Partido Comunista Português
Encerramentos de serviços de atendimento permanente, urgências, maternidades e outras valências - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Sexta, 22 Fevereiro 2008

Suspensão do processo de encerramentos de serviços de atendimento permanente, urgências, maternidades e outras valências

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Este debate, agendado pelo PCP (projecto de resolução n.º 259/X), sobre a suspensão do processo de encerramento de urgências e outros serviços merece duas notas prévias.

A primeira, para dizer que, ao contrário do que o PS disse ontem a propósito do debate de hoje, esta iniciativa não foi apresentada para pressionar a nova Ministra da Saúde. Ela foi anunciada pelo Secretário-Geral do PCP antes da remodelação governamental. Espero que não venham dizer que já sabíamos que ia haver remodelação!

A segunda nota é para dizer que, infelizmente, continuamos a não poder debater directamente com a Ministra da Saúde as principais questões da sua política.

A Sr.ª Ministra corre o País em anúncios, inaugurações e visitas. Na semana passada, enquanto discutíamos aqui as unidades de saúde familiar, estava na região do Oeste; hoje discutimos a questão dos encerramentos dos serviços de saúde e está no Algarve. Talvez seja necessário, uma vez que a Sr.ª Ministra se desdobra em inaugurações e visitas, pedir ao Sr. Presidente para organizar uma visita ao posto médico da Assembleia e talvez, assim, possamos ter a Sr.ª Ministra da Saúde neste Parlamento.

O nosso projecto - e este debate agendado pelo PCP - é uma resposta não à remodelação governamental mas, sim, à grave situação criada pela política de encerramento de serviços de saúde do Governo do PS.

O País está a assistir a um gravíssimo ataque ao direito à saúde das populações, ao desmantelar da rede de proximidade do Serviço Nacional de Saúde. Encerraram várias urgências hospitalares e dezenas de serviços de atendimento permanente, sendo a perspectiva do Governo que eles encerrem todos, ou praticamente todos.

Esta chamada reforma do Serviço Nacional de Saúde é, antes, uma ofensiva anti-Serviço Nacional de Saúde conduzida pelo Governo do PS.

Fecham as urgências hospitalares com a justificação de que faltam nelas recursos, de que faltam nelas condições, de que não têm os meios ideais e necessários para que desempenhem completamente o seu papel como urgências hospitalares no Serviço Nacional de Saúde.

Mas a pergunta que temos de fazer é quem é responsável por elas não terem esses equipamentos, por elas não terem esses recursos, por elas não terem essas instalações.

Pois bem, a responsabilidade não pode ser senão dos governos PS, como o actual, e dos governos PSD e CDS-PP, que mantiveram estas urgências sem os meios ideais para desempenharem o seu papel.

Mas a solução para este problema não é encerrar aquilo que precisa de mais investimento, é investir para que aquilo que está incompleto se torne completo e possa servir melhor as populações deste País.

Foi isso que o Governo não quis fazer. Perante as insuficiências, o Governo não quis a suficiência, quis o encerramento, e procurou, para poupar dinheiro e por outras razões, encerrar o máximo de serviços de saúde.

O Governo garantiu que haveria alternativas, mas a situação é a que é conhecida de todos os portugueses, muitas vezes com casos de elevado dramatismo.

Por todo o País se verifica que a alternativa não é real e não é suficiente, seja em matéria de emergência médica, seja em matéria de unidades de saúde. E não basta demitir o presidente do INEM para que este problema se resolva como num «passe de mágica».

É preciso mais meios para a emergência médica, é preciso mais meios para o apoio aos bombeiros voluntários, que têm um papel muito importante também nesta matéria, e é preciso uma política de coordenação em matéria de orientação de doentes urgentes que ponha fim ao descalabro que tantas vezes se passa no nosso país nesta questão da orientação dos doentes em situação de emergência.

É preciso que, a acrescer a uma rede de emergência, exista uma rede de serviços de saúde fixos, porque o Serviço Nacional de Saúde não é um serviço sobre quatro rodas, é um serviço que tem de ter instalações para funcionar próximo das populações, independentemente da necessidade da emergência médica.

Gostaríamos também de dizer que, em matéria de protocolos com autarquias para encerramento de urgências, há uma perversidade que o Governo procura impor às populações e às autarquias, que é dizer que têm de trocar um serviço a que têm direito por outros a que também têm direito, que é dizer que encerram a urgência mas, assim, terão algumas valências ou especialidades de que necessitam. Pois bem, isso é trocar direitos por direitos, direitos que são igualmente legítimos e necessários para dar resposta às populações.

Quanto aos serviços de atendimento permanente, a sua importância é desde logo comprovada pela parte amputada pelo Governo no relatório da comissão técnica das urgências, por aquela versão anterior entretanto reformulada, em que se dizia que a rede de urgências não podia ser equacionada sem se ver qual era o efeito do encerramento dos serviços de atendimento permanente.

Bem sabemos que assim é. Bem sabemos que, quando se reduzem os pontos de acesso de urgência para situações agudas e para situações de emergência dos 180 até há pouco existentes para apenas 80, estamos a deixar as populações muito mais longe do primeiro ponto onde terão o acesso a um serviço de saúde do que estavam há uns anos.

E o que fazer, então, às 5,7 milhões de consultas que, em 2005, foram feitas no serviço de atendimento permanente? E o que responder aos responsáveis de urgências hospitalares que, quando os visitamos - como este Grupo Parlamentar faz -, dizem que há um acréscimo de congestionamento das urgências por causa do encerramento dos SAP e da falta de resposta dos cuidados primários de saúde?

O que dizer também da questão das maternidades? Ouvimos, no último debate quinzenal, o Sr. Primeiro-Ministro dizer que seriam aplicados ao sector privado os mesmos critérios que foram aplicados ao sector público. Ora, isso significa que nenhuma das maternidades que está prevista e prometida por investimentos privados vai poder abrir porque nenhuma delas terá mais de 1500 partos. E, mais do que isto, significa que a esmagadora maioria das maternidades privadas neste País, talvez à excepção apenas de uma, terá de encerrar porque não tem 1500 partos por ano, como o Governo exigiu aos serviços públicos, mas não quer exigir aos serviços privados.

Veremos se o Primeiro-Ministro, que tão forte foi a encerrar serviços públicos, vai ter a mesma força para encerrar serviços privados, como aqui quis prometer no último debate quinzenal.

O nosso projecto de resolução propõe tão simplesmente que se pare para pensar. Propõe que o Governo apresente à Assembleia da República uma proposta de lei enquadradora daquela que deve ser a rede de cuidados de saúde e da rede de urgências, para que possamos discutir os princípios e os critérios e só depois partir para a definição da rede, propõe que, entretanto, se suspenda o processo de encerramentos e que se reabram aqueles que foram indevidamente encerrados.

É preciso dizer que, por todo o País, as populações querem esta suspensão e que o Governo vai falando em novo método, em novo ritmo, em garantia de alternativas, insinuando o fim do processo dos encerramentos, mas nunca se compromete com esse fim.

Em duas semanas, neste Plenário da Assembleia da República, o PCP proporcionou ao Governo e à maioria uma oportunidade para inverter as suas políticas: a semana passada, com as unidades de saúde familiares; esta semana, com a suspensão dos encerramentos das urgências. Mas se não aprovarem este projecto do PCP teremos de concluir que, na saúde, apesar da remodelação e do novo discurso, tudo ficará como dantes, em prejuízo das populações.

Já que a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta falou do Padre António Vieira, lembro que ele também dizia, no Sermão da Terceira Dominga do Advento, que «cada um é as suas acções e não outra coisa. Quando vos perguntarem quem sois ide ver a matrícula das vossas acções. O que fazeis, isso sois, e nada mais». Se o PS não quiser suspender este processo, é isso que o PS é: responsável pelos encerramentos e por deixar a população sem um Serviço Nacional de Saúde de proximidade!

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputado,

Se o assunto não fosse tão grave até tinha graça ouvir o partido que apoia a centralização dos serviços de saúde e a eliminação da proximidade das populações a acusar outro partido de centralismo!

Chego à conclusão, no fim deste debate, que o Sr. Deputado nem sequer leu o que propomos. É que não propomos qualquer abertura ou fecho. O que propomos, Sr. Deputado - veja bem! - é que se suspenda um processo; que o Governo apresente uma proposta com os critérios para que sejam construídas as redes de urgência e de serviços de saúde e o plano de investimentos plurianual para que eles sejam sustentados orçamentalmente; que sejam reabertos aqueles que entretanto foram encerrados e que não correspondam aos critérios discutidos e que esta discussão se faça não com base num critério economicista mas com base no critério do melhor serviço prestado às populações.

Não estamos a propor a nossa solução. Estamos a propor que este processo pare e que possamos todos discutir qual é a melhor solução.

Os senhores é que não querem isso, e registo que o Grupo Parlamentar do PS não tem qualquer expectativa em relação à nova equipa do Ministério da Saúde em matéria de encerramentos de urgências, porque o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves falou apenas aqui do pagamento dos transportes dos doentes, o quer dizer que as urgências vão continuar a encerrar e que a política do Governo vai continuar a ser feita.

Sr. Deputado, não nos imiscuímos na legitimidade de as autarquias fazerem protocolos com o Ministério da Saúde, mas aqui discutimos a política de saúde nacional e vamos discuti-la até ao fundo. Ora, o que acontece em muitos desses protocolos é que o Governo obriga as autarquias a trocar serviços de que precisam por outros de que também precisam, e essa não é uma boa política de saúde.

É curioso também que o Sr. Deputado tenha falado nas câmaras que fizeram protocolos mas não queira falar em todas as outras que não fizeram e cujas urgências, mesmo assim, foram encerradas. Esta é que é a realidade.

Sr. Deputado, pense bem: a forma serena de discutir esta questão é parar o processo, repito, parar, pensar, discutir os critérios e, depois, vermos qual é a rede de que precisamos para o nosso país.