Partido Comunista Português
Encontro de Partidos Comunistas e outras forças de esquerda da Europa
Quinta, 05 Julho 2007
sg-sessao-publica.jpgO Secretário-geral do PCP interveio neste encontro que se realiza num «momento em que se agrava a situação social em toda a Europa e os grandes grupos económicos procuram impor a máxima desregulamentação das relações de trabalho com a introdução da flexigurança». Jerónimo de Sousa qualificou as propostas do Governo como «um novo e brutal ataque aos direitos laborais, (…) são uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores portugueses. Elas são propostas que visam a facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa. A desregulamentação das condições de trabalho e a sua fixação arbitrária pelas entidades patronais, nomeadamente com a eliminação do conceito de horário diário de oito horas».  

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP,
Encontro de Partidos Comunistas e outras forças de esquerda da Europa
Guimarães, 5 de Julho de 2007


As nossas mais cordiais a fraternas saudações. É para nós uma honra receber-vos no nosso país e em conjunto podermos trabalhar, particularmente num momento em que se agrava a situação social em toda a Europa e os grandes grupos económicos procuram impor a máxima desregulamentação das relações de trabalho com a introdução da flexigurança. Situação que é a razão do nosso encontro. A vossa presença, o estarmos convosco para além do valor em si, é para nós um incentivo à exigente e sistemática procura de formas de cooperação e de aprofundamento da reflexão em defesa dos direitos dos trabalhadores.

Temos situações e realidades diferentes em cada um dos nossos países, mas estamos convictos que é possível convergir na análise sobre o que caracteriza a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. 

Os últimos tempos têm sido tempos de combativa luta dos trabalhadores portugueses. O mundo do trabalho realizou há pouco mais de um mês uma expressiva Greve Geral, decidida pela CGPT-IN – a grande central dos trabalhadores portugueses – e, hoje mesmo, nesta cidade de Guimarães, coincidindo com o Conselho de Ministros das áreas sociais da União Europeia, assistiremos, estamos certos, a mais uma importante jornada de luta e de protesto dos trabalhadores contra o desemprego e a precariedade, pela qualidade do emprego e contra a flexigurança.

A vigorosa luta dos trabalhadores portugueses, particularmente a Greve Geral de 30 de Maio passado, envolvendo um milhão e quatrocentos mil trabalhadores de todos os sectores e regiões do país, é a expressão do profundo descontentamento que perpassa a sociedade portuguesa, e uma vigorosa resposta à forte ofensiva anti-social e anti-popular do governo do PS de José Sócrates que este pretendeu esconder e outros desvalorizar.

A luta que os trabalhadores portugueses vêm desenvolvendo e que inevitavelmente prosseguirá é uma justa, necessária e indispensável resposta a uma ofensiva sem precedentes do actual Governo do PS, contra os interesses dos trabalhadores e do povo. 

Ofensiva que temos caracterizado como global, já que ela não visa apenas este ou aquele sector ou pontualmente este ou aquele direito, mas está claramente orientada para a subversão de aspectos nucleares do regime democrático nascido da Revolução de Abril, promovendo e preparando graves mutilações e amputações das funções económicas, sociais e culturais do Estado e a liquidação dos direitos laborais e sociais que a Constituição da República consagrou para servir o desenvolvimento do país e garantir direitos fundamentais do povo.

Nestes últimos dois anos e meio de governo do PS de José Sócrates, os trabalhadores portugueses e as camadas populares do nosso povo foram confrontados com sistemáticas medidas que concretizam ou preparam um conjunto de contra-reformas de índole neoliberal, nomeadamente na saúde, na segurança social, no ensino, na administração pública, no mercado de trabalho que se traduzem numa mudança qualitativa da ofensiva de recuperação capitalista, de reconstrução e consolidação do poder e do domínio do capital monopolista.

É sabido que partimos com atraso no acesso a importantes conquistas sociais relativamente a outros povos da Europa, uma grande parte desses direitos são criação da Revolução de Abril e que a Constituição da República haveria de consagrar, num normativo que configuram um avanço assinalável, comparativamente a outros países, no domínio dos direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores e das massas populares.

É esse evoluído quadro de direitos sociais, onde se inserem também o reconhecimento do direito ao trabalho e à segurança no emprego, a um salário justo, a horários de trabalho dignos, à liberdade sindical e aos direitos de contratação colectiva que está sob a mira da ofensiva neoliberal do governo do PS, mesmo em domínios que estão longe de terem atingido um patamar aceitável de resposta aos problemas dos trabalhadores, como foi evidente na recente “reforma” da segurança social pública promovida pelo governo do PS que vai levar a prazo a um corte superior a 30% no nível médio das pensões, como o afirma a própria OCDE, a mais drástica deterioração no grupo de 16 países desta organização.

Os trabalhadores portugueses que continuam a ter dos mais baixos salários dos países da União Europeia, vão ser obrigados a trabalhar mais anos para receberem uma pensão ainda mais baixa, enquanto outros serviços públicos essenciais são encerrados e privatizados, criando novas áreas de negócio para os grupos económicos e financeiros. Fecham-se escolas e serviços de saúde, reduz-se a comparticipação de muitos medicamentos e agravam-se os custos da saúde com imposição de novas e mais elevadas taxas de acesso.

Ofensiva neoliberal que tem nas políticas económicas e monetaristas submetidas ao fundamentalismo do Pacto de Estabilidade e à Agenda de Lisboa, não apenas os fundamentos para aprofundar a ofensiva de regressão social em curso, mas para impor uma crescente financeirização da economia, a aceleração das políticas de privatização, liberalização e crescente desregulamentação dos mercados que estão a levar à crescente degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

O desemprego atingiu, no início deste ano a mais alta taxa dos últimos vinte anos (8,4%), mais de metade é desemprego de longa duração e milhares de trabalhadores portugueses voltam a emigrar.

O trabalho precário é uma praga social em crescendo e abrange já mais de um milhão e duzentos mil trabalhadores, cerca de 21,3% dos trabalhadores por conta de outrem, colocando Portugal no topo dos países da União Europeia em matéria de precariedade laboral.

Todos os dias novos e mais gravosos sacrifícios têm vindo a ser exigidos aos trabalhadores em resultado da acção conjugada do agravamento dos impostos dos bens de consumo popular, do aumento inaceitável dos bens e serviços essenciais e da sua política de regressão dos salários reais.

Situação que se agrava com o sistemático e continuado aumento das taxas de juro em resultado das orientações estritamente monetaristas do Banco Central Europeu que vão ao arrepio das necessidades de relançamento do crescimento económico e do emprego, e da estabilidade dos rendimentos de milhares e milhares de famílias.

Se Portugal era o país da União Europeia com a maior desigualdade na distribuição do rendimento – de acordo com os últimos dados do Eurostat, os 20% da população com rendimento mais elevado, tinham em Portugal um rendimento 8,2 vezes maior, do que os 20% da população com o rendimento mais baixo. Esse caminho de aprofundamento das desigualdades prossegue com a política de direita do governo do PS.
Dois anos e meio de Governo de José Sócrates que são a negação de uma governação à esquerda e de renúncia aos seus valores de justiça social, de solidariedade e do combate às desigualdades sociais.

Na semana que antecedeu o início da Presidência Portuguesa, o mundo do trabalho assistiu perplexo e indignado ao anúncio de um conjunto de propostas que configuram o que se pode chamar a “flexigurança à portuguesa”.

O governo do PS atrás de um estudo pretensamente neutro que ele próprio encomendou e acompanhou prepara um novo e brutal ataque aos direitos laborais dos trabalhadores.   

As suas propostas são uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores portugueses. Elas são propostas que visam a facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa. A desregulamentação das condições de trabalho e a sua fixação arbitrária pelas entidades patronais, nomeadamente com a eliminação do conceito de horário diário de oito horas e a avaliação do horário apenas no plano semanal e anual ao mesmo tempo que se abre a possibilidade de redução dos salários, numa linha de agravamento da exploração do trabalho. Propostas de fragilização da contratação colectiva com o propósito de acelerar os processos de caducidade dos contratos colectivos de trabalho. Propostas de ataque também aos sindicatos e à organização dos trabalhadores em geral com o objectivo de promover a sua desagregação.

O Governo PS fala todos os dias de preocupações sociais, baptiza-se a si próprio de «esquerda moderna» mas uma coisa é certa: na sua prática destes dois anos e meio concretiza uma política que em nada se diferencia da dos partidos da direita do PSD e do CDS e está a disputar com sucesso o título de campeão dos campeões da política de direita em Portugal.

É este governo que perspectiva um dos mais graves ataques de sempre aos direitos laborais dos trabalhadores que vem apelar ao consenso das forças políticas e sociais à volta da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Presidência que deixa de fora da sua agenda e das suas preocupações os grandes problemas que afectam a vida dos povos da Europa e do nosso país, como o revela o seu Programa.

Apresentando como a prioridade das prioridades a imediata concretização de um novo Tratado que recupere o essencial do recusado Tratado Constitucional, juntamente com a dinamização e implementação do debate da flexigurança, a Presidência portuguesa aceitou o papel de adjunto ou simples intermediário dos grandes interesses e das grandes potências.

Ao reservar para um lugar omisso ou subalterno políticas efectivas de combate ao desemprego, à precariedade, às desigualdades sociais e regionais, à pobreza e à exclusão social e regional no Programa da Presidência, o Governo do PS assumiu-se como um continuador do projecto neoliberal europeu.

Há muito tornámos públicas as nossas propostas e a nossa posição sobre o que deviam ser os grandes objectivos de uma Presidência capaz de responder aos interesses dos povos e preocupada com a solução de alguns dos grandes problemas económico-sociais.

Dissemos que este era o momento oportuno para que o Governo português introduzisse na agenda da União Europeia, um conjunto de temas de grande importância para o nosso presente e futuro colectivos e que, sendo relevantes para Portugal, sê-lo-iam seguramente para todos os povos e países que participam na União Europeia.

Considerámos que este seria o momento oportuno para colocar e exigir a revisão do Estatuto e dos objectivos do Banco Central Europeu garantindo que a sua acção esteja sobre controlo político dos Estados-membros e subordinada aos objectivos do desenvolvimento.

 
Afirmámos que este seria também o momento próprio para colocar a necessidade de uma profunda revisão do Pacto de Estabilidade, em prol de políticas de investimento público reprodutivo, de promoção do emprego com direitos e do crescimento dos salários e melhoria das condições de vida das populações.

Duas propostas que eram ainda mais pertinentes equacionar quando se vai realizar uma Conferência Intergovernamental para a reforma dos tratados.

Propostas que passavam também, entre outras, pela necessidade de concretização de reformas da Política Agrícola Comum e Política Comum das Pescas, pela consagração de medidas em defesa e promoção dos serviços públicos, o que pressuponha a exigência do fim das políticas liberalizadoras e privatizadoras promovidas ao nível de toda a União Europeia, incluindo da directiva, dita "Bolkesstein", contrariando a subordinação das políticas comunitárias aos objectivos da agenda neoliberal da Estratégia de Lisboa.

Este seria igualmente o momento para a afirmação de uma política externa que rejeita a militarização das relações internacionais e a corrida aos armamentos e que privilegia o desanuviamento e a resolução pacífica dos conflitos internacionais, a eliminação das armas nucleares e o lançamento de um processo de desarmamento multilateral.

Mas estas não foram, nem são, as opções do Governo do PS e da Presidência Portuguesa.

Tornou-se muito evidente, neste primeiros dias após a Cimeira que encerrou a Presidência alemã da EU e definiu o mandato para a nova Conferência Intergovernamental de reforma dos tratados que o que se prepara não é apenas a recuperação do essencial do conteúdo do Tratado rejeitado, travestindo-o e reescrevendo-o para contornar a recusa soberana dos povos de França e da Holanda, mas também uma fuga concertada à realização de referendos na base de uma ilusória alteração formal da sua natureza.

O que querem evitar é que a sua ratificação seja feita pelos povos. Não querem o referendo, porque receiam que os povos conheçam o seu verdadeiro conteúdo e ganhem consciência que modelo de Europa projectam com o novo Tratado, dito “Reformador”. Têm receio que os povos tomem conhecimento que o que preparam com as suas propostas é um novo e significativo salto no processo de integração capitalista na Europa – neoliberal, federalista e militarista.

Nós consideramos inaceitável qualquer avanço para um novo Tratado com estas características, sem que haja uma consulta ao povo português em referendo vinculativo.

Temos uma longa e frutuosa experiência de cooperação no âmbito do nosso Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica.

Temos sido capazes, apesar das nossas diferenças, de encontrar os caminhos da convergência na acção em torno das grandes questões sociais.

O momento que vivemos torna ainda mais incontornável a exigência da cooperação e aprofundamento dos laços de combate na defesa dos interesses dos trabalhadores e dos povos da Europa.

Este nosso encontro, estamos certos, será mais um contributo no estreitamento desses laços que nos unem.