I - Os
acontecimentos nos países socialistas e suas repercussões
A
vida internacional no período decorrido desde o XII Congresso do
Partido, realizado em Dezembro de 1988, foi abalada por crises
profundas e tumultuosas numa série de países socialistas da Europa,
de que resultaram processos ainda em curso de radicais transformações
políticas, económicas e sociais.
Torna-se
indispensável não só analisar o que representam tais crises e
transformações no presente como também examinar as suas causas,
tirar a experiência dos factos, procurar discernir as suas
consequências e o sentido da evolução futura, definindo objectivos
e linhas de actuação que correspondam às exigências da nova
situação que o mundo vive na actualidade.
A
complexidade de uma situação que compreende quase um século de
história, processos variados ainda em curso com alto grau de
instabilidade e indeterminação, a apreciação da evolução
mundial e as incertezas das suas perspectivas, exigirá sem dúvida
análises aprofundadas de amplitude universal e não permite que se
tenham por conclusões definitivas os resultados das análises a que
actualmente se proceda.
Dos
acontecimentos na União Soviética e outros países socialistas os
propagandistas do imperialismo, sectores da social-democracia e
capitulacionistas no seio do movimento comunista procuram tirar a
conclusão de que tais acontecimentos significam que o socialismo é
um projecto que faliu e deixou de ter quaisquer perspectivas futuras
e que o capitalismo não só mostra ser superior ao projecto
socialista como é o único sistema capaz de assegurar a solução
dos problemas da Humanidade.
O
PCP procede à sua análise com uma óptica necessariamente
diferente: procurar alcançar um conhecimento mais rigoroso do mundo
contemporâneo, da evolução da sociedade, das experiências e
ensinamentos dos factos, considerando que os trabalhadores e os
povos, nomeadamente a classe operária, os trabalhadores e o povo de
Portugal necessitam de definir com acerto os seus objectivos, formas
e métodos de acção, a fim de prosseguir a luta com confiança em
que as conquistas revolucionárias do nosso século mostram ser
possível transformar a sociedade libertando a humanidade da
exploração e opressão social, política e nacional.
Conquistas
revolucionárias do século XX
Os
acontecimentos impõem que se reexamine o curso percorrido nos países
socialistas.
Tal
reexame exige que se tenha sempre em conta as realidades de cada
momento histórico, abordando com verdade, rigor e objectividade não
só as situações, orientações e práticas negativas, agora
colocadas em relevo, mas também as grandes conquistas alcançadas
pelo socialismo em curtos prazos e num contexto internacional por
vezes extremamente desfavorável. Uma visão objectiva do socialismo
não pode desligar-se também da realidade coexistente do
capitalismo, do sistema mundial do imperialismo, o qual, mesmo onde e
quando possa apresentar índices paralelos de superioridade,
evidencia ao longo do século e na actualidade o seu intrínseco
carácter explorador e anti-humano. Também por isso, as deformações
e fenómenos negativos, justamente condenados, não podem apagar as
históricas realizações económicas, sociais, políticas,
científicas e culturais da classe operária e dos povos da URSS e
outros países socialistas nem o papel decisivo que, com o seu
exemplo revolucionário e activa solidariedade, desempenharam, a par
do movimento operário e do movimento de libertação nacional para a
radical transformação da sociedade humana no decurso do século XX.
De
facto, no curso do século, a partir da revolução de Outubro de
1917, a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos alcançou
vitórias de significado e alcance mundial. Em numerosos países,
pela primeira vez depois de milénios de sociedades baseadas no
antagonismo de classes exploradoras e classes exploradas, os povos
lançaram-se à construção de uma nova sociedade sem exploradores
nem explorados - a sociedade socialista. Nos países capitalistas o
movimento operário teve grande desenvolvimento e os trabalhadores
alcançaram pela sua luta valiosas conquistas democráticas.
Desmoronou-se o odioso sistema mundial do colonialismo, com a
conquista da independência por povos explorados e oprimidos por
vezes secularmente. Nas transformações revolucionárias da
sociedade humana no século XX, a luta dos povos, factor
determinante, contou com o estímulo do exemplo, a ajuda
internacionalista - política, diplomática, material, militar e
humana - da URSS e de todo o campo socialista. O capitalismo foi
obrigado a recuos e concessões na sua política interna e externa
pela força das ideias, das realizações e da presença na vida
internacional do mundo socialista. Pactos internacionais consagraram
juridicamente como património histórico do século XX direitos
sociais, económicos e melhorias conquistadas com o socialismo. Estes
acontecimentos representam factos inquestionáveis e um salto
qualitativo na história.
Contrapondo
a verdade histórica à propaganda que pretende negar e apagar as
realizações alcançadas nos países socialistas, é necessário e
oportuno lembrar que, partindo em geral de um baixo nível de
desenvolvimento, sofrendo enormes destruições provocadas pela
guerra, sujeitos ao bloqueio económico e à «guerra-fria»,
obrigados a desviar para a esfera da defesa recursos colossais, ao
mesmo tempo que prestavam apreciável ajuda material aos povos em
luta, de uma forma geral os países socialistas conseguiram dotar-se
de uma base industrial considerável e desenvolver com rapidez a
agricultura, crescendo a ritmos económicos muito superiores aos da
Europa capitalista; venceram rapidamente o analfabetismo,
generalizando a instrução, a cultura, o desporto; alcançaram
elevado nível científico-técnico; asseguraram uma vasta rede de
saúde pública e de segurança social; eliminaram o flagelo do
desemprego; promoveram em alguns casos o desenvolvimento de uma
cultura e identidade nacionais próprias; puseram em prática, em
alguns casos e períodos, formas de democracia participativa de
grande valor.
Necessário
se torna também sublinhar que a URSS deu uma contribuição decisiva
e sem paralelo para libertar a Europa do nazi-fascismo e, em conjunto
com outros países socialistas, para a defesa da paz mundial nos
últimos 45 anos.
Os
erros, atrasos e graves desvios do ideal comunista e crises surgidas
em determinado momento do desenvolvimento dos países socialistas não
põem em causa estas verdades históricas.
O
processo revolucionário ao longo do século está marcado por
vitórias e derrotas, por avanços e recuos. Muitos dos
acontecimentos verificados e que se estão a verificar em alguns
países da Europa de Leste representam graves derrotas para o
socialismo. Mostram que o processo de edificação da nova sociedade
é mais difícil, complexo e demorado que o previsto e que a sua
realização se tem desenvolvido e continuará a desenvolver-se por
tempo indeterminado no quadro de uma aguda competição (económica,
política, ideológica, militar) com o capitalismo, o que afecta
inevitavelmente a própria dinâmica do desenvolvimento do
socialismo, tanto mais que o capitalismo manteve a supremacia
económica a nível mundial. Mostram que se registou excessiva
confiança na irreversibilidade dos processos de construção do
socialismo, no processo revolucionário mundial. Mostram que a
rigidez e cópia mecânica de objectivos e métodos, com subestimação
e mesmo afrontamento da vertente democrática do socialismo,
afectaram e comprometeram a construção da nova sociedade. Mostram
que se subestimou a necessidade e dificuldade de formação de uma
consciência socialista. Mostram que não se avaliaram devidamente a
capacidade e a possibilidade do capitalismo para subsistir por um
mais largo período e conseguir nos países mais desenvolvidos (com a
revolução científico-técnica e as novas tecnologias associadas a
novas formas de exploração) um desenvolvimento das forças
produtivas que se julgava mais entravado pelas relações de produção
capitalistas. Mas o ideal comunista da construção da nova sociedade
mantém a sua validade e o imperialismo, na sua forma contemporânea,
adquire novos traços (nomeadamente pela sua crescente
internacionalização) mas não mudou a sua natureza exploradora e
agressiva nem superou as suas mais profundas contradições.
Ao
longo do século XX, o capitalismo mergulhou o mundo em duas guerras
mundiais que provocaram dezenas de milhões de mortos, criou armas
nucleares que lançou contra cidades indefesas (Hiroshima e
Nagasaki), desencadeou numerosas guerras de agressão, guerras civis,
intervenções armadas, conspirações e golpes de Estado,
instauração e prolongada permanência de ditaduras fascistas e
reaccionárias. A história do capitalismo ao longo do século XX
está marcada pela exploração e opressão sociais da maioria da
população do planeta. É uma história de guerras, violência e
terror. O capitalismo, cuja dinâmica é baseada no lucro e assenta
na exploração dos trabalhadores, não se libertou das crises
cíclicas, fazendo pagar caro aos trabalhadores e povos dos países
desenvolvidos o custo da reestruturação do aparelho produtivo
(desemprego, precarização do trabalho, cortes sociais, aumento da
pobreza, etc.) e submetendo a um verdadeiro saque os países
subdesenvolvidos (juros da dívida, dividendos, troca desigual,
etc.). O sistema capitalista não se confina a alguns países mais
desenvolvidos, abarca os países do Terceiro Mundo que lhe estão
submetidos por laços coloniais e neocolonialistas. Como sistema
mundial é responsável pela situação catastrófica de fome,
miséria, doença, analfabetismo, subdesenvolvimento e mesmo
retrocesso em que se encontram povos inteiros, revelando a natureza
intrinsecamente injusta do imperialismo. O capitalismo é responsável
directo pelos perigos de hecatombe nuclear; é o maior responsável
pelo agravamento dos principais desequilíbrios ecológicos e outros
problemas globais, assim como pela degradação de valores éticos,
pelo alastramento da alienação consumista, dos flagelos da droga,
da marginalidade, da violência. O capitalismo na actualidade, tal
como o revelou ao longo do século, confirma a sua incapacidade, como
sistema, de resolver os grandes problemas da humanidade.
O
imperialismo, sobretudo o imperialismo norte-americano, apoia em todo
o mundo as forças mais reaccionárias, rapina as riquezas naturais,
estrangula financeiramente os países menos desenvolvidos, mantém
uma poderosa rede de bases militares em território estrangeiro e,
limitado embora pela correlação de forças, organiza e estimula
golpes de Estado, sabota a solução política dos conflitos
regionais, desencadeia agressões e intervenções militares contra
países independentes, recorre mesmo ao terrorismo de Estado.
Em
confronto com o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo
desenvolveu-se e desenvolve-se uma intensa luta social e política
envolvendo no mundo milhões de combatentes pela liberdade, a
democracia, o progresso social, a independência nacional, a paz e o
socialismo.
No
curto período decorrido desde o XII Congresso, se por um lado se
verificaram recuos e derrotas do processo revolucionário, por outro
lado verificaram-se (designadamente em Angola, na Namíbia, na África
do Sul, no Chile, no Afeganistão, na Palestina, no Nepal) avanços e
vitórias das forças anti-imperialistas, das forças da democracia,
do progresso e da independência nacional.
Na
evolução mundial surgem entretanto novas motivações, necessidades
e formas de relacionamento que exigem uma cooperação que ultrapassa
as contradições - que subsistem - de sistemas e classes. Na
actualidade colocam-se graves problemas globais que afectam toda a
humanidade, desde logo a própria sobrevivência do género humano
perante a ameaça de um holocausto nuclear, a preservação do meio
ambiente e dos recursos naturais, a eliminação da fome, da doença,
do subdesenvolvimento. À entrada do novo século cresce a
consciência de que estes problemas globais só podem ser resolvidos
conjugando os esforços de todos os países e desenvolve-se a luta
para que governos e Estados busquem, não pela via do confronto que
conduz ao desastre, mas pela via do desanuviamento e da cooperação
internacional, a solução para estes problemas de toda a Humanidade,
de forma a que se assegure às gerações vindouras um Planeta onde
os homens entre si e o Homem e a natureza se relacionem
harmoniosamente.
Marcado
por vitórias dos trabalhadores e dos povos de todos os continentes
ao longo do século XX, e evidenciando o papel determinante das
massas populares na evolução social, o mundo no limiar do século
XXI é radicalmente diferente e melhor que o mundo do início do
século. O processo de libertação social e nacional dos povos é
irregular, complexo e demorado. Mas constitui o sentido fundamental
da época contemporânea.
A
perestroika na União Soviética
A
perestroika na União Soviética e os acontecimentos e mudanças
profundas noutros países socialistas da Europa evidenciaram que
existia uma crise latente - económica, social, política, cultural,
ideológica, moral, nacional e partidária - cujas causas
fundamentais na sua totalidade é e será imperioso estudar, mas
entre as quais se podem já discernir com segurança não só o
esgotamento de soluções anteriores (designadamente no plano da
economia) como, sobretudo, apreciações, orientações e práticas
contrárias ao ideal comunista.
As
situações em desenvolvimento tornaram objectivamente indispensável
e mesmo inevitável o decidido abandono de um «modelo» que, com um
conjunto de erros e deformações, contrariou e se afastou de valores
essenciais do socialismo, a superação de grandes atrasos e medidas
de renovação e reestruturação em todas as esferas da vida dos
países respectivos.
Na
União Soviética, a perestroika (reestruturação), confirmando as
potencialidades libertadoras e a capacidade de auto-renovação do
sistema socialista, foi empreendida e é conduzida pelo Partido
Comunista no poder, tendo como declarado objectivo revolucionário a
defesa, o reforço, a reestruturação e a renovação criativa da
sociedade socialista.
O
PCP, desde a primeira hora, assumiu uma atitude solidária para com o
PCUS e o povo soviético na realização da perestroika, considerando
os seus objectivos essenciais: a correcção e superação de erros,
atrasos e estagnação, nomeadamente com a firme condenação de
métodos de comando burocrático, de abuso do poder, de violação da
legalidade, de privilégios, de corrupção e deterioração moral; o
restabelecimento do exercício efectivo do poder político pelo povo,
designadamente através da reconstituição do poder dos sovietes; a
democracia no Estado, no partido e na sociedade; a aceleração do
desenvolvimento sócio-económico e a plena satisfação das
necessidades crescentes do povo, em correspondência com as
potencialidades do sistema socialista.
Ao
mesmo tempo, o PCP expressou e expressa as suas preocupações por
situações, acontecimentos e processos negativos surgidos no decurso
da perestroika, designadamente as dificuldades económicas até hoje
não resolvidas, os agudos conflitos étnicos e a erupção e
desenvolvimento, à sombra da perestroika e invocando a perestroika,
de forças anti-socialistas e nacionalistas que o imperialismo, as
forças da direita e elementos oportunistas apresentam como as forças
motoras do que alegam ser a perestroika e às quais manifestam
simpatia e apoio. O desenvolvimento e actuação dessas forças, as
dificuldades e lentidão na concretização de alguns dos objectivos
fundamentais da perestroika e a insuficiente acção das massas
trabalhadoras e populares, encabeçadas pelo PCUS, criam obstáculos
e perigos reais ao socialismo que não devem ser subestimados e
causam legítimas preocupações.
A
vitória da perestroika na União Soviética-ultrapassando
resistências, obstáculos e dificuldades, impedindo o
desenvolvimento de forças contra-revolucionárias, bem como a
resistência de sectores atingidos pela reestruturação,
aprofundando a intervenção popular, defendendo e assegurando na
prática o papel dirigente do PCUS, concretizando os seus objectivos
revolucionários fundamentais - é do interesse vital não apenas dos
povos da URSS mas dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo. A
vitória da perestroika dará um novo impulso histórico ao
desenvolvimento da sociedade socialista e à criação de um mundo de
paz, segurança, progresso e justiça social para toda a Humanidade.
Recuperará na consciência e na opção dos povos a exultante
atracção do socialismo e do comunismo.
O
PCP é activamente solidário para com o PCUS e os povos da URSS na
luta pela renovação e reestruturação da sociedade na base das
conquistas históricas do socialismo e dos avanços da ciência e da
técnica e o seu enriquecimento com novos valores políticos,
económicos, sociais, culturais, morais e humanos correspondentes ao
ideal libertador dos comunistas.
A
crise noutros países socialistas da Europa
As
mudanças radicais da situação política verificada noutros países
socialistas da Europa resultaram de situações de profunda crise
gerada por orientações e práticas que se afastaram dos objectivos,
métodos e valores do ideal comunista.
Contradições
entre os órgãos do poder político centralizado e o povo; entre a
organização e a gestão da economia, o desenvolvimento económico e
o melhoramento das condições de vida; entre a direcção do partido
e o partido e entre o partido e o povo; contradições aprofundadas
com o abuso do poder e situações de privilégio e de corrupção -
agravaram-se ao longo dos anos e conduziram a inevitáveis rupturas,
a extraordinária instabilidade e a processos descontrolados de
evolução social e política cuja conclusão é ainda difícil de
prever.
Os
partidos comunistas no governo em diversos países da Europa de Leste
- ainda mais que o PCUS - prolongaram a situação, atrasaram-se no
reconhecimento da realidade e nas reformas e viragens indispensáveis
na orientação do Estado e do partido, isolaram-se progressivamente,
provocaram amplo descontentamento e perderam o crédito e o apoio que
justamente antes haviam alcançado como resultado da sua luta.
As
mudanças radicais da situação e dos processos em curso oferecem
traços comuns mas oferecem também traços distintos. Em alguns
casos, os partidos comunistas, substituindo os dirigentes e
empreendendo drásticas reformas no partido, no governo, no Estado e
na política do país, procuraram novos caminhos para a saída da
crise, sem deixarem de desempenhar importante papel na
reestruturação. Noutros casos, os partidos comunistas perderam
completamente a iniciativa e o controlo da situação e foram
ultrapassados por forças que rapidamente se desenvolveram com largo
apoio nas populações e que passaram a ter representação
determinante nas instituições e na política dos países
respectivos.
Com
o acesso ao poder (em alguns casos em posição dominante) de forças
anti-socialistas, as atitudes oportunistas capitulacionistas em
alguns partidos e a alteração radical da correlação de forças,
as situações desenvolveram-se em alguns países não no sentido de
uma nova política para a construção do socialismo mas no sentido
do abandono (por vezes proclamado) do projecto socialista e da
adopção, na organização económica, na organização política do
Estado, no novo quadro partidário, assim como nas relações
externas, de orientações contrárias aos interesses dos
trabalhadores e do povo e tendentes à restauração do capitalismo.
Tornava-se
imperativa uma profunda reestruturação e modernização da
economia. Mas a realização de privatizações que poderão atingir
larga escala em sectores determinantes, a orientação súbita e não
ponderada para uma «economia de mercado», à qual não pode dar
resposta uma organização demasiado centralizada e ainda
burocratizada do aparelho produtivo, a admissão do capital
estrangeiro em importantes alavancas da economia, a aceitação de
imposições do FMI, uma política de preços e salários com vista à
diminuição dos salários reais, a admissão do desemprego maciço
como solução de problemas económicos de empresas, as limitações
dos direitos dos trabalhadores, designadamente em empresas dominadas
pelo capital estrangeiro - acusam orientações e medidas que não
apontam para novos caminhos de construção do socialismo.
Tornava-se
imperativa uma profunda reestruturação e democratização do Estado
e da vida social. Mas a falta de iniciativa política, a fragilidade
ideológica, as divisões internas nos partidos comunistas no poder,
a influência de elementos oportunistas e carreiristas no aparelho de
Estado e do Partido, a reduzida ou nula participação directa dos
trabalhadores e das massas populares nas decisões, a irrupção de
forças nacionalistas e anti-socialistas, a cópia mecânica de
experiências de países capitalistas e o alastramento de ilusões
acerca das «sociedades de consumo» facilitaram o desenvolvimento
agressivo de forças contra-revolucionárias e o seu acesso ao poder,
pondo em causa a democratização do Estado e da sociedade numa
perspectiva socialista.
Tornava-se
imperativa uma profunda rectificação e mudança da vida partidária.
Mas em partidos comunistas no poder, sob o impacto da derrota, que em
alguns casos atingiu o grau de desagregação e do descalabro,
desenvolveram-se tendências contraditórias nas quais se podem
discernir duas predominantes: a daqueles camaradas que, na complexa
situação criada, procuram soluções com vistas a salvarem e
prosseguirem a perspectiva do socialismo; e a daqueles que consideram
que o socialismo faliu e, a par de soluções de tipo capitalista no
plano do Estado, se pronunciam por soluções do tipo
social-democrata no plano político e do partido.
Graves
crises atingiram os partidos no poder, com o aparecimento de divisões
internas, mudanças sucessivas de orientação que desarmaram os
militantes, saídas em massa de membros do partido. Dirigentes
acusados de erros graves, corrupção, abuso do poder, são
substituídos, afastados, em alguns casos incriminados, até
fuzilados. Partidos mudam de nome, abdicam de actuação nas empresas
e locais de trabalho, rejeitando alguns não apenas os erros e
deformações verificadas mas o seu património histórico positivo,
as suas efectivas realizações revolucionárias e mesmo a sua
ideologia. Alguns proclamam-se como partidos de orientação
social-democrata.
Explorando
a situação de profundas crises nos países socialistas,
designadamente o descontentamento e a agitação popular, a
instabilidade dos governos e estruturas estatais, as derrotas dos
partidos comunistas, as dificuldades económicas (em especial a
desorganização e penúria do abastecimento e o endividamento
externo), os conflitos étnicos, o imperialismo ingere-se abertamente
nos assuntos internos desses países e põe em acção todos os seus
instrumentos (designadamente FMI, Banco Mundial, política da CEE,
NATO, partidos burgueses, comunicação social, serviços secretos)
para influenciar em seu favor o curso dos acontecimentos.
Organizações religiosas e nacionalistas dão suporte a actuações
partidárias. São particularmente chocantes as ingerências de
forças políticas e económicas estrangeiras nas eleições daqueles
países.
O
imperialismo desenvolve não apenas uma frenética campanha política
e ideológica a nível mundial, mas uma acção concertada com
iniciativas de carácter económico, diplomático e político de
grande alcance, visando desenvolver nesses países as forças
anti-socialistas, reforçar as suas posições no poder, difundir os
seus valores, implantar posições das multinacionais em
sectores-chave da economia e na comunicação social e aprofundar os
laços de dependência desses países em relação ao imperialismo.
Vendo nos países socialistas europeus importantes mercados
potenciais e terreno para colocação de capitais, o imperialismo
actua com rapidez. Tenta assim impedir a saída da crise numa
perspectiva socialista e encaminhar esses países, segundo a
propaganda do capitalismo, para «a transição pacífica do
socialismo para o capitalismo». Causa preocupação a tolerância
para com a ingerência imperialista.
A
situação criada adquire extrema gravidade, instabilidade e
incerteza quanto à evolução desses países. Esta dependerá não
apenas de factores políticos mas da evolução que vier a
verificar-se nas estruturas sócio-económicas. Nesses países já há
muito são dominantes as relações de produção socialistas na
economia nacional. A possibilidade de ultrapassar a crise na
perspectiva de uma sociedade socialista renovada pela democracia
política está em alguns casos comprometida e depende em última
instância da capacidade de impedir a tomada do poder económico pelo
capital privado, seja pelo seu renascimento através da rápida
acumulação alcançada com a especulação seja a partir de posições
crescentes e dominantes da banca mundial e das multinacionais e dos
laços da dependência política, diplomática e económica em
relação aos países capitalistas mais desenvolvidos. Depende também
da capacidade dos comunistas, em aliança com outras forças
progressistas, de recuperarem a confiança e o apoio de massas para a
defesa das conquistas do socialismo e para o ideal comunista.
O
desmantelamento das realidades objectivas do sistema socialista e a
sua substituição por relações capitalistas, com as injustiças e
chagas sociais que lhe são inerentes, não será um processo fácil.
A vida demonstrou que não é fácil a passagem do capitalismo ao
socialismo. A vida demonstrará que a inversa também é verdadeira,
e mais ainda porque se trataria não de um progresso mas de um
retrocesso histórico. Na evolução futura desses países, e
nomeadamente na consciência social desses povos, não deixarão de
pesar as conquistas do socialismo. As massas populares, em primeiro
lugar os trabalhadores, as mulheres, os jovens, não deixarão de se
unir, organizar e lutar em defesa de importantes direitos e
benefícios sociais e com eles os comunistas, mantendo sempre a
perspectiva do socialismo.
Causas
fundamentais
Torna-se
indispensável e urgente uma primeira investigação das causas
internas das crises registadas, da gravidade dos erros e das
situações, das vertiginosas mudanças, das derrotas verificadas no
processo de construção da sociedade socialista.
Na
sequência de análises anteriormente realizadas e sujeitas a
desenvolvimento e aprofundamento ulterior, considera-se que, primeiro
na URSS e depois numa série de países socialistas se vieram a
infringir cinco características fundamentais de uma sociedade
socialista em construção e que se instituíram cinco traços
negativos que estando inter-relacionados, se encontram na origem das
gravíssimas crises verificadas.
1ª
O
poder dos trabalhadores, o poder popular,
foi sempre considerado e afirmado como fundamental na revolução
socialista e na construção da sociedade socialista. «Todo o poder
aos sovietes de operários, camponeses e soldados» foi uma consigna
fundamental da revolução de Outubro e da democracia socialista e
realidade nos primeiros tempos da revolução.
Verificou-se
entretanto que com a consolidação do Estado socialista, seja por
condições externas extremamente desfavoráveis que conduziram a uma
forte centralização da direcção da vida económica, social e
política, seja por graves tendências e erros na direcção do
partido e do Estado, seja ainda porque o poder não controlado,
sobretudo em casos de partido único, abriu fácil caminho ao abuso e
ao arbítrio, verificou-se uma crescente degradação do carácter
popular do poder. O poder popular efectivo foi sendo substituído por
um poder político fortemente centralizado, paternalista, cada vez
mais afastado das aspirações, opinião e vontade do povo,
subtraindo-se cada vez mais ao controlo popular, tomando decisões de
carácter predominantemente administrativo, frequentemente arbitrário
e repressivo, e afastando efectivamente os trabalhadores e o povo do
poder, da intervenção nas decisões e consequentemente do
empenhamento na realização da política do país.
2ª
A
democracia na sociedade socialista
foi sempre considerada e afirmada como superior à democracia
existente nos Estados capitalistas. É indubitável que, na
construção do socialismo, se deram transformações democráticas
de alcance e significado histórico nas esferas económica, social,
cultural e científica e, em alguns aspectos e períodos, também no
domínio político.
Verificou-se
entretanto que a democracia política veio a sofrer graves limitações
não apenas no que respeita ao exercício do poder, mas no que
respeita a liberdades e direitos dos cidadãos, à democraticidade
das eleições, ao direito de associação, ao direito de informação,
ao respeito pelo valor e intervenção do indivíduo, à afirmação
da opinião diversificada. Acentuou-se progressivamente em alguns
países o carácter repressivo do Estado, a infracção da
legalidade, a ausência ou inoperância de mecanismos de controlo do
uso do poder, o definhamento da participação de massas e o
estiolamento da sua criatividade.
3ª
Foi sempre considerado e afirmado como fundamental na construção da
sociedade socialista a
propriedade social dos principais meios de produção, colocados ao
serviço dos interesses do povo e do país, libertados da propriedade
privada, dos interesses dos capitalistas
e dos entraves ao desenvolvimento provocados pelas relações de
produção capitalistas, complementada por outras formações
económicas em áreas diversas da produção; da distribuição e dos
serviços, assegurando a aplicação das conquistas da ciência e da
técnica e implicando em qualquer caso a participação empenhada e
criativa dos trabalhadores e a criação de condições de vida do
povo radicalmente melhores.
Verificou-se
entretanto que, em numerosos casos, a edificação de uma economia
socialista foi concebida e realizada com uma centralização
excessiva da propriedade estatal, da planificação, das unidades
económicas e da gestão, por vezes com a eliminação de outras
formas de propriedade e de gestão mais adequadas, com decisões
tomadas a grande distância e transmitidas e impostas por um
vastíssimo, pesado e rotineiro aparelho burocrático, sem ter em
conta a necessária participação dos trabalhadores na gestão das
empresas, nem considerando o papel do mercado na economia e na
política económica. Com a violação do princípio do socialismo
«de cada um segundo as suas capacidades a cada um segundo o seu
trabalho», geraram-se tendências igualitaristas que desincentivaram
o empenhamento e a produtividade dos trabalhadores, surgiram
elementos de distanciamento e desinteresse dos trabalhadores em
relação à propriedade social. De tudo isto vieram a resultar
fenómenos de estagnação das forças produtivas, atrasos nos
progressos tecnológicos, economia paralela, desequilíbrios
económicos e sociais, produção decidida sem ter em conta as
exigências quantitativas e qualitativas do mercado e não
correspondendo em numerosos aspectos às crescentes necessidades e
exigências do consumidor.
4ª
O
papel dirigente do Partido Comunista, como vanguarda dos
trabalhadores e força política dirigente da revolução socialista
foi também considerado como fundamental na construção da sociedade
socialista.
Verificou-se
entretanto que numa série de países a direcção do partido (em
alguns casos apenas um circulo restrito de dirigentes e mesmo um
dirigente individualmente), veio a abafar a vida democrática interna
do partido, instalando um sistema de centralismo burocrático,
adoptando um sistema de imposição administrativa das suas decisões.
Enfraqueceu-se o trabalho colectivo e desenvolveu-se o culto da
personalidade. Confundiram-se e fundiram-se as funções e estruturas
do Partido e as do Estado, com uma intervenção dirigista
omnipresente do Partido em todas as instâncias do Estado, em
prejuízo não só do exercício das funções próprias dos órgãos
estatais como também em detrimento da acção militante política e
ideológica do Partido na sociedade. Alargou-se tal «estilo»
dirigista às relações com organizações de massas, nomeadamente
reduzindo em grande parte o papel dos sindicatos a meros apoiantes da
gestão económica e da direcção centralizada. Assim se desvirtuou
o papel de vanguarda do Partido, conduzindo-o, e ainda mais os seus
dirigentes, a um crescente afastamento dos trabalhadores e das massas
populares, à perda do seu apoio, a uma crise de confiança no
Partido e nos ideais do socialismo que minou os fundamentos do seu
papel dirigente.
5ª
Foi considerado na construção da sociedade socialista o
importante papel desempenhado pela teoria, tanto para possibilitar o
rigor das análises e orientações do Partido e do Estado, como para
a intervenção dinâmica e criativa das massas quando ganhas pela
teoria.
Verificou-se
entretanto que o marxismo-leninismo veio a impôr-se, não tanto
pelos grandes desenvolvimentos teóricos efectivamente ocorridos nos
mais variados ramos do conhecimento, mas mais como doutrina do
Estado. O marxismo-leninismo foi frequentemente dogmatizado e
instrumentalizado para justificar práticas ultrapassadas, aberrantes
ou especulações desligadas da análise concreta das situações
concretas, conduzindo à sua vulgarização apologética e
consequente incapacidade de conhecer com rigor científico e espírito
dialético vários domínios da realidade, incluindo aspectos
importantes tanto do socialismo como do capitalismo. A repetição
escolástica dos clássicos e de conceitos absolutizados não
permitiu encontrar respostas criativas para as novas situações e
problemas. A confusão entre informação e propaganda e o divórcio
de ambas em relação à realidade, desarmaram os militantes, as
massas e a juventude perante a ofensiva ideológica dos adversários.
As deficiências no campo da teoria assumiram assim uma quota de
responsabilidade em atrasos, erros e deformações verificadas.
Rejeitando
qualquer pretensão para justificar ou minimizar as graves
deformações produzidas em nome do socialismo, considera-se que a
explicação do aparecimento e desenvolvimento destes traços
negativos exige a consideração do contexto histórico em que se
processou a edificação do socialismo, designadamente quanto ao
nível do desenvolvimento existente e à real influência dos
partidos comunistas na altura da revolução, os processos concretos
que levaram os comunistas ao poder e o grau diverso da intervenção
das massas nesses processos, as tradições culturais e democráticas,
as experiências concretas disponíveis da edificação da nova
sociedade, a resistência aposta pela reacção interna e a
hostilidade do imperialismo. A não correcção atempada daqueles
traços negativos veio a despoletar (com o esgotamento da dinâmica
das anteriores formas de desenvolvimento económico, agudizado nos
anos 70 pela incapacidade de aplicar à produção as conquistas da
revolução técnico-científica, e no quadro da competição com o
capitalismo) situações de crise generalizada. Estes processos
históricos exigirão uma investigação dos factos, uma análise
objectiva e conclusões teóricas que a evolução vertiginosa dos
acontecimentos e os interesses e paixões conjunturais não permitem
actualmente realizar com inteiro rigor.
Entretanto,
pode desde já afirmar-se que apesar das diferenças existentes na
situação, nos processos e nas soluções concretas, os cinco traços
negativos apontados eram comuns na URSS e noutros países socialistas
agora convulsionados pela crise. Assim, pode considerar-se que (sem
entretanto esquecer realizações positivas e aspectos positivos da
vida política, económica, social e cultural) esses cinco traços
negativos generalizados por transposições mecânicas de soluções
(copiadas ou impostas) e herdando alguns conceitos e práticas do
estalinismo, caracterizavam como que um «modelo» que os
acontecimentos mostram não só não assegurar como comprometer e
poder conduzir à derrota a construção da sociedade socialista.
Alguns destes traços negativos manifestam-se também, com maior ou
menor gravidade, noutros países socialistas, onde, atendendo antes
do mais às suas situações nacionais específicas, é também
necessário ter em conta as lições desta experiência histórica.
Sendo
parte integrante do movimento comunista internacional, o PCP, num ou
noutro momento e num ou noutro aspecto da sua actividade, partilhou
apreciações nele predominantes sobre a realidade dos países
socialistas e reflectiu concepções nele generalizadas,
designadamente no que respeita a alguns traços negativos. É porém
certo que tanto no seu Programa e projecto próprio, como na sua
prática política e funcionamento interno, o PCP excluiu tais traços
negativos que configuram um «modelo» que significa, não apenas um
afastamento, mas o afrontamento do ideal comunista.
A
necessária informação ao Partido
Aspectos
destas infracções ao ideal comunista eram de há muito considerados
pelo PCP nas suas linhas gerais e excluídos do ideário, do
Programa, da concepção e do funcionamento do Partido e da sua
ligação com as massas.
Não
só de há muito o PCP rejeita a validade de «modelos» de
socialismo e muito menos de um «modelo» único, e da «importação
de modelos», como de há muito a elaboração teórica e a
actividade prática do PCP (tendo em conta as experiências positivas
e negativas de outros partidos) se baseia no exame concreto da
realidade portuguesa.
Muitos
anos antes dos processos actualmente em curso nos países
socialistas, o PCP inscreveu no seu Programa e no seu projecto de
sociedade socialista para Portugal a democracia política,
designadamente os direitos e liberdades dos cidadãos e a admissão
de um sistema multipartidário.
Muitos
anos antes dos processos de transformação dos partidos comunistas
respectivos, o PCP estabeleceu raízes profundas nas classes
trabalhadoras e nas massas populares e a ligação com as massas como
característica fundamental da natureza e acção do Partido; excluiu
da sua vida interna processos e concepções autoritárias e
enriqueceu criativamente o centralismo democrático reforçando a
vertente democrática; desenvolveu teoricamente e aplicou na prática
um novo conceito de direcção colectiva e de trabalho colectivo;
distinguiu a real autoridade da autoridade formal que pode não
corresponder à real; combateu e excluiu da sua prática o culto da
personalidade e a utilização em beneficio próprio ou para obter
privilégios das funções de direcção no Partido e no Estado;
manteve nos quadros dirigentes uma vida modesta e dedicada, de
revolucionários devotados à causa dos trabalhadores e do povo
português e de Portugal. Insuficiências destes aspectos não
invalidam que são eles a realidade essencial definidora do PCP.
Não
eram conhecidas a real dimensão e a gravidade das situações, dos
erros e do abuso do poder revelados pelas crises. Não são
conhecidas aliás ainda hoje com o necessário rigor.
Entretanto,
foi a consciência de orientações e práticas defeituosas e da
necessidade de preveni-las que levou a Direcção do PCP a propor e o
Partido a adoptar orientações diferentes e em muitos casos
inovadoras no movimento comunista internacional. Tal consciência
deveria ter sido suficiente, não só para capacitar a previsão do
Partido da possível gravidade da evolução negativa nos países
socialistas, 0 que não aconteceu, como pelo menos para dar ao
Partido uma clara e explicitada informação dos aspectos
fundamentais das orientações e práticas, que por as considerarmos
contrárias ao ideal comunista, pesaram na definição dos
objectivos, concepções e práticas diferentes do PCP.
Considerando
a solidariedade para com os partidos comunistas, designadamente os
partidos no poder na URSS e outros países socialistas e a abstenção
de críticas públicas recíprocas como um dever internacionalista
durante muitos anos prevalecente no movimento comunista, não
querendo cometer ingerências na vida interna dos partidos irmãos,
assim como não as aceitava de outros partidos na sua própria vida
interna, não se distinguindo (por dificuldades próprias da época)
a crítica sã da ingerência, e sendo certo que, tanto na orientação
e nas posições do PCP como nas conversações realizadas com os
dirigentes desses partidos, o PCP expunha com clareza as suas
reservas e posições - foi um erro tal atitude não ter sido
acompanhada do seu distanciamento público mais explícito nas linhas
programáticas, nas posições políticas e na apreciação da
realidade nos países socialistas.
Sendo
certo que de há muitas décadas o PCP decide da sua orientação com
completa autonomia e independência, com análises e orientações
próprias que lhe conferem um valioso património de experiência
revolucionária e de elaboração política criativa, o PCP deveria
ter acompanhado esta justa orientação com a constante exigência do
mais rigoroso conhecimento das situações e um maior cuidado ao
pronunciar-se sobre os mais variados aspectos da realidade e das
orientações dos partidos dos países socialistas.
Pode
concluir-se que, ao longo dos anos, a Direcção do Partido não foi
suficientemente atenta à situação e não aprofundou
suficientemente o estudo da realidade nos países socialistas, teve
excessiva confiança na informação dos dirigentes dos partidos
respectivos e na superação dos problemas, dificuldades, atrasos e
erros, não teve na devida conta, e por vezes contrariou, informações
e críticas provenientes de outras fontes, incluindo membros do
Partido, e não deu ao Partido elementos de informação e
esclarecimento, o que contribuiu para a criação de uma imagem
idealizada dos países socialistas e não preparou o Partido para a
sua própria luta e para a melhor compreensão do processo
revolucionário no seu conjunto e designadamente da complexidade e
problemas reais existentes na construção da sociedade socialista.
Desta
lição há que tirar os necessários ensinamentos em relação ao
futuro.
Características
essenciais de uma sociedade socialista
As
trágicas experiências dos acontecimentos e crises nos países
socialistas, admitindo que as causas fundamentais são as referidas,
exigem que se sublinhe a importância para o projecto socialista de
algumas lições fundamentais que reforçam aspectos essenciais de
concepções do PCP.
1ª
Na construção da sociedade socialista,
não basta afirmar em palavras o poder do povo, é indispensável que
ele seja institucionalizado, exercido e assegurado de facto.
2ª
Na
construção da sociedade socialista, a democracia política e as
liberdades e direitos dos cidadãos são valores integrantes do
sistema que devem ser inteiramente assegurados, no quadro do Estado
de direito socialista.
3ª
As
estruturas económicas da sociedade socialista,
tendo sempre em conta as condições concretas existentes, assentes
na propriedade social dos sectores básicos e no planeamento, devem
integrar estruturas económicas diversificadas e descentralizadas,
considerar o papel do mercado na actividade económica e na
satisfação das necessidades da população e assegurar sistemas de
gestão caracterizados pela larga e empenhada participação dos
trabalhadores.
4ª
A
democracia interna do Partido
- na qual são elementos essenciais o trabalho colectivo, o carácter
electivo e revogável de qualquer cargo de direcção, a prestação
regular de contas, a institucionalização do controlo efectivo sobre
a actuação dos dirigentes e a ligação constante e profunda com os
trabalhadores e as massas - e
o desenvolvimento criativa da teoria são imprescindíveis na
construção da sociedade socialista e condição para que um partido
comunista possa ser de facto, pelo papel que realmente desempenha e
não por imposição institucional, a vanguarda do povo na construção
da nova sociedade.
A
análise dos gravíssimos acontecimentos nos países socialistas e o
substrato essencial das causas dos insucessos e derrotas verificados
confirmam por um lado a subestimação do valor intrínseco da
liberdade e da democracia política que se verificou na construção
da sociedade socialista, por outro lado o carácter imperativo de que
a lição se inscreva de forma positiva no programa de construção
da nova sociedade.
Na
proposta do PCP ao povo português constante do seu Programa aprovado
no XII Congresso, a democracia política, a democracia económica, a
democracia social e a democracia cultural são características
essenciais e elementos componentes não apenas de uma democracia
avançada no limiar do século XXI como também se incorporam e
desenvolvem no projecto de uma sociedade socialista para Portugal.
As
profundas e dramáticas crises em numerosos países socialistas
evidenciam que a violação ou mesmo o menosprezo da democracia
política conduzem a sociedade socialista a recuos, crises e derrotas
que podem ameaçar a sua própria sobrevivência.
No
socialismo é imperioso assegurar a democracia política tanto na sua
vertente representativa como participativa, sob formas que podem e
devem ser superiores às da democracia burguesa.
Consequências
internacionais
A
perestroika e as mudanças registadas noutros países socialistas têm
profundas
e contraditórias consequências nas relações internacionais, na
luta dos trabalhadores e dos povos e no movimento comunista e
operário.
No
que respeita à defesa
da paz,
é indubitável que os importantes progressos verificados no caminho
do desanuviamento, da segurança e cooperação internacional,
redução dos armamentos e desarmamento, avanço na solução dos
conflitos regionais e na cooperação relativa aos problemas globais
se devem, em parte decisiva nos últimos anos, à política,
iniciativa e medidas de paz da União Soviética ligadas à
perestroika, dando expressão concreta às aspirações e objectivos
da luta mundial dos povos em defesa da paz, aos interesses comuns de
toda a Humanidade. Mas tiveram como suporte objectivo o
estabelecimento na era nuclear de um equilíbrio militar estratégico
entre o imperialismo e os países socialistas, que tornou inviável,
porque suicida, a política de cruzada militar contra os países
socialistas, de imposição pelas armas da hegemonia mundial do
imperialismo.
Registam-se
também importantes progressos na cooperação
económica entre Estados com regimes políticos e sociais diferentes,
resultantes, por um lado, de razões objectivas - internacionalização
da economia mundial, divisão internacional do trabalho, avanço e
alargamento dos processos de integração - e, por outro lado, da
persistência da União Soviética e outros Estados socialistas.
Entretanto,
a evolução verificada nos países socialistas da Europa - com
profundas crises económicas, sociais, políticas, institucionais,
ideológicas, súbitos e radicais mudanças na direcção e na
orientação do Estado e dos partidos do governo, enfraquecimento dos
laços de cooperação entre os países socialistas (designadamente
no quadro do CAME e do Tratado de Varsóvia), extraordinária
instabilidade e esquemas de relacionamento com os países
capitalistas no enquadramento de exigências e imposições
económicas, financeiras e políticas do FMI, da CEE e dos Estados
capitalistas - traduz-se numa diminuição, mesmo que se admita ser
conjuntural, da força e influência relativa dos países socialistas
no mundo.
Esta
situação comporta riscos que não devem ser subestimados. O
desequilíbrio na correlação mundial de forças seria susceptível
de animar o imperialismo a novas medidas, escaladas e iniciativas de
intervenção, de agressão e de guerra. A criminosa invasão do
Panamá, o papel desempenhado pelos EUA na derrota eleitoral dos
sandinistas na Nicarágua e o recrudescimento das pressões sobre
Cuba socialista, o apoio militar e político à UNITA em Angola, a
continuada ingerência no Médio Oriente e outras regiões do mundo,
mostram que o imperialismo norte-americano procura reassumir o papel
de gendarme do planeta e cada dia revela com maior clareza o
propósito de recuperar a hegemonia mundial. O curso positivo que se
tem verificado no sentido do desanuviamento, do desarmamento e da
cooperação internacional poderia vir a ser comprometido se se
acentuasse uma evolução negativa nos países socialistas.
Causam
particular preocupação, a par da reactivação de forças
neofascistas, as tentativas para pôr na ordem do dia na vida
internacional a revisão das fronteiras saídas da Segunda Guerra
Mundial e a pretensão para transformar um processo de unidade alemã
numa efectiva anexação da RDA pela RFA, no quadro da CEE e da
própria NATO, fortalecendo esta e alterando perigosamente o delicado
equilíbrio de forças na Europa. As tentativas de proceder a uma
reestruturação do mapa económico, político e militar da Europa
favorável ao imperialismo encerram grandes perigos para a segurança
e a paz no continente europeu e no mundo.
Entretanto,
a política de paz da URSS, os grandes movimentos de opinião pública
favoráveis ao desarmamento, a consciência dos perigos de um
conflito militar generalizado e dos custos sociais desastrosos das
enormes despesas militares, a luta anti-imperialista dos povos, as
justas exigências de instauração de uma Nova Ordem Económica
Internacional-são factores que contrariam e poderão impedir a
concretização dos planos agressivos do imperialismo.
Na
Europa são reais as possibilidades de acelerar e aprofundar o
processo de segurança e cooperação consagrado na Acta Final de
Helsínquia. A nova realidade alemã em gestação, para que não
venha a ser um factor de desestabilização e possa atender aos
múltiplos e legítimos interesses em causa, deve necessariamente ser
enquadrada neste processo, no sentido da construção de uma Europa
inteira de paz, segurança e cooperação, abrindo caminho à
desejável dissolução dos blocos militares.
Os
perigos e contradições da situação exigem, hoje mais do que
nunca, uma grandiosa movimentação pela paz, o desanuviamento, o
desarmamento, a segurança colectiva, por parte de todas as forças
populares e amantes da paz, entre as quais não se devem levantar
nesta frente quaisquer barreiras ideológicas. Em causa está a
sobrevivência e progresso social da Humanidade.
No
que respeita à luta
libertadora dos trabalhadores e dos povos,
a perestroika tem o grande mérito de promover uma profunda reflexão
sobre todo o processo revolucionário mundial, um exame crítico e
autocrítico da actividade das forças revolucionárias e de
incentivar novas e criativas análises da realidade e das
correspondentes e adequadas respostas. Mas o curso concreto dos
acontecimentos na URSS e noutros países socialistas tem repercussões
contraditórias.
A
médio prazo, a perestroika soviética, alcançando os seus
objectivos revolucionários, constituirá um poderoso factor de
atracção dos trabalhadores dos países capitalistas e dos povos de
todo o mundo para os ideais do socialismo e do comunismo, o mesmo
podendo acontecer com a recuperação, com novas soluções, do
processo de construção do socialismo em países agora em crise.
No
imediato, tanto a complexa situação na União Soviética como os
acontecimentos noutros países socialistas, revelando gravíssimas
situações em países que, no ideal libertador dos trabalhadores e
dos povos, constituíam exemplos de transformação social
progressista e um quase obrigatório referencial e diminuindo a
solidariedade dos países socialistas, provocam desencanto, abalam a
confiança na luta libertadora e no futuro, favorecem o
desenvolvimento de forças oportunistas, animam o capitalismo a
agravar as ofensivas contra os direitos dos trabalhadores, facilitam
o avanço do neocolonialismo, propiciam ingerências e agressões do
imperialismo e são susceptíveis de afectar seriamente o
desenvolvimento do processo de construção de sociedades
progressistas em países libertados do colonialismo.
São
também profundas as repercussões dos acontecimentos dos países
socialistas no movimento
comunista internacional:
pelo enfraquecimento que significam, pelo reexame que se impõe dos
projectos diversificados de sociedade socialista e dos caminhos que a
ela conduzam, pelas transformações numa série de partidos desses
países, pela avaliação do âmbito e componentes do movimento
comunista e pelas formas de cooperação e solidariedade entre os
partidos e as forças que o integram.
Os
graves acontecimentos e crises nos países socialistas não alteram
as realidades do capitalismo como sistema de exploração do homem
pelo homem, de desigualdades, injustiças sociais e as mais desumanas
formas de discriminação e opressão. Não só na União Soviética
mas nos outros países socialistas em crise, não será o capitalismo
mas o socialismo, realizado com um projecto redefinido, mais dinâmico
e justo, que poderá assegurar a solução dos problemas existentes.
A acção dos comunistas, tanto nos países capitalistas como nos
países socialistas, continua a ser indispensável e insubstituível
a uma evolução positiva da situação.
Tanto
a situação mundial como a luta em cada país, tornam necessário
que os comunistas procurem linhas de convergência, entendimento e
acção comum com outras forças democráticas e progressistas,
nomeadamente com partidos socialistas e social-democratas. Mas tal
política, para ser bem sucedida, não implica, antes exclui, a
dissolução dos partidos comunistas no âmbito da social-democracia
ou de mais amplas forças de esquerda. Tal política não anula,
antes põe em relevo, a necessidade da intervenção dos comunistas,
com a sua identidade própria e a afirmação do seu projecto próprio
de uma nova sociedade.
Em
alguns países, a social-democracia tem desempenhado um papel
positivo em relação aos problemas do desanuviamento, do
desarmamento e cooperação internacional e, quando envolvida por
importantes movimentos de massas, tem promovido valiosas reformas
sociais em vários países; mas a social-democracia, de cuja
ideologia o PS é o representante em Portugal, está historicamente,
e continua a estar, intimamente comprometida na política do grande
capital, actuando, quando no governo, como gestora do capitalismo.
Na
actual situação mundial, em que forças políticas do grande
capital ou reformistas proclamam a falência do comunismo, a
transformação de partidos comunistas em partidos de tendência
social-democrata, a sua diluição em frentes de esquerda, processos
de «reunificação» de comunistas e social-democratas tendo como
base a ideologia social-democrata, e mesmo a solicitação de
partidos comunistas para integrarem a Internacional Socialista,
representarão novos atrasos na transformação progressista da
sociedade e traduzem posições liquidacionistas que o PCP rejeita e
combate no plano ideológico, político e organizativo. O sistema e
política de alianças que (no plano social e no plano
político-partidário) o PCP define no seu Programa continuam
inteiramente válidos.
As
mudanças verificadas não alteram o facto de que em todos os países
do mundo há comunistas e outras forças progressistas que, de forma
autónoma e tendo em conta as condições específicas dos seus
países, lutam pela libertação dos trabalhadores e dos povos e por
uma sociedade libertada de todas as formas de exploração e
opressão.
Apesar
de haver partidos que o negam e o qualificam de dogma anacrónico, o
movimento comunista é uma necessidade e uma realidade objectiva,
embora a sua composição e limites tenham de ser reavaliados, tanto
por virtude do papel de novas forças revolucionárias como pelas
repercussões dos acontecimentos nos países socialistas. As relações
de cooperação e solidariedade recíproca entre os comunistas de
todos os países (designadamente o intercâmbio bilateral e
multilateral de opiniões e experiências, bem como a congregação
de esforços na acção comum por objectivos comuns) são tanto mais
necessárias quanto mais se processa a internacionalização da vida
económica, social e política e quanto mais complexa é a situação
mundial e a luta da classe operária, dos trabalhadores e dos povos
em cada país.
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