Partido Comunista Português
"Luta em França, situação em Portugal"
Ilda Figueiredo no "Semanário"
Sexta, 22 Abril 2005

Apesar dos importantes acontecimentos em Portugal e do acompanhamento que é necessário dar às mudanças e respostas urgentes que é preciso tomar, e que, em diversos casos, estão a ser impedidas ou adiadas, como aconteceu com a recusa de uma proposta de aumento intercalar do salário mínimo nacional e da aprovação de uma lei que descriminalize o aborto até às 12 semanas, a pedido da mulher, não se pode ficar indiferente ao debate que se realiza em França em torno do referendo da (mal)dita Constituição Europeia, a realizar em 29 de Maio.

Como é conhecido, além das graves propostas deste projecto de Tratado constitucional, designadamente do seu artigo 12º, que põe em causa aspectos fundamentais da soberania e implicaria uma subalternização inadmissível dos preceitos da Constituição Portuguesa, ao afirmar que o direito adoptado pelas instituições comunitárias, no exercício das respectivas atribuições, prima sobre o direito dos Estados membros, traduzindo a superioridade absoluta das normas comunitárias em áreas essenciais, o projecto aprofunda o neoliberalismo e a via do militarismo, o que é inadmissível.

Como em Portugal também tem sido denunciado em diversos sectores, incluindo um grupo de professores da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, docentes de disciplinas do plano de estudos relacionadas com a integração europeia, “na presente fase de integração europeia, marcada pela heterogeneidade que decorre do alargamento das fronteiras da União, é particularmente inoportuno o aprofundamento político das linhas de integração”.

É este sentimento que se vive em França, ao sentir as ameaças que surgem com as propostas de directivas sobre a organização do tempo de trabalho e a criação do mercado interno dos serviços. Os trabalhadores e reformados, as mulheres, a juventude sabem que podem estar em causa conquistas fundamentais de uma Europa social que o neoliberalismo, cada vez mais agressivo, está a pôr em causa. Sabem que não basta dizer que até se incorpora no Tratado uma restritiva Carta dos Direitos Fundamentais, quando o que predomina e tem carácter obrigatório e prioritário são as normas da concorrência, as políticas monetaristas, a liberalização, a mercantilização de tudo, a privatização de áreas e sectores fundamentais para garantir direitos sociais.

Os que sonham transformar a União Europeia num super-estado, onde seja mais fácil impor os interesses de grupos económicos e financeiros comunitários, querem esta dita Constituição Europeia. Não espanta, portanto, a posição dos deputados europeus do PSD, do PP e do PS, integrados nos seus respectivos grupos políticos europeus, sobre a proposta de Tratado Constitucional, nem tão pouco a defesa que fazem dos seus conteúdos fundamentais, embora com uma ou outra pequena divergência, nuns casos por acharem que não foi tão longe como devia, noutros para mostrarem alguma divergência perante verdadeiros atentados ao princípio da igualdade entre Estados e, por conseguinte, da capacidade de Portugal defender os seus interesses vitais, do seu povo decidir do seu destino colectivo, da sua forma de viver.

Por isso, também não espanta que, esta semana, na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, PSE e PPE tenham votado uma proposta de compromisso em torno da proposta de directiva sobre organização e tempo de trabalho, abrindo caminho à sua revisão para maior desregulamentação laboral. É possível que, a curto prazo, algo semelhante aconteça com a chamada directiva Bolkestein, sobre a criação do mercado interno dos serviços.

Pode-se dizer que, apesar de já haver perda de soberania nos actuais tratados, sobretudo após Maastricht e Nice, de que as pessoas se começam a aperceber quando vêem os seus direitos sociais postos em causa, seja com o Pacto de Estabilidade e os estúpidos critérios de convergência nominal, seja com as pressões para cada vez mais liberalizações e privatizações em sectores e serviços públicos essenciais como nos correios, transportes, telecomunicações, electricidade, água, o que nos espera, se o projecto for por diante, é o agravamento desta política que semeia o desemprego e aumenta a pobreza e exclusão social.

O que está em causa é a possível perda da capacidade de dizer não a novas imposições. É o agravamento do centralismo e da burocracia de Bruxelas, ao serviço dos interesses das multinacionais e grupos económico-financeiros dominantes na União Europeia, à custa da degradação dos direitos da maioria da população, incluindo das empresas nacionais que não consigam alianças ao capital estrangeiro.

Na realidade, o texto da dita constituição europeia empobrece os direitos que muitas constituições nacionais consagram, como ainda acontece com a portuguesa, põe em causa aspectos centrais da soberania de cada país, manda para o caixote do lixo o princípio da igualdade entre estados soberanos. Por tudo isto, em França cresce a indignação e as sondagens falam do crescimento do NÃO. Esperemos que assim aconteça, para obrigar a para pensar naquilo que é necessário mudar.