Partido Comunista Português
Serviço nocturno dos trabalhadores da Administração Local - Intervenção de Honório Novo na AR
Sexta, 29 Setembro 2006

Regime transitório de pagamento de prémio nocturno, subsídio para serviço nocturno ou suplemento salarial para    serviço nocturno a trabalhadores da administração local

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

A apreciação parlamentar que o PCP faz ao Decreto-lei n.º 109/2006, de 9 de Junho, com que o Governo pretendeu regular o pagamento do suplemento salarial para o serviço nocturno a trabalhadores da administração local, exige que se faça um pouco da história recente de um problema bem mais vasto que sucessivos governos se recusaram a resolver, pelo menos desde 1998.

Como sabem e se recordam, tudo começou quando o Dr. Rui Rio, Presidente da Câmara Municipal do Porto, quis apanhar a boleia de um relatório preliminar, e não vinculativo, da IGAT para poupar mais alguns «cobres», porventura destinados a acabar de pagar as obras de construção do já famoso autódromo da Boavista/circunvalação! Invocando as conclusões preliminares e não vinculativas deste relatório, o Dr. Rui Rio apressou-se a suspender o pagamento do suplemento nocturno que beneficiava parte dos trabalhadores municipais desde há mais de 30 anos!

Tudo isto ocorreu em Novembro do ano passado, tendo provocado uma normal e justíssima reacção por parte dos trabalhadores municipais, que, como se recordam, chegaram a realizar vários dias de greve na recolha do lixo na cidade do Porto.

Visando impedir a manutenção desta injustiça criada pela Câmara Municipal do Porto, a Assembleia da República discutiu, já em Janeiro deste ano, como se recordam, por iniciativa do PCP, um conjunto de iniciativas legislativas de vários partidos.

É verdade que todas essas iniciativas legislativas diziam querer resolver o problema do vencimento dos trabalhadores. É verdade que todas elas diziam, de forma mais implícita ou explícita, querer resolver a questão mais geral e abrangente da regulamentação de suplementos e outros tipos de compensação previstos, desde 1998, no Decreto-Lei n.º 53-A, de 11 de Março, e que os governos posteriores - três do Partido Socialista e dois PSD/CDS-PP - nunca concretizaram.

Só que, ao fazer valer a sua maioria absoluta, o PS não só rejeitou liminarmente as restantes iniciativas dos outros partidos como mostrou, logo ali, em Janeiro deste ano, como é que pretendia resolver o problema: salvaguardar de forma transitória o nível remuneratório dos trabalhadores e atirar, mais uma vez, para as calendas gregas a regulamentação dos suplementos e compensações destes trabalhadores da administração local.

Foi, portanto, na sequência deste debate e neste contexto preciso que o Governo acabou por aprovar o Decreto-Lei n.º 109/2006, de 9 de Junho, que estamos a apreciar.

Por um lado, e como já em Janeiro tínhamos afirmado e previsto, este Decreto-Lei vem confirmar que a maior parte dos trabalhadores da administração local continuará sem ver regulamentado o trabalho exercido em situações de particular risco ou penosidade. Serão não se sabe bem quantos anos mais a somar aos, pelo menos, oito anos que o Decreto-Lei n.º 53-A/98 permanece em «veto de gaveta» nos diversos gabinetes governamentais.

Este Decreto-Lei não quis resolver a situação de injustiça para com milhares e milhares de trabalhadores da administração local que se encontram nesta situação.

Noutro plano, o Decreto-Lei n.º 109/2006 assegura o nível remuneratório dos trabalhadores municipais das autarquias onde os suplementos de trabalho nocturno já eram direito adquirido há dezenas de anos. Só que, curiosamente, não garante que esse nível remuneratório continue a ser preservado!

O que era uma conquista com dezenas de anos (repito, dezenas de anos), e deveria ser, desde já, consagrado em lei, é transformado pelo Governo, com o peso que tem o decreto-lei, numa situação provisória e marcadamente transitória, que bem pode desaparecer, Sr.as e Srs. Deputados, com um qualquer acordar mal-humorado do Ministro das Finanças.

Basta ver o que aconteceu hoje: o Sr. Ministro das Finanças acordou mal-humorado, por isso vai passar a obrigar os trabalhadores da função pública e até os reformados a descontar para a ADSE. Ou seja, acordou mal-humorado e lembrou-se de determinar mais esta norma!

Portanto, esta norma que assegura o nível de vencimentos aos trabalhadores da Câmara Municipal do Porto pode desaparecer de um dia para o outro. Basta, como disse, que o Sr. Ministro das Finanças acorde mal-humorado, ou por «obra e graça» de uma qualquer recomendação de outra eminência parda europeia, como o Comissário Almunia, que, como sabem, é o encarregado de vigiar o bom comportamento do País na obediência cega deste Governo ao «espartilho» do Pacto de Estabilidade.

Mas o Decreto-Lei n.º 109/2006, Sr. Secretário de Estado, consegue ir mais longe e pior (e é sobre este aspecto que gostaríamos de centrar a nossa atenção nesta apreciação parlamentar): cria uma norma que traduz, na prática, aquele velho ditado português que nos ensina que há quem «dê com uma mão e tire com a outra».

É exactamente isto que o Governo faz neste Decreto-Lei! O Governo «dá», mesmo que sem garantir, mesmo que com carácter transitório (é um facto), o nível remuneratório global que os trabalhadores tinham, no caso do Porto, em Novembro de 2005. Só que o Governo «tira» aos mesmos trabalhadores o direito a verem os seus salários aumentar, porque simplesmente lhes congela os vencimentos!

Durante um número indeterminado de anos, que podem ser cinco, seis, sete ou oito(nunca se sabe!), esses trabalhadores, por força deste Decreto-Lei n.º 109/2006 (não sei, Sr. Secretário de Estado, se já estava a pensar na revisão da Lei das Finanças Locais nessa altura), não terão um cêntimo de aumento nos seus níveis de rendimento. Esta é que é a verdade!

Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como fica bem claro, há vários aspectos que nos afastam do conteúdo deste Decreto-Lei. Mas há uma norma - esta, que acabo de referir - que consideramos inaceitável e que, quanto a mim, pode e deve ser eliminada sem custos para ninguém. Nem para o Governo!

Por conseguinte, apresentamos uma proposta tendente exactamente a eliminar o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 109/2006, respeitante à «remuneração». Eliminando este ponto, o que sucede? Os trabalhadores continuarão a ver assegurado o nível de rendimento que tinham em Novembro de 2005, mas continuarão, tal como todos os outros trabalhadores, a ter direito aos aumentos de salários anuais decididos pelo Governo - e não são assim tantos como isso.

Se calhar, para o ano volta a não haver aumentos de salário. Ou será que temos alguma dúvida que a perspectiva é, perante uma inflação de 2,3% a 2,5%, a desses trabalhadores serem aumentados mais do que 1,5%? Oxalá! Ninguém aqui estará em condições de o assegurar, e certamente tal não ocorrerá.

Portanto, esses trabalhadores voltarão ou continuarão a ter direito aos aumentos salariais.

Eliminado este ponto, os trabalhadores municipais do Porto e de algumas outras câmaras do País não terão - como o Governo pretende, pelos vistos, através deste Decreto-Lei - os seus salários congelados.

Eliminado este ponto, impedir-se-á também que o valor do suplemento (que era o que estava em causa) seja progressivamente reduzido até à sua extinção - que é também o que, implicitamente, está previsto nesta norma do Decreto-Lei.

Eliminado este ponto, não será possível que os trabalhadores municipais regressem a uma situação salarial indigna e injusta, que já não tinham há quase 30 anos! No caso da Câmara Municipal do Porto, curiosamente, desde antes do 25 de Abril! Não me digam que vão fazer os trabalhadores regressar a uma situação anterior ao 25 de Abril?!...

Exactamente! É uma situação «arqueológica», Sr. Deputado José Junqueiro!

Estamos certos de que o bom senso acabará por imperar e que esta proposta de alteração do PCP colherá o apoio de todos os partidos, em especial do Partido Socialista.

Como manda a ética, como manda a justiça e como exigem e reclamam, de forma inteiramente justa, estes trabalhadores da administração local!

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Isabel Santos,

Lamento ter estado a falar de «alhos» e que a Sr.ª Deputada venha agora com «bugalhos»!

Estou a fazer a apreciação parlamentar do decreto-lei do seu Governo, e a Sr.ª Deputada vem com a invocação daquilo que dizia o nosso projecto de lei, que os senhores já rejeitaram em Janeiro.

Portanto, Sr.ª Deputada, o nosso projecto de lei nem sequer está aqui em causa; o que está em causa é uma norma concreta do vosso decreto-lei a que me referi de forma muito precisa.

Mas, se quer falar sobre a regulamentação, Sr.ª Deputada Isabel Santos, vire-se para trás, para a sua bancada, vire-se para a bancada do PSD, vire-se para a bancada do CDS, vire-se para a bancada do Governo e pergunte-lhes se lhes pode oferecer a todos o processo e o dossier que me quer oferecer a mim, porque não é a mim que ele é dedicado, certamente, mas a estas pessoas a quem me referi.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local,

Verifico que o Sr. Ministro António Costa, pelo estilo repetitivo que V. Ex.ª utilizou já hoje no debate desta apreciação parlamentar, já o deve ter libertado das suas responsabilidades no âmbito das finanças locais, reassumiu a sua posição de Ministro da tutela, e, portanto, o Sr. Secretário de Estado já está mais disponível para debater com o Parlamento.

Sr. Secretário de Estado, gostava de colocar-lhe uma questão central que o senhor abordou na sua intervenção. Refiro-me ao princípio, por si enunciado, de que este decreto-lei se destina a salvaguardar a situação laboral dos trabalhadores até à revisão das carreiras.

Ora, a primeira pergunta que se me oferece fazer é esta: está o senhor em condições de garantir que estes suplementos vão ser preservados na revisão das carreiras?

Eu respondo, Sr. Secretário de Estado: não! Porquê? A resposta está no decreto-lei, nas normas que o senhor se recusa a abordar e que são objecto da nossa apreciação parlamentar.

Só lhe daria o benefício da dúvida, Sr. Secretário de Estado, se aceitasse a nossa proposta de alteração, ou seja, que, até à revisão das carreiras, o senhor retirasse deste decreto-lei a norma que, de facto, congela os salários e mostra, desde já, que os senhores querem extinguir estes suplementos.

Mas isso o senhor não quer abordar, porque seria «tirar debaixo da toca o gato que já tem o rabo de fora da toca». Percebe?!