Partido Comunista Português
Intervenção de António Filipe na AR
A aquisição de submarinos para a Armada portuguesa e os contratos de contrapartidas na aquisição de equipamento militar
Quarta, 07 Abril 2010
submarinos.jpgA instauração de processos-crime envolvendo cidadãos nacionais e estrangeiros relacionados com o processo de aquisição de submarinos para a Armada Portuguesa e respectivas contrapartidas, que indicia a existência de subornos, de burlas e de falsificação de documentos, faz com que esta Assembleia tenha o dever de acompanhar atentamente toda esta situação e de tomar todas as medidas que se revelem adequadas para a defesa do interesse público.  

Declaração política a propósito da instauração de processos-crime relacionados com a aquisição de submarinos para a Armada portuguesa e dos contratos de contrapartidas na aquisição de equipamento militar

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

A instauração de processos-crime envolvendo cidadãos nacionais e estrangeiros relacionados com o processo de aquisição de submarinos para a Armada Portuguesa e respectivas contrapartidas, que indicia a existência de subornos, de burlas e de falsificação de documentos, faz com que esta Assembleia tenha o dever de acompanhar atentamente toda esta situação e de tomar todas as medidas que se revelem adequadas para a defesa do interesse público.

O que está em causa é muito sério! Está em causa a aquisição de um equipamento militar de valor avultadíssimo, que representa um esforço enorme para o erário público ao longo de muitos anos. Os portugueses, que vêm os seus salários congelados, que vêm diminuir as suas prestações sociais e que vão ter de pagar mais de IRS, sabem que uma parte dos seus sacrifícios é para pagar submarinos.

Não está em causa a importância que a aquisição de submarinos possa ter para a Marinha de Guerra portuguesa. É uma questão discutível como muitas outras. Nunca houve da parte do PCP uma recusa de princípio de que a Marinha disponha de submarinos; o que tem havido, desde 1998, da parte do PCP, é uma ponderação do custo/benefício dessa escolha em prejuízo de outras e uma recusa dessa opção a partir do momento em que ficou claro que, com o recurso ao leasing, os custos dos submarinos mais que duplicariam o valor da aquisição. Basta lembrar que a Lei de Programação Militar, aprovada em 2001, previa um encargo com os submarinos superior a 358 milhões de contos, a pagar entre 2001 e 2032. Na revisão de 2003, a lei passou a prever um encargo de 983 milhões de euros, a pagar entre 2003 e 2026; a partir de 2006 prevê um encargo de 1,070 milhões de euros, a pagar até 2029.

São valores muito elevados, pelos quais importa prestar contas ao povo português, com total lisura, transparência e responsabilidade.

Independentemente das posições de fundo de cada força política em relação à aquisição de submarinos, perante os encargos financeiros em causa, era mais do que exigível que todos os instrumentos contratuais relativos aos submarinos fossem dotados de total transparência - estamos a falar obviamente dos contratos que envolvem a aquisição, das respectivas contrapartidas e dos mecanismos de financiamento.

Quando estão em causa mais de mil milhões de euros de encargos directos e compromissos de centenas de milhões de euros de contrapartidas, os portugueses têm de pedir contas aos responsáveis políticos pela forma como todo esse dossier foi e está a ser gerido, e esta Assembleia tem o dever indeclinável de procurar saber toda a verdade e de apurar todas as responsabilidades políticas que devam ser apuradas.

A questão da aquisição dos submarinos ganhou particular acuidade a partir do momento em que veio a público a existência de investigações, na Alemanha e em Portugal, por indícios da prática de ilícitos criminais relacionados com os negócios dos submarinos. Há que dizer, a esse respeito, antes de mais, que o que se exige de todas as autoridades portuguesas é uma total colaboração com as investigações em curso. Sendo matéria do âmbito da justiça, o que se espera é que a justiça funcione, sem pressões nem ingerências, que investigue tudo o que tiver de investigar, que acuse quem tiver de ser acusado, que julgue quem deva ser julgado e que condene quem deva ser condenado - doa a quem doer!!

É isso que os portugueses esperam e seguramente saberão retirar as devidas ilações de tudo o que a justiça vier a apurar.

Há, porém, em todo este processo, questões políticas muito sérias que devem ser tratadas na Assembleia da República, com sentido de Estado e com elevado sentido de responsabilidade.

De nada nos serve, nem contribui para o prestígio desta Assembleia, procurar «cavalgar a onda» mediática com propostas insensatas ou de consequências imprevisíveis. De nada nos serve agora, quando os submarinos já navegam, que venham personalidades, ligadas aos partidos que sempre apoiaram a opção de compra dos submarinos e que nunca questionaram a onerosa opção pelo leasing, dizer que nos devemos desfazer deles. De nada adianta vir agora dizer que os contratos deviam ser anulados, sem ter a noção exacta da viabilidade prática e das consequências jurídicas e financeiras de tal decisão. De decisões imponderadas, já temos quanto baste.

O que importa agora é que, com rigor e sentido de responsabilidade, esta Assembleia tome medidas para apurar todos os elementos relevantes sobre a compra dos submarinos, sobre as contrapartidas que foram contratualizadas e o respectivo grau de execução e sobre as medidas concretas a tomar para que todos os compromissos assumidos sejam integralmente cumpridos.

Como se sabe, arrasta-se, desde Janeiro, nesta Assembleia uma proposta de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito às contrapartidas da Lei de Programação Militar. Essa proposta terá a nossa concordância quando for agendada, mas entendemos que o processo de decisão sobre esse eventual inquérito não deve paralisar esta Assembleia quanto à adopção de medidas que podem e devem ser tomadas, desde já.

A Comissão de Defesa Nacional tomou, ontem mesmo, a decisão de solicitar o envio a esta Assembleia do Relatório Anual da Comissão Permanente de Contrapartidas, completando a informação que nos foi prestada em Janeiro e que, nos termos legais, terá sido concluído no final do passado mês de Março. Logo que seja recebido esse Relatório, serão promovidas reuniões com o Ministro da Defesa Nacional, com o Presidente da Comissão de Contrapartidas e com outras entidades cuja audição seja requerida pelos grupos parlamentares. Concordamos inteiramente com estas diligências!

Sem prejuízo das investigações a levar a cabo pelas autoridades judiciárias, a Assembleia da República tem o direito e o dever de obter informações detalhadas e rigorosas sobre todos os aspectos que envolvem os contratos de aquisição de submarinos: como se processou a escolha da empresa que os construiu; que cláusulas contratuais foram assumidas; que mecanismos de financiamento foram adoptados, quem os concebeu e que encargos concretos foram assumidos pelo Estado português e perante quem; que contratos de contrapartidas foram celebrados, quem os negociou, quais os seus beneficiários e que cláusulas foram estabelecidas em caso de incumprimento; que acompanhamento foi feito por sucessivos governos do dossier das contrapartidas e que medidas foram tomadas para garantir o seu cumprimento; como tenciona o Governo português actuar para exigir o cumprimento das contrapartidas ou a sua renegociação em termos que não prejudiquem o interesse nacional.

Porém, o Grupo Parlamentar do PCP considera absolutamente necessário que toda esta situação seja publicamente esclarecida e, por isso, vai propor formalmente que todas as diligências a efectuar pela Comissão de Defesa Nacional tenham carácter público.

Entendemos que não pode ser de outro modo. Se alguma entidade invocar a necessidade de algum dever de reserva quanto a alguma informação concreta que queira prestar, a Comissão deverá ponderar essa questão responsavelmente, mas a regra deve ser a transparência e nunca o secretismo! Não é aceitável de modo algum que, sobre uma questão que envolve tanto dinheiro dos contribuintes, caia um manto de silêncio. Os cidadãos portugueses, que pagam impostos e que suportam os encargos com os submarinos à custa dos sacrifícios que lhes são exigidos, têm todo o direito de saber que negócios foram feitos em seu nome e à sua custa, quem foi responsável por eles e quem deles beneficiou.

Sobre os negócios que envolvem submarinos e contrapartidas, já basta de secretismo e de opacidade! Toda a informação relevante sobre essa matéria deve ser do domínio público, a bem da transparência e a bem da mais elementar decência na gestão dos recursos públicos!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Rosas,

Muito obrigado pela sua questão, que é da maior pertinência, porque efectivamente quando falamos das contrapartidas relativas à aquisição de equipamentos militares - e não estamos a falar, como disse, e muito bem, apenas dos submarinos, mas também da aquisição das viaturas blindadas para o Exército, da aquisição de helicópteros, de uma série de aquisições que envolvem vultosíssimos encargos para o Estado português e que terão sido celebradas na base de determinados compromissos assinados pelas empresas que os forneceram -, aquilo a que temos vindo a assistir é que os equipamentos vêm, mas as contrapartidas não!

Portanto, há uma primeira questão que tem de ser apurada e que é esta: que contratos foram esses? Que compromissos foram assumidos e de que mecanismos contratuais é que o Estado português dispõe para fazer valer juridicamente as contrapartidas que foram assumidas? É porque, caso contrário, estamos perante uma verdadeira fraude em que o Estado português consente, sendo ele próprio a vítima - e obviamente que, aqui, a vítima são os contribuintes.

Portanto, há aqui matéria que deve ser apurada. E há que, do nosso ponto de vista, fazer um ponto de situação rigoroso sobre o estado das contrapartidas relativas às várias aquisições, ver que responsabilidades têm de ser apuradas, de que mecanismos dispõe o Estado português para fazer cumprir essas contrapartidas ou, sendo caso disso, renegociar os respectivos contratos. É porque é de admitir que haja situações que já não seja possível reparar, mas, nesse caso, impõe-se que haja diligências do Estado português para uma renegociação desses contratos, para que não perca tudo, isto é, para que de alguma coisa o Estado português seja ressarcido, relativamente a compromissos não cumpridos.

Portanto, da nossa parte, há toda a disponibilidade para trabalhar nesta Assembleia para que este objectivo seja possível.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Marques Júnior,

O Sr. Deputado disse que, na minha intervenção, havia duas partes e que uma delas era «demagogia pura». Mas, depois, o Sr. Deputado não disse qual era a «demagogia pura» e fiquei sem perceber, fiquei sem saber qual era a «demagogia pura»... Se é a referência que fiz aos custos, eles são objectivos, Sr. Deputado. Os custos dos submarinos, segundo está inscrito na Lei de Programação Militar, revista em 2006, são de 1070 milhões de euros para os próximos 20 anos.

O Sr. Deputado, depois, referiu-se ainda ao problema da capacidade submarina da Armada portuguesa. Sr. Deputado, neste momento, para nós, essa matéria não está em discussão nem a questionei agora. Devia dizer isso aos seus camaradas que dizem que devemos devolver os submarinos. A nós, nunca nos ouviu dizer isso.

Isso é que, provavelmente, é demagogia.

Por que é que o PCP desde 1998, como referi, tem vindo a opor-se a este programa? Para já, porque ele representa uma escolha em detrimento de outras e porque havia outras opções. Mas a questão fundamental - e, antes de fazer esta intervenção, tive oportunidade de reler o debate de 2001 - foi a opção pelo financiamento seguida, ou seja, a opção pelo leasing que, como foi afirmado logo em 2001, ia duplicar os encargos financeiros relativamente ao custo da aquisição.

O problema é que, de facto, estamos confrontados com uma inscrição na Lei de Programação Militar de 1070 milhões de euros a pagar pelos portugueses nos próximos 20 anos. E não é demagogia dizer que são os contribuintes que pagam. É evidente que sim.

Registo, muito positivamente, a afirmação que o Sr. Deputado fez da disponibilidade do Partido Socialista para colaborar no sentido de que sejam apuradas todas as responsabilidades que haja de apurar relativamente à matéria das contrapartidas, porque trata-se, reconhecidamente, de um escândalo nacional. Não somos só nós que o dizemos. Inclusivamente, um relatório que o Sr. Deputado bem conhece e que foi elaborado na anterior Legislatura pela Comissão de Economia é extremamente crítico quanto à forma como o Estado português, nos últimos anos e envolvendo vários governos, tem gerido ou, melhor, não tem sabido gerir devidamente esta questão das contrapartidas.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Rebelo,

Ficamos com muita expectativa sobre os próximos trabalhos da Comissão de Defesa Nacional, sobretudo depois de dizer que sabe que «há muita história por contar».

Queria registar da sua intervenção uma questão que me parece da maior relevância: acabou de expressar a concordância do seu grupo parlamentar relativamente ao carácter público dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Defesa nesta matéria. Sabemos que a regra que a Comissão de Defesa tem seguido, nesta Assembleia, tem sido a de não funcionar à porta aberta. Não vamos discutir agora essa opção. Do nosso ponto de vista, é mais do que discutível, mesmo em face do Regimento.

No entanto, nesta matéria a pior coisa que poderia a acontecer seria que, numa questão como esta, que é discutida todos os dias na opinião pública, que suscita natural inquietação e preocupação dos cidadãos, em que estão em causa dinheiros públicos, a Comissão de Defesa fosse efectuar diligências à porta fechada, o que daria azo, seguramente, às mais diversas especulações mediáticas sobre o que se teria passado dentro das quatro paredes. Isso era a pior coisa que poderia acontecer!

Não vemos que estejam em causa matérias que devam ser segredo de Estado ou que ponham em causa algum segredo legítimo por parte das Forças Armadas. Não vamos discutir como é que funcionam os submarinos, qual é o software aplicável aos submarinos, não vamos discutir nada disso. Vamos discutir, fundamentalmente, como é aplicado o dinheiro dos contribuintes e se alguém se apropriou, indevida e ilegitimamente, de recursos públicos ou se alguém, sendo titular de um cargo político, não teve a diligência necessária na defesa do interesse público.

Essa é que é a questão que nos interessa e é fundamental que haja uma total transparência nesse processo. Queria, portanto, congratular-me com a concordância que expressou relativamente ao carácter público dos trabalhos da Comissão nesta matéria.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos Costa Neves,

Respondo à sua questão com todo o gosto e afirmativamente, com um senão.

Respondo afirmativamente no sentido de que concordamos com a metodologia que foi ontem definida na Comissão de Defesa. Ou seja, vamos receber o relatório das contrapartidas relativo a 2009, ao que se espera nos próximos dias, porque nos termos legais deverá estar concluído; na posse desse relatório, vamos ouvir o Sr. Ministro da Defesa Nacional, vamos ouvir o Sr. Presidente da Comissão Permanente das Contrapartidas, o Embaixador Pedro Catarino, e vamos ouvir quem os grupos parlamentares requererem em próxima reunião.

Concordamos com essa metodologia, que foi, aliás, consensual na Comissão. Não foi, no entanto, consensual a forma como os trabalhos vão decorrer: se à porta fechada ou dotados de publicidade.

Relativamente a essa matéria, tivemos oportunidade, ontem, de manifestar divergências, porque entendemos que os trabalhos devem ser públicos e não foi essa a metodologia aprovada. Por entendermos que a questão deve ser reequacionada, suscitámo-la aqui, neste Plenário, para que os grupos parlamentares se possam comprometer relativamente ao carácter público que deve ser conferido aos trabalhos da Comissão nesta matéria. Como disse há pouco, o pior que poderia acontecer para o prestígio desta Assembleia e da Comissão de Defesa Nacional seria que, perante uma questão que inquieta a opinião pública, a Assembleia fosse averiguar a matéria com profundidade e, depois, ocultasse aos portugueses os seus trabalhos. Isso seria a pior coisa e as suspeições iriam, seguramente, prosseguir.

Portanto, achámos por bem colocar aqui esta questão, porque vamos formalizar a proposta de que os trabalhos sejam públicos e esperamos poder contar com o apoio do PSD para esse objectivo.