Partido Comunista Português
"Situação social na União Europeia"
Ilda Figueiredo no "Comércio do Porto"
Quarta, 09 Março 2005

Esteve, esta semana, em debate, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo um relatório meu sobre a situação social na União Europeia, onde apelei à necessidade de dar a maior atenção às consequências sociais da diminuição, para menos de metade, do crescimento económico, nos últimos três anos, e ao alargamento da União Europeia.

Sabe-se que a situação social se está agravar e apresenta já aspectos muito preocupantes, com destaque para quase 20 milhões de desempregados e cerca de 70 milhões de pessoas a sobreviver com rendimentos inferiores ao limiar de pobreza, afectando, de forma particular, mulheres, pessoas idosas e crianças.

Quanto ao desemprego, cuja taxa média ronda 9%, embora nas mulheres atinja os 10% e nos jovens mais de 18%, há situações particularmente graves na Polónia com quase 19% de desemprego global. Mas noutros países, como Portugal, há regiões onde a percentagem de desemprego atinge ou ultrapassa estes valores mais elevados, devido à desindustrialização crescente, às deslocalizações de multinacionais e à privatização de sectores e serviços públicos.

Entretanto, o emprego existente é cada vez mais precário, com destaque para Espanha, onde atinge mais de 30% dos trabalhadores, Portugal e Polónia onde ronda os 20%. Mas também as mulheres são as principais vítimas da precariedade. Em média, na União Europeia, em cada três empregos permanentes e a tempo inteiro, apenas um é ocupado por mulheres, as quais também continuam a ser vítimas de discriminação salarial directa e indirecta, com diferenças salariais que, em média, variam entre 16 e 30 por cento, sendo que, nalguns países, atingem valores superiores.

Esta situação demonstra que não estão a ser suficientes as estratégias definidas relativamente ao crescimento do emprego de qualidade e com direitos, porque, em nome da competitividade, se tem insistido nos dogmas do neoliberalismo, nas prioridades do Banco Central Europeu, na aplicação irracional dos critérios de convergência nominal do Pacto de Estabilidade, na aceleração das liberalizações e privatizações, na flexibilidade e na desregulamentação laboral. Impõe-se, pois, a revogação do Pacto de Estabilidade e a sua substituição por um verdadeiro Pacto de Desenvolvimento e Emprego, que dê prioridade ao crescimento de empregos de qualidade e com direitos e aposte na revisão profunda da Estratégia de Lisboa, eliminando as liberalizações e a desregulamentação laboral, dando toda a prioridade ao emprego com direitos e à inclusão social. Registe-se que é necessário criar cerca de 22 milhões de novos empregos com direitos para atingir, em 2010, a meta de 70% de emprego global definida em Lisboa.

Se não, em vez de caminharmos para a coesão económica, social e territorial, temos um agravamento das desigualdades, seja entre países, seja em estratos populacionais. Já hoje temos vários Estados-Membros a apresentar médias de rendimento por habitante inferiores a 51% da média comunitária e dez países com valores superiores a 100% da média da União Europeia. Por outro lado, os 20% da população com mais altos rendimentos recebe cinco vezes mais do que os 20% da população com mais baixos rendimentos, embora este indicador varie entre 3% na Dinamarca e 6,5% em Portugal.

Assim, sendo que há 15 % da população da União Europeia em risco de pobreza, nalguns países essa situação atinge 20 por cento ou mais, como em Portugal, Grécia e Irlanda.

Só a protecção social e as prestações da segurança social impedem o agravamento desta situação. Sem as diversas transferências sociais, incluindo pensões e outros apoios, o risco de pobreza atingiria, em média, entre 30% da população da Finlândia, 37% em Portugal, 40% na França e Reino Unido e 42% na Itália.

Com o agravamento do desemprego nos últimos tempos e a diminuição de apoios sociais nalguns Estados-Membros, a situação de pobreza e exclusão social é, provavelmente, ainda mais grave do que aquela que as estatísticas, pouco actualizadas e deficientemente apresentadas, demonstram, o que coloca a questão da prioridade que deve ser dada à inclusão social nas diversas políticas comunitárias, designadamente na política monetária e do mercado interno, para defender serviços públicos de qualidade, dando prioridade a investimentos públicos em áreas sociais da saúde, educação, formação, alojamento, protecção social, acesso à justiça, cultura e tempos livres, entre outros.

Por isso, é preciso que a Comissão retire a sua proposta de directiva sobre a criação do mercado interno dos serviços e não insista em novas desregulamentações na organização do tempo de trabalho.

Igualmente se impõem medidas que condicionem as fusões de empresas e deslocalizações de multinacionais, que apoiem os sectores produtivos e as micro, pequenas e médias empresas, combatam as discriminações existentes, promovam a igualdade e a democracia participativa, contribuam para a redução do horário de trabalho sem perda de remuneração, de forma a facilitar a criação de mais empregos, de conciliar o trabalho com a vida familiar, assegurar a formação e educação ao longo da vida.

A nova Agenda de Política Social não pode ser um mero conjunto de palavras e afirmações sem conteúdo prático. É essencial que garanta uma política social baseada no respeito e na garantia do acesso por todos aos direitos humanos fundamentais em todas as políticas comunitárias, que seja assegurada uma partilha da riqueza criada para garantir o crescimento do bem-estar para todos, o que pressupõe que os sistemas de protecção social sejam públicos e universais, não se insista no aumento da idade da reforma e se garanta a todos, incluindo crianças, idosos, pessoas com deficiência e respectivas famílias, o acesso a serviços públicos de qualidade.