Partido Comunista Português
Apreciação parlamentar n.º 13/X, do Decreto-Lei n.º 232/2005, de 29 de Dezembro, que cria o complemento solidário para idosos
Intervenção de Bernardino Soares
Sexta, 31 Março 2006

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

As duas apreciações parlamentares que discutimos hoje abordam matérias de importância capital para os reformados e idosos portugueses, nomeadamente os de mais baixos recursos. Uma do lado dos seus rendimentos, esta que agora começamos; outra do lado das despesas que frequentemente têm de fazer, designadamente nos medicamentos.

É uma verdade incontornável que no nosso país é entre os mais idosos que se encontram muitas das situações de pobreza e de pobreza extrema. Esta situação deriva do baixíssimo nível de muitas centenas de milhares de reformas, sistematicamente mantido pela recusa dos sucessivos governos em aumentarem mais substancialmente as mesmas.

Serão 729 000 idosos os que no nosso país têm uma reforma inferior a 300 euros.

O Governo optou assim por criar este complemento, quando podia, e devia, apostar na valorização das pensões mais baixas, como o PCP tem vindo a propor, eliminando de vez as situações de pobreza entre os mais idosos.

Ao contrário do que é dito no preâmbulo do diploma, é possível e sustentável o aumento das pensões.

Não é nestas prestações que as despesas da segurança social mais têm crescido mas, sim, na acção social — o subsídio de desemprego e outros encargos não especificados. Aliás, esta solução apresentada pelo Governo significa também assumir a manutenção das reformas baixas, compensando-se através do complemento, o não aumento substancial daquelas, o que terá reflexos igualmente nas restantes reformas fora dos 300 euros, que, não sendo tão baixas, muitas delas se encontram pouco acima deste limite.

Importa também dizer que a medida posta em vigor, mesmo tendo em conta a antecipação recentemente anunciada pelo Governo, é mais um daqueles casos em que o que é prometido na campanha eleitoral com meias palavras acaba depois por ser aplicado de forma diferida no tempo. Quando na campanha eleitoral o Partido Socialista anunciou esta medida, nunca se preocupou em salientar o seu faseamento, criando em muitos reformados a legítima expectativa da sua aplicação imediata.

Mas dito isto, do que fundamentalmente queremos hoje aqui tratar e que motiva a nossa apreciação parlamentar é de, estando de acordo com a existência desta nova prestação, garantir que ela chegue de facto aos reformados que visa abranger, com critérios justos e eficazes.

As injustiças e obstáculos mais importantes que é urgente remover são, entre outros, a questão do rendimento dos filhos e o processo excessivamente burocratizado para aceder a esta prestação, sobretudo se tivermos em conta as dificuldades dos destinatários.

Quanto à questão dos rendimentos dos filhos, consideramos muito importante que se incentivem valores de solidariedade familiar e de apoio aos mais velhos. Simplesmente, a solidariedade não se decreta.

O Governo não pode ignorar que existem muitos idosos em situação de pobreza, cujos filhos dispõem de recursos suficientes para os apoiar, mas que, por diversas razões, não o fazem, ou porque estão em ruptura com o resto da família, ou porque perderam o contacto, designadamente se os filhos são, por exemplo, emigrantes, ou por qualquer outra razão que as sinuosas vias da vida tenha imposto aos idosos em causa.

Ora, fazer, como faz o Governo, depender o direito ao complemento solidário do facto de os filhos não terem rendimentos altos, mesmo quando o idoso não usufrui deles, é o mesmo que dizer que se pretende negar a milhares de idosos o direito a esta pensão, e constitui para além disto a aplicação de uma concepçãoque ofende a sua dignidade, autonomia e direito à independência.

Querer que os idosos não tenham direito à prestação se os filhos têm rendimentos mais altos, ou, mesmo não os tendo, se não é possível ao idoso entregar a sua declaração de IRS, caso em que se presumem rendimentos elevados, é dizer que à falta de solidariedade dos filhos o Estado acrescenta igual penalização, negando o complemento solidário e mantendo o idoso na situação de pobreza extrema que este diploma pretende afastar.

Especialmente aberrante é a exigência de uma declaração de disponibilidade para o exercício do direito a alimentos; isto é, no caso de os filhos se recusarem a apresentar os dados fiscais, então o idoso teria de, no prazo de seis meses, apresentar uma acção judicial contra o seu próprio filho, sob pena de perder a prestação. É desumano obrigar os idosos a processar os filhos e muitos nunca o farão, mesmo estando em situação de ruptura familiar.

Por isso, propomos que as normas relativas a estas matérias sejam alteradas ou eliminadas, de forma a que nenhum idoso que tenha direito a esta prestação deixe de a ter e seja duplamente penalizado por factos de que é vítima e não culpado.

Outro obstáculo à aplicação justa desta prestação é a extrema complexidade e elevada burocratização dos processos de cálculo e atribuição desta prestação, que constituem por si só factor de dissuasão do recurso à mesma. Numa reunião aberta com várias organizações que intervêm nesta área, que o Grupo Parlamentar do PCP realizou há dois dias, alguém qualificava, tendo em conta o anunciado Programa Simplex, que o que tínhamos nesta prestação um verdadeiro «Complex», tal é a carga burocrática exigida.

Mas não foi só na nossa reunião que isto foi dito, é a própria coordenadora da unidade para a modernização administrativa que hoje o afirma na comunicação social.

Segundo ela, o complemento solidário para idosos, com os seus sete impressos e 13 formulários, não passaria no crivo do teste Simplex. E, acrescenta, «o chamado «teste Simplex» será aplicado à nossa legislação antes dela ser publicada, e, portanto, esta medida seria filtrada e esses formulários não passariam» — isto é dito pela coordenadora da unidade para a modernização administrativa. E diz ainda: «eu não ouso acreditar que não pudesse existir aí alguma simplificação». É pois perante estas afirmações, que, penso, devem ser relevantes para o Governo, que estamos a discutir nesta altura a possibilidade de alterar e simplificar esta prestação e o acesso à mesma, porque, estando perante uma das prestações mais burocráticas que existiram desde o 25 Abril, mais complexas no que diz respeito ao acesso às mesmas, esta complexidade ainda é mais grave, se tivermos em conta a população-alvo deste complemento, basta olhar para os requerimentos para se perceber que eles serão muitas vezes impeditivos de muitos idosos se candidatarem.

Ainda por cima, todo este processo repete-se passados dois anos, quando nada justifica que a renovação do complemento obrigue a renovar todos os elementos da prova, sendo que, por exemplo, no rendimento social de inserção essa renovação é automática, ficando o titular da prestação obrigado a declarar as alterações que venham a verificar-se, independentemente de uma renovação completa do pedido de x em x tempo.

Não basta haver algumas carrinhas que vão ao encontro de idosos, porque elas não chegarão, face à dimensão do número de idosos a que este complemento se pretende aplicar.

Estamos de acordo com a necessidade de rigor na aplicação desta como de outras prestações.

Claro que estranhamos que esta necessidade só seja sentida pelo Governo quando se trata de aplicar prestações para os mais carenciados e nunca nos grandes benefícios, apoios e rendimentos para grupos económicos e outros grandes beneficiados da nossa sociedade. Mas estamos de acordo com origor. O que não aceitamos é que se trate cada idoso como um potencial burlão e que com isto se negue um direito que se afirma querer atribuir.

Ora, existindo um regime em prestação semelhante, como é o rendimento social de inserção, não entendemos que exista qualquer razão para que no complemento solidário se exija muito mais do que naquele. Por isso, propomos que este complemento tenha, em várias matérias, mecanismos idênticos aos existentes para o rendimento social de inserção, quer quanto a atribuição, quer quanto a fiscalização. E lembre-se que este regime foi aprovado já nesta Legislatura, aqui, na Assembleia da República, obviamente, com os votos do Partido Socialista e também de outros partidos, incluindo o PCP.

Nada justifica que existam dois sistemas tão diferentes, dentro da segurança social, para atribuir e fiscalizar este complemento. O sistema de atribuição criado para o rendimento social de inserção adaptado a este complemento pode ser um modelo suficiente para evitarmos a excessiva burocratização e garantirmos ao mesmo tempo o rigor. Isto porque, se não forem eliminados os obstáculos burocráticos injustificados deste diploma, teremos então muitos idosos que não irão obter o complemento, embora tivessem direito a ele.

Apresentamos então propostas que melhoram e dimensionam correctamente a carga burocrática e que são a salvação deste diploma, para não «chumbar» no teste do Simplex. Com estas alterações damos um contributo construtivo para que esta prestação possa, de facto, atingir plenamente o seu objectivo. Esperamos que haja na maioria parlamentar e no Governo a abertura indispensável para corrigir os excessos do diploma original, o que constituiria para muitos idosos a exclusão do acesso a esta prestação.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:

Não compreendo o tom hipersensível do Sr. Ministro. Não compreendo!

Neste debate, estamos a procurar encontrar e discutir algumas soluções para resolver problemas que manifestamente existem nesta legislação. Não vale a pena transformá-lo naquilo que não quisemos que ele fosse: um debate sobre a justeza ou não da prestação.

Estamos de acordo com a prestação. Preferíamos que o Governo não abdicasse também do objectivo de requalificar e de valorizar as reformas mais baixas em função da necessidade, como está a fazer. Mas estamos de acordo com a prestação!

E o que dizemos sobre ela, Sr. Ministro, em relação ao que foi prometido na campanha eleitoral, não é que não estava no programa eleitoral e no Programa do Governo. Sim, estava!

Mas a tradução pública dessa promessa gerou uma expectativa nas pessoas que não é a que está agora a ser concretizada.

Reparou certamente, se já esteve a ler as nossas propostas, que não fazemos nenhuma sobre essa calendarização, porque esse não é o assunto para discutir neste momento.

Neste momento, queremos discutir fundamentalmente duas questões: o problema dos rendimentos dos filhos e da sua consideração e o problema da burocratização.

Falou-se aqui muito de rigor e de justiça. Pergunto se haverá rigor na aplicação desta prestação quando, por causa destes requisitos, os idosos que, de facto, não têm o apoio dos filhos e que têm rendimentos abaixo dos 300 € não tiverem direito a este complemento — se isso será uma aplicação rigorosa deste complemento. Julgo que não será, porque o que é justo é que esses idosos, que não têm o apoio que deviam solidariamente ter dos seus filhos, tenham o complemento solidário de idosos, porque senão estão a ser duplamente prejudicados.

Pergunto se é justo que dois idosos na mesma situação, com os mesmos rendimentos efectivos, reais, em que um dos filhos dá a declaração de IRS e o outro não dá, um tenha direito ao complemento e o outro não. Esta é uma injustiça que também se pode gerar com esta situação que está criada.

O que propomos aqui não é desqualificar, não é amesquinhar esta prestação. É melhorá-la! É fazer com que ela, de facto, se aplique segundo os objectivos que anuncia, ou seja, a todos os idosos que tenham um rendimento inferior a 300 € por mês. E estamos convencidos de que, se não forem feitas algumas alterações como as que propomos para serem debatidas em comissão, esta prestação não se irá aplicar a todos os idosos que efectivamente têm um rendimento inferior a 300 € por mês.

Em relação à proposta que o Sr. Ministro referiu quanto ao acesso à informação bancária, poderá ver mais adiante que há outra proposta que prevê esse acesso em condições exactamente idênticas ao que está previsto no regime jurídico para o rendimento social de inserção, que foi aprovado nesta Casa com os votos do PS, do PCP e de outras bancadas. Não compreendemos por que é que prestações de tipo semelhante podem ter, mesmo com algumas adaptações, um regime tão diverso como é este, com uma exigência tão diferente que se traduz, de facto, em impedimento no acesso à prestação para alguns idosos que deviam ter acesso a ela.

Registo também que o Sr. Ministro nada disse, apesar de instado por várias bancadas, a começar pela nossa, sobre a apreciação que a coordenadora da Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa faz sobre os requisitos burocráticos deste programa. Registo que nada disse.

Mas cá estaremos para, em comissão, procurar encontrar soluções que tenham consenso nesta Câmara e que, de facto, permitam que esta prestação, que possibilitará que muitos idosos tenham uma situação melhor, atinja os seus objectivos e que nenhum idoso que deve ter acesso a ela fique de fora por causa de razões burocráticas ou porque os seus filhos, de forma pouco solidária, não quer dar-lhe apoio.