Conferência de Imprensa sobre o processo de Revisão Constitucional - Declaração de Carlos Carvalhas
Sexta, 28 Fevereiro 1997



1. Os mais recentes acontecimentos em matéria de revisão constitucional confirmam que se verifica uma vasta e intolerável convergência entre o PS e o PSD. Estamos perante um atentado à democraticidade e pluralismo do sistema político e do sistema eleitoral, da Assembleia da República, das câmaras municipais, com marginalização da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e da AR. A remissão de algumas matérias para futuras maiorias de dois terços não pode ser um motivo de tranquilidade, antes é uma razão para inquietação, porque se trata de criar novas «coberturas» constitucionais para os novos acordos que o PS e o PSD vierem a estabelecer no futuro (ou já estabeleceram, mas não querem revelar). Os círculos eleitorais uninominais nem sequer são agora qualificados como de candiatura. Trata-se, pura e simplesmente, de violar a proporcionalidade. Em qualquer caso, no mínimo trata-se da confissão de um projecto de acordos constantes e permanentes entre os dois partidos.

2. A tudo o que já se conhecia vão-se somando novos motivos de preocupação. Com efeito, existem informações indesmentíveis de que, para além dos aspectos já referidos pela comunicação social, o acordo PS-PSD e contrariamente ao que sempre disse o Secretário-geral do PS, envolve também o compromisso mútuo de um entendimento sobre alterações à Constituição económica e social, designadamente no respeitante às incumbências prioritárias do Estado e à «superação da obrigatoriedade constitucional de sectores de actividade vedados à iniciativa privada», a pretexto de uma alegada «actualização e modernização» das normas constitucionais. Existem também informações de que o acordo abrange restrições do direito à greve, um dos mais importantes direitos fundamentais inscritos na Constituição. Abrange ainda a entrega de actividades públicas essenciais ao sector privado, como na área da segurança social.

Tendo em conta que o projecto apresentado pelo PS não abrangia tais propostas, é inteiramente legítimo denunciar que, com a atitude agora adoptada, o que se desvenda é a cedência do PS à chamada operação de «limpeza semântica» da Constituição desde sempre reclamada pelo PSD, como aliás consta, exactamente com esta linguagem, do preâmbulo do projecto de revisão constitucional deste partido. O PCP recorda que, por detrás desta alegada "limpeza semântica", o que o PSD sempre pretendeu foi eliminar da Constituição tudo o que tenha as marcas de Abril, da especificidade e identidade da democracia portuguesa e do seu reconhecimento do papel do sector público e dos serviços públicos em coexistência com os outros sectores e do papel do Estado na garantia dos direitos económicos, sociais e culturais.

3. Os contornos deste acordo são, aliás, em grande parte, indeterminados. A referência a cláusulas secretas é um motivo adicional de preocupação. O PCP exige a clarificação e o pleno esclarecimento do país nestas e noutras questões. Como se compreenderá, não é legítimo que se escondam eventuais cláusulas do acordo como as que sejam relativas aos poderes do Presidente da República, ao estatuto do sector público ou outras.

O PCP desafia o engenheiro António Guterres a tornar claro perante o País a totalidade dos acordos, no plano constitucional e não constitucional, que estabeleceu com o PSD. Trata-se do mais elementar dever democrático.

4. O PS tem multiplicado as suas convergências e coincidências, em diferentes sectores, com as orientações e práticas do PSD. Com este acordo, vai mais longe. O Secretário-geral do PS, com este acordo, fez uma verdadeira declaração de guerra ao PCP e à esquerda. Por isso, o PCP apela para que todos os democratas, todos os que querem um sistema de poder justo e equilibrado, todos os que querem a garantia constitucional dos direitos fundamentais e dos direitos dos trabalhadores, se empenhem no combate a este acordo e para travar a revisão acordada pelas direcções do PS e do PSD.


 
© 2018 Partido Comunista Português