Partido Comunista Português
Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia - Intervenção de Agostinho Lopes na AR
Quarta, 27 Junho 2007

Debate com o Primeiro-Ministro sobre a apresentação do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia

 

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,

Em vésperas do início da 3ª Presidência da União Europeia, anuncia-se um filme conhecido. O Governo português feito "notário", por vezes simples mordomo, das grandes potências europeias, do grande capital europeu. Foi assim em 1992, com a primeira grande reforma da PAC. Foi assim em 2000, com a agenda neoliberal da Estratégia de Lisboa e a consolidação do Euro. E é assim no presente, com o encargo de redacção de um Tratado Reformador para a União Europeia.

O Tratado de Revisão agora encomendado à Presidência Portuguesa, mantém o núcleo duro, do mal morto Tratado dito Constitucional ou Constituição Europeia. O que significa avanços no federalismo e militarismo e a conservação da sua imagem de marca neoliberal.

Houve quem comentasse as alterações conhecidas e projectadas para o Tratado Reformador, afirmando, que do Tratado Constitucional se manteve "o essencial para permitir o funcionamento mais eficiente e mais democrático da UE alargada".

Esqueceu-se de referir que era a "eficiência" que procuravam as grandes potências europeias.

Era sabido, perante o processo de alargamento e depois de criarem a ideia da inelutável alteração do figurino institucional da UE em vigor, que os grandes países europeus (bem acolitados pelo capital multinacional de base europeia e as organizações do grande patronato ERT/ BUSINESEUROPE - ver recente visita e conselhos do patrão dos patrões Ernest-Antoine Seillière a José Sócrates) iriam procurar impor uma redistribuição dos poderes nos órgãos da União, que lhes assegurasse no âmbito de uma União a 27 a continuação do comando das políticas da UE.

O ensaio do novo Tratado, dito Reformador, desenhado no Projecto do Mandato da CIG na base da dita "Constituição", abdica formalmente de uma conceptualização "constitucional", mas consagra e consolida a natureza federal presente no percurso da União desde o Tratado de Roma e "constitucionaliza" de facto, o Directório, através da prevalência na lógica decisória do peso da população sobre a igualdade de Estados Soberanos.

Mas então não há recuos ou melhorias nas formulações e conteúdos face à dita "Constituição Europeia"??? È seguramente um exagero denominar assim as alterações propostas. Mais as vozes do que as nozes! Houve o abandono formal dos conceitos de "constituição" e "constitucional". Reformulou-se o artigo imperativo da norma que estabelecia o primado do direito comunitário sobre o nacional - a norma que levou PSD e PS na Revisão Constitucional de 2004, mais papistas que o papa, a um intempestivo aditamento de novo número ao Artº 8º da CRP para acolher o que era ainda um mero projecto!!! O Ministro dos Negócios Estrangeiros foi baptizado Alto Representante da União. E mais algumas poucas mudanças.

Fruto da luta dos povos e também de contradições internas, os estados-maiores políticos da UE viram-se obrigados a maquilhar/recauchutar o dito "Tratado Constitucional". Expressa e explicitamente para fugir a uma ratificação por referendo.

No fundo, concretizando o que Romano Prodi, na sua recente visita a Portugal dizia: "Pode haver um problema de designação formal mas não de substância..., podemos chamar-lhe constituição ou tratado. Isso não importa." Pelo que apelou em coerência ao "trabalho criativo" (sic) do Governo PS! Se não foi o Governo português que o fez, alguém "criou" por ele! Ou no fundo, respondendo também à pergunta nº 3 da Chanceler alemã, Presidente em exercício da UE "utilização de terminologia diferente, sem todavia modificar a substância jurídica" da dita Constituição!!!

Não deixa de ser extraordinário, que quem passa a vida a dar lições de democracia a outros povos e países, assuma assim, com arrogância e desfaçatez, um descarado desrespeito pela vontade democraticamente expressa pelos povos, francês e holandês.

Como escrevia um conhecido comentador "os referendos são perigosos"!

E assim, ultrapassada a fase da repetição dos referendos (Dinamarca e Tratado Maastricht, Irlanda e Tratado de Nice) até acertar a vontade do povo eleitor com a vontade dos órgãos comunitários, ensaia-se uma nova saída. Por exemplo um mini-Tratado, como foi imediatamente sugerido após os NÃO de França e Holanda, (e agora se projecta) "susceptível de ser ratificado unicamente pelos parlamentos nacionais sem recurso a referendos"! E assim se aperfeiçoa, segundo alguns, o funcionamento democrático da UE!

A Presidência Portuguesa da União Europeia seria uma ocasião óptima para uma reflexão séria dos Órgãos Comunitários sobre a brutal contradição entre alguns dos seus objectivos, há muito afixados em diversos e sucessivos Tratados e as consequências das suas principais orientações e políticas. Poder-se-ia partir de outros exemplos. Mas sendo a Presidência durante os próximos seis meses do Governo Português, seria extremamente interessante e importante para o País e para a Europa, confrontar as causas dos nossos graves problemas económicos e sociais - a excepção são os sucessos da especulação bolsista e os obscenos lucros e taxas de lucro dos grupos económicos e financeiros - e essas orientações e políticas comunitárias.

Sendo que há culpas, bem conhecidas, das políticas internas de direita de sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP, das quais se destaca o apoio e cumplicidade com aquelas políticas e orientações, como se explica que apesar do objectivo da coesão económica e social que a UE diz perseguir e promover, Portugal se mantenha persistentemente (há cinco anos) em rota de divergência de crescimento económico e tudo indicia que assim vai permanecer nos próximos anos.

E naturalmente interrogarmo-nos se tal situação nada tem a ver com o Pacto de Estabilidade. Com as políticas do BCE. Nada a ver com a PAC e a PCP. Nada a ver com as orientações do mais estrito neoliberalismo de liberalização de mercados públicos e privatizações de empresas e serviços públicos (Bolkestein). Com as políticas comerciais na OMC e bilaterais. Com o desmantelamento em curso do "modelo social europeu".

Esta reflexão deveria estar no centro do programa da Presidência Portuguesa. Um programa não certamente fechado sobre Portugal. Mas um Programa que, a partir do concreto, suportasse o necessário empenhamento do Estado Português na mudança de rumo da União Europeia, por uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, de progresso social e de paz. O que não acontecerá com um Tratado como o que se anuncia!

Um sublinhado final. O PCP considera completamente inaceitável que se avance para a ratificação de um Tratado como o referido, sem que hajam referendos juridicamente vinculativos. Inclusive em Portugal. E não apenas para o cumprimento do Programa Eleitoral do PS, que nenhuma maquilhagem do Tratado poderá evitar. Mas pela necessidade absoluta de que o Povo Português se pronuncie clara e explicitamente sobre um processo em que se joga o seu futuro colectivo, como País soberano e independente.

Disse.