na Letónia, no Luxemburgo e na Turquia.

Veja bem a originalidade portuguesa no meio de todos estes países!…

Portanto, é preciso não apresentar esta medida como o supra-sumo da política do medicamento, porque não é assim.

Mas, em relação às outras medidas, é preciso também dizer que é muito curioso registar a alteração de tratamento, por parte do Sr. Primeiro-Ministro e do Governo, relativamente à Associação Nacional das Farmácias, a qual era referida, no seu discurso de tomada de posse do Governo, quando o Sr. Primeiro-Ministro anunciava a venda de medicamentos fora das farmácias, nestes termos: «É tempo de resolver os estrangulamentos que impedem que o interesse geral se imponha aos interesses particulares e corporativos (…)».

Ora aqui está como o Sr. Primeiro-Ministro entendia a Associação Nacional das Farmácias.

Agora já não é assim, agora já é o sector da qualidade, o parceiro estratégico com o qual é preciso negociar! E bem percebemos que o Sr. Primeiro-Ministro esteja a negociar, porque penso que foi com o Sr. Primeiro-Ministro que essa negociação foi feita.

Vemos bem como já aí estão as compensações para a liberalização da propriedade das farmácias.

Uma primeira compensação é esta das farmácias nos hospitais. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro sabe, e o Sr. Ministro da Saúde sabe melhor ainda, que, ao longo dos últimos anos, houve um programa de financiamento comunitário para a melhoria das farmácias hospitalares e que esse programa melhorou as condições de funcionamento das farmácias dos hospitais.

Ora, então, por que é que as farmácias dos hospitais, públicas, não são desenvolvidas de forma a darem essa cobertura que o Governo, e bem, quer que exista?! Por que é que têm de ser entregues ao sector privado?! Precisamente porque só assim se compensa a Associação Nacional das Farmácias e os seus interesses.

Mas há uma questão que tem de ficar aqui esclarecida, e com isto termino, Sr. Presidente.

O Sr. Primeiro-Ministro não nos dá o acordo que vai assinar com a Associação Nacional das Farmácias.

Pode, ao menos, garantir-nos que não está nesse acordo a entrega para gestão, pela Associação Nacional das Farmácias, da central de compra de medicamentos do Serviço Nacional de Saúde que o Governo tem no seu Programa do Governo?! Pode garantir-nos que isto não está previsto?

É que isto seria uma nova compensação e, como tal, bem se justificaria a entrevista dada pelo Presidente da ANF, em Setembro do ano passado, quando disse ao Expresso: «Ainda vou agradecer ao Eng.º José Sócrates». Pelos vistos, tem muitas razões para o fazer!…