Partido Comunista Português
Intervenção de Francisco Lopes, Comissão Política
Quinta, 17 Março 2005

Há cinco anos foi lançada a chamada estratégia de Lisboa com toda a projecção mediática. Foi uma encenação em que a referência às questões sociais e ambientais e a alguns programas nestas áreas não disfarçaram os objectivos de fundo da agenda de agravamento da exploração, de comprometimento dos direitos dos trabalhadores e de ataque aos direitos sociais, integrada na ofensiva do capitalismo das duas últimas décadas.

Em Portugal, estes cinco anos, com governos do PS, a social democracia na sua postura clássica de assunção dos objectivos do grande capital, ou com governos do PSD/CDS-PP, a direita com o sua arrogância e ofensiva em profundidade que acabou de ser derrotada, saldaram-se por um processo acelerado de agravamento da exploração, de ataque aos direitos dos trabalhadores, de ofensiva contra os serviços públicos, de agravamento das injustiças sociais, de polarização da riqueza, num retrocesso político, económico e social.

O que foram afinal as principais consequências da estratégia de Lisboa, no país cuja capital deu nome a este conjunto de orientações, no plano do emprego, dos direitos dos trabalhadores, dos serviços públicos, da administração pública em particular nas funções sociais do Estado.

Destacamos quatro áreas de questões.

A primeira, a questão do emprego. O desemprego aumentou consideravelmente nos últimos anos atingindo mais de 500 mil portugueses, milhares de jovens muitos dos quais com formação superior, com cada vez mais desempregados de longa duração. Afinal a estratégia da criação de emprego traduziu-se numa das maiores crises de desemprego de sempre em Portugal.

A segunda, a questão os direitos dos trabalhadores. Os últimos anos foram marcados pela aprovação do chamado código do trabalho, o maior ataque aos direitos laborais conquistados em décadas de luta, em particular no exaltante processo da Revolução de Abril. O código do trabalho representa um projecto de destruição da contratação, de fragilização dos direitos colectivos, de baixa dos níveis de remuneração do trabalho, de alargamento da precariedade num país em que cerca de 25% dos trabalhadores têm vínculos precários, de alargamento da jornada de trabalho quando milhares de trabalhadores trabalham muitas horas por semana além do tempo de trabalho sem pagamento, de degradação dos direitos das mulheres e dos jovens.

A terceira, a questão do ataque aos serviços públicos. Áreas fundamentais de serviços públicos foram privatizadas pondo em causa a qualidade, a universalidade e a acessibilidade a esses serviços pela generalidade da população, agravando as desigualdades sociais e as assimetrias regionais. Centenas de lojas e postos de atendimento da EDP e da Portugal Telecom foram encerrados. Dezenas de milhares de postos de trabalho foram liquidados substituídos por trabalho precário e não qualificado sacrificando a fiabilidade e qualidade dos serviços. Os custos da energia eléctrica, das telecomunicações, das portagens atingiram valores muito elevados. No sector dos correios numa lógica economicista conducente à privatização foram encerrados ou privatizados com vista ao encerramento muitas dezenas de postos. Apenas quatro empresas privatizadas (PT, EDP, BRISA e GALP) tiveram de lucro em 2004 cerca de 1460 mil milhões de euros, 292 milhões de contos, e distribuem centenas de milhões de euros pelos seus accionistas. As empresas prestadoras de serviços públicos são assim cada vez mais um enorme aspirador que suga os recursos dos orçamentos familiares e os transfere para os cofres dos grupos económicos e financeiros que controlam essas empresas. Isto num país em que mais de 2 milhões de pessoas, 20% da população vive em situação de pobreza e em que o salário mínimo nacional é apenas de 374 euros mensais.

A quarta, a questão do Estado e das suas funções sociais. Os últimos anos têm sido caracterizados pelo ataque à segurança social visando a sua privatização parcial, ao sector da saúde que querem transformar numa grande área de negócio, bem como ao ensino público. Os trabalhadores da administração pública e os serviços que a integram têm sido postos em causa.

Muito longe estão as expectativas que alguns alimentaram sobre a estratégia de Lisboa no plano social, económico, tecnológico, ambiental. A realidade económica e social de Portugal, cinco anos depois é reveladora.

Mas, como se não bastasse, eis que a Comissão Europeia procura a revisão da Estratégia de Lisboa, acentuando os seus aspectos mais negativos e eliminando referências a questões sociais e ambientais, que apesar de pouco consistentes e generalistas poderiam ser invocadas para reclamações populares. Decisões como o prosseguimento do processo de privatizações afectando importantes sectores como a água, os transportes, a saúde, o ensino e segurança social têm que ser combatidos e derrotados.

È necessário travar essas orientações. È necessário lutar para que sejam retiradas as propostas de directivas sobre a organização do tempo de trabalho e da criação do mercado interno dos serviços.

Numa outra dimensão a aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento tem sido dramática para Portugal, este compromisso ao contrário do que o seu nome indica é de facto um Pacto de estagnação e desemprego.

Impõe-se um outro caminho. No quadro político saído das eleições legislativas de 20 de Fevereiro, quando o governo sustentado na maioria absoluta do PS inicia a sua acção com uma orientação que coloca a perspectiva de continuação da mesma política, tomamos a iniciativa de apresentar propostas e desencadear acções que afirmam a importância do projecto alternativo que a sociedade portuguesa precisa.

Impõem-se outro caminho. Um caminho de mudança para Portugal, a Europa e o mundo. Um caminho de luta, proposta e alternativa. Um caminho de combate ao capitalismo, de profundas transformações sociais que a realidade cada vez mais evidencia como uma necessidade para o progresso da humanidade neste inicio do século XXI.