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Em 1982 o Grupo Parlamentar do PCP apresentou pela primeira vez um
Projecto de Lei relativo à interrupção voluntária da gravidez.
Tal Projecto diria a ser rejeitado pela Assembleia da República, mas na
sequência da reapresentação do Projecto na sessão legislativa seguinte,
e a culminar os vivos debates que mobilizaram a opinião pública, foi
aprovada a Lei 6/84, diploma que com base no sistema de indicações,
consagrou a legalização do aborto nos casos e condições bem delimitados
no Diploma.
A Lei 6/84 não acolheu algumas das propostas do PCP cuja justeza a vida se tem encarregado de realçar.
Com efeito, o PCP propunha a legalização da I.V.G. praticada nas
primeiras 12 semanas, quando a mulher, em razão da situação familiar ou
de grave
carência económica, estivesse impossibilitada de assegurar ao nascituro
condições razoáveis de subsistência e educação, ou quando a gravidez
fosse susceptível de lhe criar uma situação social ou económica
incomportável.
Mais se propunha, mesmo para além do limite das 12 semanas e sem o
limite temporal das 16 semanas, actualmente previsto no Código Penal, a
legalização da I.V.G. quando existisse séria probabilidade de doença ou
malformação de particular gravidade do nascituro, não detectada
naquelas primeiras doze semanas.
Na revisão do Código Penal feita em 1994, continuou a recusar-se a
despenalização do aborto por motivos económicos e sociais, quando
praticado
nas primeiras doze semanas.
Isto, apesar de na Comissão Revisora do Código Penal haver quem
defendesse que nesse período o aborto devia poder ser realizado a mero
pedido da mulher, sem necessidade de invocação de qualquer motivo.
E apesar de a Comissão Revisora ter proposto para o aborto eugénico, o
alargamento das 16 semanas previstas no Código Penal, para as 22
semanas, em resultado dos conhecimentos de medicina, o Governo do PSD,
recusou tal alargamento.
Médicos atestaram perante a Comissão de Assuntos Constitucionais
Direitos Liberdades e Garantias, a impossibilidade de se detectarem
malformações do feto por forma a realizar-se a interrupção voluntária
da gravidez nas 16 primeiras semanas, como constava do Código Penal.
O PCP apresentou propostas de alteração ao articulado apresentado pelo Governo.
Consagrando a despenalização do aborto quando praticado, a pedido da
mulher, nas primeiras 12 semanas, sem necessidade de indicação do
motivo.
Com o que se previa, desta forma, a despenalização do aborto
tendo por base causas económicas e sociais que impossibilitassem a
criação de razoáveis condições de subsistência e educação para o
nascituro.
O PCP vem reapresentar a proposta referida. De facto, ela representa,
não a liberalização do aborto, mas, pelas condições a que sujeita a
realização não punível da interrupção voluntária da gravidez (em
estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, por
médico ou sob
a sua direcção e a pedido da mulher), a defesa da saúde da mulher.
A interrupção voluntária da gravidez, realizada fora destas condições,
ainda que a pedido da mulher, ainda que nas primeiras doze semanas,
será punida relativamente aos que realizaram (que não relativamente à
mulher) por colocarem em risco, apenas com mira no lucro, a saúde da
grávida.
O PCP propôs também a exclusão da ilicitude na prática do aborto
eugénico, quando este fosse praticado nas primeiras 22 semanas.
Acolhendo, desta forma, as opiniões dos médicos que asseguram de nada
servir o que actualmente consta da lei, por ser absolutamente
impossível praticar-se o aborto eugénico nas primeiras 16 semanas.
O Código Penal nesse aspecto, revela-se pouco menos que farisaico.
Mais propôs o PCP, que a conduta da mulher, consentindo no aborto,
mesmo para além dos prazos e das condições estipuladas no Código
Penal, não fosse punida, mantendo-se a punição apenas para os que,
contra a lei, praticavam o aborto em mulher grávida.
De facto, a mulher, mesmo nessas condições, é uma vítima.
Vítima da inexecução da lei da interrupção voluntária da gravidez,
vítima das carências de instituições hospitalares que acabam por atirar
as mulheres grávidas para o aborto clandestino. Sendo sobretudo as
mulheres das classes mais carenciadas, sem possibilidade de recurso a
clínicas
privadas, nacionais ou estrangeiras, que mais sofrem com o
incumprimento da lei.
Assim, se é certo que os que infringem o sistema de indicações e prazos
estabelecidos na lei, em defesa da saúde da mulher, merecem a censura
da Lei Penal, por se alimentarem do negócio do aborto clandestino, já a
mesma censura não merece a mulher que não é agente do crime mas vítima
do mesmo.
De resto, dada a intervenção subsidiária do Direito Penal, este não
deverá intervir no caso de mulher grávida que aborte mesmo para além
das indicações previstas na lei destinadas à preservação da sua saúde,
já que outros meios de intervenção podem, quanto a ela prevenir a
realização de interrupção voluntária da gravidez.
As propostas que apresentámos foram rejeitadas pelo PSD
No cumprimento do programa eleitoral o PCP, o Grupo Parlamentar,
aliás dando voz a reclamações que percorrem a sociedade portuguesa,
sobretudo dando voz às mulheres que continuam a percorrer o calvário do
aborto clandestino, vem repor e reformular as propostas que apresentou.
Através do presente Projecto de Lei propõe-se:
- A exclusão da ilicitude da Interrupção voluntária da Gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher;
- Nos casos de mãe toxicodependente o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas
- O alargamento de 16 para 22 semanas nos casos de aborto
eugénico, especificando-se que o risco de o nascituro vir a ser
afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida constitui um dos
casos em que pode ser praticado o aborto eugénico.
- O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a
I. V. G. pode ser praticada, sem punição, nos casos em que a mesma se
mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o
corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida. Na verdade, a vida
demonstrou, nomeadamente nas doentes submetidas a tratamentos
antidepressivos, a necessidade de alargamento do prazo;
- O alargamento de 12 para 16 semanas no caso de vítimas de
crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, e quando menores
de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica, o alargamento para 22
semanas. De facto, a situação de incapacidade pode determinar atraso no
recurso à IVG
- A obrigação de organização dos serviços hospitalares distritais, por forma a que respondam às solicitações de prática da IVG
- A impossibilidade de obstruir o recurso à I. V. G. através da
previsão da obrigação de encaminhar a mulher grávida para outro médico
não objector de consciência ou para outro estabelecimento hospitalar
que disponha das condições necessárias à prática da IVG
- A despenalização da conduta da mulher que consinta na I. V. G. fora dos prazos e das condições estabelecidas na lei;
- O acesso a consultas de planeamento familiar.
Com o presente Projecto de Lei pretende o PCP que se institua um
regime legal, mais adequado do que o vigente, nomeadamente tendo em
atenção os conhecimentos da medicina, o qual tem de ser acompanhado por
políticas que garantam a realização pessoal dos cidadãos e que protejam
a maternidade e a paternidade.
Assim, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Interrupção Voluntária da Gravidez
Artigo 1º
(Interrupção da Gravidez Não Punível)
O artigo 142º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
- Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou
sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente
reconhecido, a pedido da mulher grávida, durante as primeiras 12
semanas.
- De igual modo, não é punível a interrupção da gravidez
efectuada nas condições descritas no nº 1, com o consentimento da
mulher grávida quando, segundo o estado dos conhecimentos e da
experiência da medicina:
- Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de
grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde, física ou
psíquica,
da mulher grávida;
- Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e
duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da
mulher
grávida e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
- Houver seguros motivos para crer que o nascituro virá a
sofrer, de forma incurável, de grave doença, nomeadamente H.I.V.
(síndroma de
imunodeficiência adquirida), ou malformação e for realizada nas
primeiras 22 semanas de gravidez;
- Houver sérios indícios de que a gravidez resultou de crime
contra a liberdade e autodeterminação sexual e for realizada nas
primeiras 16 semanas, ou nas primeiras 22 semanas, nos casos de vítima
menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica.
- Sempre que se trate de mulher toxicodependente, não é punível a interrupção da gravidez efectuada a seu pedido, nas condições
referidas no nº1, durante as primeiras 16 semanas.
- Actual nº 3
- Actual nº 4
Artigo 2º
(Despenalização da conduta da mulher grávida)
O artigo 140º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 140º
Interrupção da gravidez
- Actual nº1
- Actual nº2
- Eliminado
Artigo 3º
(Garantias de prática da IVG nos termos da presente lei)
- Os estabelecimentos públicos de saúde, a nível distrital, serão
organizados por forma a dispor dos serviços necessários à prática da
interrupção voluntária da gravidez, de acordo com o previsto na
presente lei, sem prejuízo do reconhecimento do direito à objecção de
consciência dos médicos e demais profissionais de saúde.
- A objecção de consciência é manifestada em documento assinado
pelo objector e a sua decisão é imediatamente comunicada à mulher ou a
quem, no seu lugar, pode prestar o consentimento.
- A comunicação referida no número anterior deve ser
acompanhada da informação sobre profissional que não seja objector de
consciência
- Sempre que um estabelecimento público de saúde não disponha
de condições para a prática da interrupção voluntária da gravidez, as
solicitações de intervenção ali apresentadas serão imediatamente
apresentadas por aquele serviço ao estabelecimento de saúde mais
próximo onde seja praticada a interrupção voluntária da gravidez, por
forma a que esta seja efectuada nas condições e prazos previstos na
presente lei.
Artigo 4º
(Planeamento Familiar)
A
instituição onde se tiver efectuado a interrupção voluntária da
gravidez providenciará para que a mulher, no prazo máximo de sete dias,
tenha acesso a consulta de planeamento familiar.
Artigo 5º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, 20 de
Junho de 1996
Os Deputados
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