Partido Comunista Português
Projecto de Lei n.º 459/X - Maternidade e paternidade
Sexta, 15 Fevereiro 2008
Cria o subsídio social de maternidade e paternidade

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Preâmbulo

Protecção da maternidade e paternidade - direito ou prestação social?

Cada criança que nasce não tem apenas valor para os pais. Representa, também um importante valor social, garante a continuação da própria sociedade. Por isso cabe ao Estado assegurar o apoio à criança que vai nascer, à mãe durante a gravidez e o parto, e aos pais na criação das condições sociais e humanas para a criança que decidem ter.

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 68º, que "a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes ": os pais e as mães têm direito à protecção social da sociedade e do Estado.

Para o PCP as medidas que se impõem no âmbito da segurança social de protecção da função social da maternidade e paternidade alicerçam-se, designadamente nas seguintes medidas que estão na base de iniciativas legislativas na presente legislatura: a reposição da universalidade do direito ao abono de família e a introdução do direito ao subsídio de nascimento a todas as crianças até aos 12 meses, a actualização dos subsídios relativos à deficiência, à assistência a terceira pessoa, entre outros; a concessão na licença por maternidade-paternidade pelo período de 150 dias de 100% da remuneração de referência da trabalhadora ou trabalhador; a criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à criança e à família; a criação de um subsídio social de maternidade e paternidade.

Perante a realidade óbvia de decréscimo do nível de vida, de contínuo desrespeito dos direitos de maternidade e paternidade, o PCP propôs uma hipótese real e realista de avançar nas políticas de natalidade, encarando-as como direitos universais, proposta que o PS, juntamente com a direita, recusou: a criação de um subsídio social de maternidade-paternidade[1] a atribuir a todos os que não tenham rendimentos de trabalho ou outras prestações sociais, e pretendam ser mães e pais, solução há muito reivindicada pela Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.[2]

O PS recusou esta proposta há pouco mais de 10 meses, considerando que o universo de mulheres e homens nesta situação não existe, que se trata de um "grupo que parece não ter correspondência na realidade portuguesa", pretendendo indiciar que apenas se destinaria a mulheres mães "inseridas em agregados com suficiente ou mesmo elevado rendimento". Assumiu ainda o PS que a lógica que preside à atribuição do subsídio de maternidade é "a compensação pela perda dos rendimentos do trabalho"[3], ignorando por completo a protecção da maternidade, a protecção das mulheres trabalhadoras que decidam ser mães, as políticas de verdadeira promoção e protecção da natalidade e, em especial, da maternidade e paternidade enquanto funções sociais.

Está, assim, o PS alheio às alterações do subsídio de desemprego que colocaram cerca de 40% do total dos desempregados sem qualquer protecção social e, portanto, também sem acesso ao subsídio de maternidade.

Está, assim, o PS alheio às situações provocadas pela utilização abusiva e ilegal da contratação a termo que impede que muitas trabalhadoras nunca cheguem a cumprir os prazos de garantia para aceder ao subsídio de maternidade.

Desemprego e desregulamentação das relações laborais - uma realidade social

Mas a realidade social e os dados oficiais mostram a justeza da posição do PCP na proposta de criação de um subsídio social de maternidade e paternidade.

De acordo com os dados sobre o número de nascimentos em 2005, 109.457 novas crianças nasceram nesse ano[4], contudo, apenas 76 127 requerentes beneficiaram do subsídio de maternidade[5], número referente a cerca de 70% dos nascimentos. Ora, com todas as variantes incluídas na análise destes dados, não se pode aferir que 30% dos nascimentos são relativos a mulheres que se inserem em agregados familiares com rendimentos elevados e que, por esse motivo, não precisam de trabalhar.

Aumenta o número de trabalhadores em situação de desemprego prolongado que não cumprem os requisitos previstos na lei para acederem ao subsídio de maternidade e paternidade e aumenta igualmente o número de mulheres à procura do primeiro emprego ou em situação de ausência de actividade laboral que estão excluídas de acederem a importantes direitos de maternidade e paternidade (situação que se agrava a cada dia com o contínuo encerramento e deslocalização de fábricas e multinacionais).

Os trabalhadores e as trabalhadoras mais jovens sofrem também as consequências do desemprego e da desregulamentação das relações laborais. Para uma taxa de desemprego de 7,9% no último trimestre de 2007, a taxa entre os jovens de idade compreendida entre os 15 e 24 anos era de 16%, sendo que entre as mulheres jovens desta mesma faixa etária, o desemprego atingia os 19,9%[6].

Aqueles que entram no mundo do trabalho mais tarde, iniciam a sua vida profissional sentindo uma maior dificuldade em obter estabilidade e protecção no emprego. Os trabalhadores com pouca antiguidade, os mais jovens, são maioritariamente contratados a termo certo. No primeiro trimestre de 2007, 60% dos jovens com 17 anos e com emprego, tinha um contrato a termo, enquanto que esta fracção não chegava aos 30% em 1999.

A probabilidade de um trabalhador com um mês de antiguidade ter um contrato a termo certo é de 80% em 2007, quando era de menos de 60% em 1999 e, mesmo para aqueles com um ano de antiguidade, mais de 50% estavam, no primeiro semestre de 2007, com contratos a termo certo[7].

De acordo com a "Carta da Desigualdade", elaborada em Dezembro de 2007 pelo Movimento Democrático de Mulheres, a mais antiga organização portuguesa de mulheres, a propósito do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos:

- "Nas mulheres, o número ascende a mais de 246 mil (55,5% do desemprego registado), representando uma taxa de 9,3% e continuamos a assistir ao predomínio das mulheres no desemprego em todas as variáveis em análise (grupos profissionais, sector de actividade, nível de qualificação)";

- "Em 2005, cerca de 90% dos novos desempregados eram mulheres. E esta é uma tendência que não pára de crescer. A taxa de desemprego entre os jovens é de mais do dobro da média europeia (16%) e a taxa de emprego entre os mais velhos é de apenas 40%, para 62% da média europeia".

- "Os números dos despedimentos de mulheres grávidas e de queixas por discriminação não param de aumentar desde 1996".

As propostas do Governo

O cenário verificado em 2007 e anos anteriores, adivinha já a sua continuidade e agravamento, uma vez que o desemprego não pára de aumentar, as desigualdades salariais subsistem e, nas propostas aventadas para a alteração da legislação laboral pela Comissão do Livro Branco, não dão resposta a nenhuma destas questões. Pelo contrário, agravam-nas, na medida em que com a facilitação dos despedimentos, nomeadamente com a alteração da definição do conceito de despedimento por inadaptação, com a desregulamentação do horário de trabalho (incluindo a possibilidade de trabalho suplementar não pago), as mulheres certamente sofrerão directamente as consequências, principalmente as trabalhadoras mães, no aumento da dificuldade de articulação trabalho/família, entre outras questões relacionadas com o incumprimento dos direitos das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes que as propostas do Livro Branco apenas virão agudizar.

Por estes motivos, o governo do PS, ignorando a situação social do país que se agrava com as suas políticas, optando por um caminho puramente propagandístico e alheio da realidade, assume como orientação nas sua novas medidas de "apoio à natalidade", a limitação do acesso a estas prestações em função do rendimento do agregado familiar, usando falsos argumentos de justiça social entre os agregados com rendimentos mais elevados e mais baixos. É uma enorme mistificação política e ideológica, já que a justiça social deve ser feita em matéria fiscal e de rendimentos e não na retirada de direitos aos trabalhadores que resultam das suas contribuições para a segurança social.  

O Governo do PS, após a centralidade dada ao envelhecimento, visando impor um caminho de regressão de importantes direitos dos trabalhadores que passam à condição de reformados e do conjunto dos idosos no âmbito da segurança social, lança uma nova operação de propaganda em torno dos méritos do seu "Programa de Apoio às famílias e à Natalidade"[8].

O que resulta do diploma[9], que entrou em vigor a 1 de Outubro, é a criação de duas novas prestações sociais - o abono de família pré-natal e a majoração do abono de família a partir do2º filho - cujo acesso é limitado em função de um rendimento máximo previamente definido e cujos montantes a atribuir variam de acordo com cinco escalões de rendimento. O acesso ao abono de família pré-natal depende do rendimento do agregado familiar, não podendo este ser superior a 1.989,30 euros. São fixados cinco escalões de rendimento associados a montantes que variam entre os 32,28 e os 130,62 euros. No que se refere à majoração do abono de família, é necessário igualmente fazer prova de rendimentos do agregado familiar, em que a duplicação do abono levará a montantes que oscilam entre os 21,52 e os 65,30 euros e a triplicação a verbas que oscilam entre os 32,28 e os 97,95 euros.

Para as grávidas e famílias que preencham os requisitos impostos para aceder a estas prestações sociais, elas representam seguramente uma ajuda mas é evidente o carácter limitado e residual destas medidas no apoio à maternidade e na garantia de direitos de protecção social às crianças e aos jovens. E, sobretudo, são ineficazes no incentivo à maternidade e paternidade. No âmbito da segurança social, o incentivo à natalidade passa por medidas de efectiva protecção social da maternidade e paternidade dos trabalhadores e dos cidadãos a partir do primeiro filho, já que dos três milhões de agregados familiares a grande maioria das famílias tem um número médio de 1 e 2 filhos, constituindo os núcleos familiares com três filhos 5,2% do total, com 4 filhos 1,2% e com 6 cerca de 0,6%.

Quanto à aposta no investimento em equipamentos sociais de apoio à infância, anunciada pelo Governo, é mais uma enorme mistificação que pretende esconder a opção pela destruição do que resta de rede pública e dar lugar à privatização dos equipamentos sociais que, dependendo de um forte investimento público, se salda pelo aprofundamento das desigualdades de acesso para os filhos das classes trabalhadoras.

Ser mãe e ser pai com direitos - as propostas do PCP

Mas uma verdadeira preocupação com a protecção da maternidade e da paternidade e de incentivo ao nascimento de mais crianças não se coaduna com o sentido destas propostas, nem tão pouco com a forte ofensiva aos direitos laborais, bem patentes na imposição de um caminho de desregulamentação das relações laborais, da generalização da precariedade laboral e do desemprego e de crescente limitação no exercício dos direitos de maternidade nos locais de trabalho.

O sentido destas políticas de natalidade serve exclusivamente a política de direita, a concentração da riqueza e a privatização das funções sociais do Estado, obrigando a uma intervenção no sentido de exigir o respeito pela função social da maternidade e paternidade, expressa na Constituição da República.

A salvaguarda da função social da maternidade e da paternidade implica necessariamente a adopção de políticas de família que desincentivem a perpetuação de modelos assentes na tradicional divisão de papéis entre mulheres e homens no trabalho e na família que sustentam a privatização das funções sociais do Estado (de que é exemplo a falta de uma adequada rede pública de creches e jardins de infância) e que pretendem centrar na mulher e na família a integral responsabilidade na renovação das gerações. 

Implica ainda a necessária revalorização dos salários, garantindo salários justos aos trabalhadores e trabalhadoras, reforçando a protecção no emprego e a criação das condições para que todos possam exercer os seus direitos laborais.

Importa, igualmente o reforço dos direitos de protecção social, designadamente através do Sistema de Segurança Social na protecção da maternidade e da paternidade envolvendo toda a sociedade. 

São estes motivos que se vêm de aduzir que fundamentam o presente Projecto de Lei. A maternidade e paternidade conscientes devem ser protegidas, nomeadamente através do acautelamento do seu pleno exercício nos casos em que a mulher grávida não exerce qualquer profissão nem tem meios para o sustento da criança que irá nascer. Desta forma, garante-se o acesso às necessidades mais básicas para que, num prazo idêntico às mães e pais trabalhadores, se possa prover a um sustento mínimo da criança.

Equipara-se o valor do subsídio social a 50% do Indexante dos Apoios Sociais, correspondendo ao limite mínimo para o subsídio de maternidade (€203,71 para 2008), garantindo-se a sua atribuição por 150 dias, que cessará em caso de início de exercício de actividade laboral.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo-assinados do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte:      

 

PROJECTO DE LEI

Artigo 1º
Objectivo e âmbito

1 - O presente diploma define e regulamenta a protecção social nas situações de gravidez, maternidade e paternidade aos cidadãos nacionais, estrangeiros e apátridas residentes em que preencham as condições nele previstas.

2 - A protecção social nas situações previstas no número anterior concretiza-se através da atribuição de prestações pecuniárias, e estão integradas no subsistema de solidariedade, do sistema de protecção social e de cidadania do sistema público de Segurança Social.

Artigo 2º
Forma de atribuição das prestações

1 - As prestações pecuniárias concretizam-se na atribuição do subsídio social de maternidade e de paternidade.

2 - As prestações são de montante fixo e de atribuição mensal.

Artigo 3º
Residente

1 - Para efeitos da presente lei, e sem prejuízo do estabelecido em instrumento internacional a que Portugal se encontre vinculado ou de legislação especial aplicável, é considerado como residente:

a) O cidadão nacional que possua domicilio habitual em território nacional;

b) O cidadão estrangeiro, refugiado ou apátrida habilitado com título válido .

2 - Consideram-se, ainda, equiparados a residentes para efeitos de atribuição das prestações previstas neste diploma:

a) Os refugiados ou apátridas portadores de título de protecção temporária válidos;

b) Os cidadãos estrangeiros portadores de títulos válidos de permanência, ou respectivas prorrogações, nos termos e condições, a definir em portaria conjunta dos Ministros de Estado e da Administração Interna, da Presidência e do Trabalho e da Solidariedade Social.

Artigo 4º
Das condições de atribuição das prestações

1 - A atribuição do subsídio social de maternidade e paternidade à mulher depende da verificação cumulativa das seguintes condições:

a) Verificação de situação de desemprego ou procura de 1º emprego;

b) Inscrição no centro de emprego respectivo;

c) Não ser titular de prestações de protecção na eventualidade de desemprego.

2 - A atribuição do subsídio social de maternidade e paternidade ao pai depende da verificação das condições estabelecidas no número anterior do presente artigo, bem como:

a) Da incapacidade física ou psíquica da mãe, enquanto esta se mantiver,

b) Da morte da mãe,

c) De acordo dos pais.

 

 

Artigo 5º
Montante do subsídio

 

O montante do subsídio é de 50% do valor do Indexante dos Apoios Sociais.

 

Artigo 6º
Início da prestação

 

A atribuição da prestação tem início no prazo máximo de 30 dias após o deferimento do respectivo requerimento.

 

 

Artigo 7º
Período de concessão

 

O subsídio social de maternidade e de paternidade é atribuído pelo período de 150 dias.

 

Artigo 8º
Requerimento

 

As prestações devem ser requeridas pelos beneficiários no prazo máximo de 6 meses a contar do facto determinante da protecção.

 

Artigo 9º
Meios de prova

 

1 - Os factos determinantes da atribuição dos subsídios são declarados pelo beneficiário no requerimento, o qual deve ser acompanhado dos respectivos documentos comprovativos, designadamente:

            a) Declaração dos estabelecimentos ou serviços de saúde;

            b) Certidão do registo civil;

            c) Comprovativo de inscrição no centro de emprego.

2 - Durante o período de concessão dos subsídios, os beneficiários são obrigados a comunicar à instituição de segurança social que os abrange qualquer facto susceptível de determinar a sua suspensão ou cessação, nos cinco dias úteis subsequentes à data do mesmo.

 

Artigo 10º
Suspensão do direito

 

1 - O direito às prestações previstas no presente diploma é suspenso se se deixar de verificar a condição de atribuição prevista na alínea a), do número 1 do artigo 4º.

2 - A suspensão do direito prevista no número anterior tem lugar no mês seguinte àquele em que a entidade gestora da prestação teve conhecimento dos factos determinantes.

 

Artigo 11º
Cessação

 

1 - O direito às prestações previstas no presente diploma cessa quando deixar de se verificar algum dos condicionalismos que não dê lugar à suspensão.

2 - Os efeitos da cessação reportam-se ao início do mês seguinte àquele em que deixarem de se verificar os condicionalismos previstos no número anterior.

 

Artigo 12º
Não cumulabilidade de prestações

 

As prestações concedidas ao abrigo do disposto neste diploma não são cumuláveis com rendimentos de trabalho ou prestações de subsídio de desemprego.

 

 

Artigo 13º
Alteração à Lei n.º4/2007, de 16 de Janeiro

 

1 - Os artigos 38º e 41º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, passam a ter a seguinte redacção:

 

"Artigo 38º
Âmbito material

 

1 - ...

a) ...;

b) Maternidade e paternidade;

c) Anterior alínea b);

d) Anterior alínea c);

e) Anterior alínea d);

f) Anterior alínea e).

 

2 - ...

3 - ...

 

Artigo 41º
Prestações

1 - ...

            a)...;

            b) Subsídio social de maternidade e paternidade;

            c) Anterior alínea b);

            d) Anterior alínea c);

            e) Anterior alínea d);

            f) Anterior alínea e);

            g) Anterior alínea f).

2 - ..."

Artigo 14º
Regulamentação e entrada em vigor

 

1 - O Governo regulamentará a presente lei no prazo máximo de 90 dias após a sua publicação.

2 - A presente lei entra em vigor com a aprovação Orçamento de Estado posterior à sua publicação.

 

 

 

 

Assembleia da República, em 12 de Fevereiro de 2008

 



[1] Projecto de Lei n.º 226/X, discutido em sessão plenária de 3/04/2007 pelo PS, PSD e CDS-PP.

[2] Carta Reivindicativa da IV Conferência sobre Mulheres e Homens da CIMH da CGTP - "Garantir a Igualdade, Agir para Mudar".

[3] Ver Diário da Assembleia da República, I Série, 68 X/2, de 04/04/2007.

[4] Fonte: Instituto Nacional de Estatística

[5] Fonte: Estatísticas da Segurança Social

[6] Fonte: INE - estatísticas do desemprego - 3º trimestre de 2007

[7] Fonte: Livro Branco das Relações Laborais, Novembro 2007

[8] Discurso do primeiro-ministro José Sócrates na Assembleia de República a 20 de Setembro de 2007

[9] Decreto -Lei n.º 308-A/2007, de 16 de Janeiro