Partido Comunista Português
Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR
Quarta, 27 Junho 2007
Imagem: Jerónimo de SousaJerónimo de Sousa ao intervir no debate mensal com o Primeiro-ministro, na Assembleia da República, criticou Sócrates e o Governo que considera como «o importante e o decisivo para assegurar o sucesso da Presidência Portuguesa, é a aprovação de um novo Tratado, seja ele qual for, mesmo que seja um Tratado à medida dos interesses do directório das grandes potências ou mesmo que seja um Tratado no qual Portugal perde novas e substanciais fatias de soberania e capacidade de intervenção e decisão no seio das instituições comunitárias.»
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Debate com o Primeiro-Ministro sobre a apresentação do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia  

 

 

Sr. Presidente,

Em primeiro lugar, quero fazer o seguinte reparo: já estou aqui há muitos anos para conhecer quando é que um Presidente da Assembleia da República o é ou deixa de ser e passa a ser um dirigente partidário, uma emanação da maioria. É um reparo que registamos e queremos manifestar o nosso profundo desacordo com uma decisão arbitrária do Sr. Presidente da Assembleia da República. Tenha paciência..., não gosta desta representação do PCP, mas é a que existe!!

Nesse sentido, queremos manifestar, com profunda indignação, esta novidade que imprimiu aqui a este debate, não respeitando a ordem natural que deveria ter acontecido.

(...)

Sr. Presidente,

Independentemente, de um esclarecimento posterior da minha bancada e do Presidente do Grupo Parlamentar do PCP, continuo a manter aquilo que disse.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Mau dia e mau momento para vir falar de consensos quando o seu Governo anuncia uma declaração de guerra social aos trabalhadores, ao seu direito à segurança no emprego, ao horário de trabalho, à organização do tempo de trabalho, à justa retribuição do trabalho extraordinário.

No que aqui nos traz, já deu uma resposta antecipada: com outro nome ou sem nome, vai arrancar com a flexigurança à portuguesa, como manda e quem manda na União Europeia.

Mas, situando-nos no terreno para onde quero conduzir este debate, é conhecida a nossa opinião sobre o que deviam ser alguns dos objectivos da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Na verdade, nós pensávamos que este era um momento oportuno e teria o nosso consenso para o Governo tudo fazer para introduzir na agenda política europeia temas relevantes para o nosso futuro colectivo.

Era o momento oportuno, por exemplo, para questionar as orientações que conformam o Pacto de Estabilidade com os seus rígidos critérios, que sufocam o desenvolvimento dos países de economias mais débeis; para questionar as prerrogativas concedidas ao Banco Central Europeu e que conduziram não apenas a um euro sobrevalorizado mas a uma sistemática subida das taxas de juro, com consequências nefastas para as famílias e para a economia; ou para questionar, e propor, reformas de fundo em relação à política agrícola comum e à política comum de pescas, que estão a levar à ruína as explorações agrícolas familiares, os pescadores e, até, armadores.

Tudo indica - e o seu discurso confirmou-o - que a Presidência portuguesa está praticamente hipotecada à concretização, a todo o custo, do já recusado Tratado Constitucional pelos votos dos povos francês e holandês e que agora, inaceitavelmente, se pretende retomar no essencial com a nova designação de tratado reformador.

Pelo que temos visto e ouvido, o importante e o decisivo para assegurar o sucesso da Presidência portuguesa é a aprovação do novo tratado, seja ele qual for, mesmo que seja um tratado à medida dos interesses do directório das grandes potências ou, mesmo, que seja um tratado no qual Portugal perde novas e substanciais fatias de soberania e capacidade de intervenção e decisão no seio das instituições comunitárias.

De facto, para essa Europa foi-se endereçando aos dirigentes de cada país - à Alemanha, à França, à Polónia, à Grã-Bretanha - o seu quinhão no recente acordo. E aqui, como diz o nosso povo em gíria popular, «europeu, europeu, mas venha cá o meu»!...

E Portugal que ganha? Não ganha nada, Sr. Primeiro-Ministro! Portugal perde! E, mesmo no plano institucional que colocou esta discussão, Portugal perde um comissário permanente com direito a voto na Comissão Europeia; Portugal perde Deputados no Parlamento Europeu, passando de 24 para 22 já em 2009 e com a possibilidade de perder mais no futuro; Portugal perde na ponderação de votos no Conselho face às grandes potências da União Europeia, mesmo que as regras só entrem em vigor em 2017.

A luta dos povos travou no imediato o avanço rápido e em força em direcção a uma Europa federalista, neoliberal e militarista, mas é uma evidência que o caminho prossegue com novos passos.

Fruto dessa luta e das contradições deixou-se cair as referências de natureza constitucional ao novo tratado, mas com muita clareza expressa-o o Secretário-Geral da central do grande patronato europeu, o Sr. Philippe de Buck, quando afirma «tudo o que as empresas europeias apontavam na lista de compras...», à Sr.ª Merkel, naturalmente, «... está hoje no 'carrinho'». Fala quem sabe!... Ou seja, o projecto neoliberal continua! São palavras que desfazem as ilusões sobre este projecto europeu ao serviço de quem está. Nós consideramos inaceitável qualquer avanço para um novo tratado sem que haja uma consulta ao povo português em referendo vinculativo.

Tem dito o Sr. Primeiro-Ministro - e reafirmou-o aqui hoje - que só depois de se conhecer o tratado se define a forma de ratificação, para não prejudicar a posição portuguesa. Grande contradição, Sr. Primeiro-Ministro! Então, V. Ex.ª e o seu Governo receberam, ou não, um mandato claro e preciso acerca do conteúdo do novo tratado? Se recebeu esse mandato claro e preciso, como já o confirmou, o que é que há de novo a negociar que impeça que confirme, desde já, que a ratificação seja feita por referendo? E desde quando, Sr. Primeiro-Ministro, uma negociação pode suspender a democracia e o necessário debate, não apenas em relação à ratificação mas também em relação ao seu próprio conteúdo? Ou será, Sr. Primeiro-Ministro, que não é tanto por isso mas pelo facto de, no Conselho Europeu, se ter concertado já, para evitar que a ratificação seja feita pelos povos, como transparece das suas próprias evasivas, das opiniões dos partidários do Sr. Presidente da Comissão Europeia ou das orientações que sopram de Belém?!...

O Grupo Parlamentar do PS acaba aqui de anunciar que vai manter o seu compromisso. Quer metê-lo no «congelador»; oxalá o Governo não o meta no lixo! Veremos!

De qualquer forma, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que mais cedo ou mais tarde o povo português há-de exigir pronunciar-se, mesmo que o senhor não goste, nem queira.