Seminário
África - Desafios do desenvolvimento, do progresso social e da soberania.
A denúncia do neocolonialismo, outra visão para as relações com África
(1) Ao
longo dos séculos, a dominação dos impérios europeus sobre as suas colónias
baseou-se não apenas na força mas numa legitimidade ganha pela ideia de
inferioridade objectiva do colonizado - neste caso, da sua condição de
escravo. Em Portugal, num período não
muito remoto - o último período colonialista sob a ditadura fascista - a
"chamada" ciência antropológica física jogou esse papel de caricaturização e
categorização dos habitantes das colónias, denominados oficialmente por
"indígenas", tendo em vista concretizar os objectivos do império colonizador
opressor português. Esta corrente dita "científica" era aliás difundida também
nas escolas alemãs e francesas. A partir de 1936, a corrente antropobiológica
da Antropologia Física da Universidade do Porto ganhou relevo com o envio de
missões antropológicas às colónias - sobretudo para Angola e Moçambique -, pelo
Ministério das Colónias, com os objectivos citados de "proceder ao conhecimento
dos grupos étnicos dos domínios ultramarinos e proceder às respectivas cartas
etnológicas". Eram assim predominantes os estudos antropométricos, que tinham
como motivo declarado o melhor aproveitamento da força de trabalho, a partir do
cálculo de índices de robustez e vitalidade veiculados pelos indicadores
antropométricos. A Antropobiologia, que
ganhou fulgor científico a partir dos anos 20, realizava uma explicação
biológica do que chamava "a mentalidade das diferentes raças", apresentando
estudos sobre o "nível espiritual", o "valor psicossocial", ou seja, as suas
capacidades intelectuais, e o "tempo de reacção" dos "indígenas",tudo com
objectivos civilizacionais, segundo o 1º Congresso Nacional de Antropologia
Colonial, em 1934[1]. Os estudos
psicotécnicos, particularmente, teriam como função a legitimação "científica"
(entre aspas) da ideologia colonial de supremacia civilizacional dos europeus
(que teriam uma superioridade intelectual relativamente aos africanos), a
legitimação, portanto da dominação e da chamada acção civilizadora do
império.
(2)Hoje,
é evidente, estamos longe das teorias racistas que deram suporte ao
nacional-socialismo alemão do III Reich e, como vimos, ao fascismo português.
Mas, o sentimento de superioridade moralizadora parece continuar a ser a pedra
de toque da política do pólo imperialista União Europeia. A propósito da
preparação da Cimeira UE/África, o Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros e Cooperação, João Gomes Cravinho afirma que "em matéria de
governação, a UE tem importantes princípios essenciais para o desenvolvimento
sustentável dos países africanos" e António Monteiro, embaixador português em
França, complementa afirmando a necessidade de encontrar soluções para que os
valores da democracia e dos direitos humanos - os valores fundadores da própria
UE - não coloquem os europeus no fim da lista dos parceiros privilegiados dos
países africanos. A Parceria Estratégica UE/África prevê uma parceria sobre
governação democrática, um Fórum de Governação cujos objectivos inscritos são
"fomentar o diálogo sobre questões como os direitos humanos, os princípios
democráticos, o Estado de direito, a gestão dos recursos naturais, a luta
contra a corrupção e a fraude, a governação global...". Ou seja, o não explicitado
ensinamento do "caminho democrático", da chamada boa governança, enfim, uma
acção civilizadora em nome do desenvolvimento do continente africano.
(3)A
ingerência política no curso e nas decisões de países soberanos é sempre
inadmissível no quadro das relações entre países. Mais ainda se torna
inadmissível e também ridícula quando os arautos do modelo democrático perfeito
têm sido particularmente exímios nas restrições dos direitos, liberdades e
garantias democráticas, como sejam a liberdade de expressão, associação ou
sindical. Quando retiram cada vez mais direitos sociais, restringem as
liberdades democráticas em nome de medidas securitárias contra o terrorismo,
aprofundam a vertente militarista alinhada com a NATO, ou criminalizam os
desalinhados com as suas políticas. Claro, sempre aprofundando a democracia de
que se dizem os maiores representantes, sem peias de apelar à "democratização"
dos outros, para a qual não se importam de dar um empurrãozinho. Colocando
bases militares em África, liberalizando o comércio, reproduzindo a dependência
dos países africanos, vital para a engrenagem do capitalismo mundial.
O que
as grandes potências europeias e os EUA não esperam - como não esperavam a vaga
libertadora da 2ª metade do século XX - é que os povos recusam as correntes
"civilizacionais" do imperialismo e resistem, lutando por um relacionamento de
respeito mútuo entre países soberanos, de respeito e valorização de cada
cultura e do direito ao desenvolvimento e progresso social de todos os povos.
[1] In
Pereira, Rui (2005), «Raça, Sangue e Robustez. Os paradigmas da Antropologia
Física colonial portuguesa», Caderno de Estudos Africanos, nº 7/8
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