Sobre a revisão da lei eleitoral
para a Assembleia da República
Declaração da Comissão Política
do Comité Central do PCP
8 de Abril de 1998
Em alternativa aos círculos uninominais
PCP apresenta projecto de reforço da
proporcionalidade do sistema eleitoral
1. Em contraste com a proposta de lei
eleitoral da responsabilidade do PS e com o projecto de lei eleitoral do PSD, agendado
para dia 23 de Abril, o PCP anuncia hoje a apresentação de um projecto de lei
eleitoral que se traduzirá em mais e não menos justiça na conversão de votos em
mandatos, não só para as diversas regiões do país mas também para os partidos e os
vários candidatos.
Assim, serão propostas essenciais a apresentar pelo PCP, para além de regras técnicas que a experiência tem
aconselhado:
A criação de um círculo nacional de 50 deputados, como factor de correcção adicional da proporcionalidade, de estímulo à
participação de todos, em especial dos que poderiam ser levados à abstenção por
entenderem que o seu voto não é «útil» ao nível regional, bem como de equilíbrio
global do sistema;
A adopção como círculos eleitorais do Continente da área das oito regiões administrativas já aprovadas na Assembleia da
República em vez dos actuais dezoito distritos, de existência constitucionalmente
transitória, alguns deles com escasso número de deputados e que praticamente excluem a
proporcionalidade;
A substituição do método de Hondt. como critério na repartição dos deputados pelos círculos regionais pelo método do
quociente simples e maior resto, com o objectivo de beneficiar os círculos de menor
dimensão e colocar fim a uma situação que prejudica o interior do País e beneficia os
maiores círculos;
A adaptação dos prazos à última revisão constitucional, o que conduz ao seu encurtamento;
A clarificação de que as regras gerais de protecção e garantia na campanha eleitoral são extensivas a todo o período após a
marcação de eleições, o que significa designadamente que as normas relativas à
neutralidade de entidades públicas e à proibição de abuso de poder não são
aplicáveis só no período da campanha eleitoral mas sim durante todo o processo
eleitoral.
A fixação do princípio de que os
partidos devem ter em conta na elaboração das suas listas a necessidade de favorecer o
objectivo de estimular a participação política das mulheres e combater
discriminações.
Ao apresentar um projecto de lei eleitoral
para a Assembleia da República o PCP acentua que este projecto é parte e é um
instrumento do combate a todas as propostas que procuram favorecer um rotativismo que
dificulte ao povo a conquista de verdadeiras alternativas a políticas contra as quais
queira manifestar o seu descontentamento.
2. A apresentação do projecto de lei
eleitoral do PCP não significa concordância nem com os pressupostos nem com o
calendário que o PSD e o PS acordaram. Com efeito, o PS e o PSD procuram de forma
inaceitável, acelerar o processo de alteração da lei eleitoral para a Assembleia da
República explorando a fundo as negativas possibilidades abertas (não a obrigatoriedade)
pela revisão constitucional que entre si negociaram.
O primeiro passo deste precipitado processo
foi a apresentação na Assembleia da República pelo Governo e pelo PSD de projectos de
lei que, em rigor, nem deveriam ter sido admitidos uma vez que, propondo a criação de
círculos uninominais, não apresentam uma proposta de delimitação dos próprios
círculos, o que aliás não seria possível sem estar completa a actualização do
recenseamento, sendo intolerável o expediente de a remeter para anexos a entregar em
momento ulterior.
O segundo passo foi o agendamento
potestativo do debate parlamentar para o dia 23 de Abril pelo PSD, havendo a previsão de
que o Governo poderá incluir a sua proposta de lei para debate no mesmo dia.
Face a esta visível aceleração do
processo, o PCP considera oportuno reafirmar a sua frontal oposição quer à criação de
círculos uninominais proposta pelo PS e PSD, quer a redução do número de deputados
exigida pelo PSD e em relação à qual continua a não haver qualquer garantia segura de
que não será aceite pelo PS, contrariando o que este partido publicamente prometeu
durante o processo de revisão constitucional em que foi aberta uma tal possibilidade.
O PCP salienta uma vez mais que a criação
de círculos uninominais na versão proposta pelo PS e PSD, ainda que não afectando
formalmente a conversão de votos em mandatos, visa afectar os comportamentos
eleitorais, alterando artificialmente o número de votos de cada Partido que haverá para
converter.
O PS e o PSD procuram, para além de uma
bipolarização a nível nacional, apresentando para tal como instrumento a inexistente
figura dos candidatos a Primeiros Ministros, uma bipolarização a nível local com os
candidatos de círculo uninominal.
A disputa de uma eleição específica a
nível de cada círculo uninominal, a ter expressão, conduz ao desenvolvimento paralelo
de campanhas a nível nacional e de dezenas de campanhas de cada círculo local, com
consequências previsíveis numa grande escalada de despesas eleitorais dificilmente
controláveis, com um possível crescimento da dependência das relações entre algumas
candidaturas e o poder económico. As projecções feitas a partir das hipóteses de
círculos eleitorais conhecidos e que foram elaboradas por solicitação do Governo
apontam todas, aliás, para os candidatos uninominais vencedores serem todos do PS e do
PSD, com tendência para o partido que obtém a maioria ficar também com a quase
totalidade dos deputados dos círculos.
Estas tendências de monopolização de
deputados dos círculos uninominais pelo PS e PSD e de quase monopolização pelo partido
do poder poderão ser agravadas com a alteração dos comportamentos eleitorais que os
novos sistemas propostos pretendem induzir. Com efeito, e apesar de quer o PS quer o PSD
afirmarem que os sistemas eleitorais que propõem reforçam a proporcionalidade prevendo
um círculo nacional e maiores círculos de apuramento, a verdade é que os círculos
uninominais, mesmo sendo de candidatura, têm o objectivo essencial de bipolarizar
artificialmente os comportamentos eleitorais e, acima de tudo, favorecer o partido do
poder. Os dois partidos, aliás, encarregar-se-iam certamente, se as suas propostas fossem
aprovadas, de completar a apresentação da inexistente figura dos «candidatos a
Primeiros Ministros» com campanhas em torno da afirmação de que são os únicos
candidatos «úteis» a nível local, designadamente devido à sua possível relação
futura com o poder.
Os candidatos locais eleitos, aliás, não
serão representantes de toda a população de círculo. Em boa verdade serão, muitas
vezes, representantes de uma minoria, correspondente à maioria relativa que tiver votado
no deputado eleito, deixando muitos e muitos milhares de eleitores sem representação e,
do ponto de vista das suas impressões e sentimentos, mais longe da Assembleia da
República e dos deputados. Assim, estas propostas têm essencialmente o efeito de tentar
bipolarizar os comportamentos eleitorais e, ao contrário do que proclamam, afastam os
eleitores dos deputados. Com efeito, na maior parte dos círculos uninominais apenas
seriam eleitos deputados afectos ao poder, assim transformados em procuradores de
clientelas locais junto da Administração Central.
Não se entende, de resto, a razão que
leva o PS e o PSD a não aplicar um sistema como o de círculos uninominais, supostamente
com tantas vantagens, às regiões autónomas dos Açores e da Madeira, abrindo assim
caminho à existência de mais do que um sistema no mesmo País.
4. A redução do número de deputados
proposta pelo PSD vem na esteira da anterior redução acordada, e que teve por manifesto
e confessado propósito reduzir a proporcionalidade prejudicando em especial o PCP e a sua
capacidade de intervenção parlamentar e partidos de votação intermédia e favorecendo
os partidos «centrais». Foi também afectada a representação do interior do país.
A redução do número de deputados e o
processo de desertificação, aliás, traduziram-se numa forma de alteração de facto do
sistema eleitoral, diminuindo seriamente o índice de proporcionalidade do actual sistema.
Com efeito, tornou-se cada vez menor a relação entre a percentagem de votos e a
percentagem de deputados obtidos por cada partido, em prejuízo do PCP e CDU e do PP e em
benefício do PS e PSD. Estes partidos tentaram, aliás, em múltiplos círculos, levar
mais e mais longe a bipolarização artificial apelando ao que chamavam «voto útil» dos
eleitores, que seriam assim obrigados a escolher um menor dos males contra a sua vontade.
Este facto é tanto mais inaceitável e contraditório quanto, além de visar a
bipolarização e viabilizar políticas de direita, a proporcionalidade se manteve sempre
como um limite material da revisão constitucional, como característica e pilar que é do
nosso sistema político-constitucional democrático.
5. Recordando que com apenas 13 deputados,
o Grupo Parlamentar do PCP, é uma vez mais o que apresenta um maior número de projectos
de lei e iniciativas parlamentares, talvez seja justo observar que em vez de haver
deputados a mais, o que antes pode acontecer é que haja partidos que têm deputados a
mais para o trabalho que desenvolvem e partidos como o PCP que tem deputados a menos para
o trabalho que realizam, questão que os eleitores devem ponderar e ajudar a atenuar.
6. O PCP salienta que não é nos
argumentos que o PS e PSD usam para alterar o sistema eleitoral vigente (que o PS pretende
mudar significativamente apesar de repetidamente afirmar que «provou bem») que radicam
os factores de distanciamento dos deputados face aos eleitores mas sim na falta de
respeito pelos compromissos assumidos perante o eleitorado e num conjunto de práticas e
opções políticas que descontentam importantes camadas da população, em especial as
mais carecidas.
7. Entretanto, foi considerando a
necessidade de uma activa intervenção neste processo e que existem aspectos do sistema
eleitoral vigente que carecem de ser aperfeiçoados, que a Comissão Política do PCP
encarregou o Grupo Parlamentar do PCP de apresentar proximamente na Assembleia da
República um projecto de lei visando reforçar a proporcionalidade do sistema eleitoral
da Assembleia da República com base nas orientações referidas. Com esta apresentação,
o PCP reforça as condições da sua intervenção no debate desta questão e no
combate às propostas do Governo do PS e do PSD e faz a demonstração concreta do que é
possível fazer corresponder melhor o número de deputados eleitos aos votos que
efectivamente receberam.
O PCP entende que a orientação
fundamental das eventuais alterações do sistema deveriam sempre ser no sentido de tornar
mais proporcional o sistema eleitoral e não no sentido de degradar ainda mais a
proporcionalidade.
O projecto de lei do PCP assentará na
ideia de que a eventual revisão da lei actual não pode nem deve orientar-se para afectar
a proporcionalidade, seja actuando directamente na conversão de votos em mandatos, seja
actuando na dimensão dos círculos, seja procurando actuar nos comportamentos eleitorais,
de modo a torná-los bipolarizadores.
8. O PCP apela para que se desenvolva um
amplo movimento de opinião que faça frente à demagogia com que o PS e PSD têm abordado
esta questão e que defenda a democracia e a proporcionalidade na conversão de votos em
mandatos, bem como o carácter genuíno da representação política.
Quadros e números
Percentagem de deputados perdidos por cada partido ou coligação com
a redução do número de deputados de 250 para 230 (Revisão de 1989)
|
PSD
|
6,0%
|
PS
|
6,7%
|
CDU
|
16,1%
|
CDS
|
25,0%
|
Percentagem de votos necessária para eleger o primeiro deputado em alguns círculos eleitorais (1995)
|
Beja |
15,70
|
Bragança |
20,15
|
Castelo Branco |
16,05
|
Évora |
20,10
|
Faro |
9,70
|
Guarda |
19,95
|
Leiria |
8,66
|
Portalegre |
23,40
|
Viana do Castelo |
12,90
|
Vila Real |
15,34
|
Viseu |
9,80
|
Açores |
15,93
|
Madeira |
15,33
|
Círculos eleitorais em que a CDU não obteve deputados em 1991 e 1995 e percentagens obtidas
|
|
1991
|
1995
|
Aveiro
|
2,8
|
2,7
|
Braga
|
4,6
|
4,5
|
Bragança
|
2,1
|
1,9
|
Castelo Branco
|
4,6
|
3,5
|
Coimbra
|
5,0
|
5,1
|
Faro
|
7,2
|
7,8
|
Guarda
|
2,3
|
2,3
|
Leiria
|
4,5
|
4,5
|
Portalegre
|
15,2
|
14
|
Viana do Castelo
|
5,0
|
4,5
|
Vila Real
|
2,6
|
1,9
|
Viseu
|
2,1
|
1,8
|
Açores
|
1,3
|
1,7
|
Madeira
|
1,0
|
1,3
|
Percentagem de votos e mandatos dos partidos com representação parlamentar (*)
|
|
|
Com a lei actual
|
Com a proposta do PCP
|
|
% Votos
|
% Deputados
|
% Deputados
|
PS
|
43,8
|
48,3
|
47,8
|
PSD
|
34,0
|
37,0
|
37,8
|
CDS
|
9,1
|
6,5
|
6,5
|
CDU
|
8,6
|
6,5
|
7,8
|
(*) Estes cálculos não
podem ter em conta, como é óbvio, previsíveis alterações de
comportamentos eleitorais devido à alteração do sistema (em particular
o círculo nacional).
|
Número de deputados actual por regiões e segundo a proposta do PSD de redução de deputados
|
|
AR 95
|
Projecto do PSD
|
|
Eleitores
|
Mandatos
|
Mandatos
|
Eleitores p/ Mandato
|
Aveiro
|
539.057
|
14
|
6
|
89.843
|
Beja
|
151.016
|
4
|
1
|
151.016
|
Braga
|
640.514
|
16
|
7
|
91.502
|
Bragança
|
154.459
|
4
|
1
|
154.459
|
Castelo Branco
|
202.995
|
5
|
2
|
101.498
|
Coimbra
|
380.227
|
10
|
4
|
95.057
|
Évora
|
151.035
|
4
|
1
|
151.035
|
Faro
|
309.018
|
8
|
3
|
103.006
|
Guarda
|
176.818
|
4
|
1
|
176.818
|
Leiria
|
374.257
|
10
|
4
|
93.564
|
Lisboa
|
1.877.610
|
50
|
20
|
93.881
|
Portalegre
|
115.402
|
3
|
1
|
115.402
|
Porto
|
1.405.730
|
37
|
15
|
93.715
|
Santarém
|
396.918
|
10
|
4
|
99.230
|
Setúbal
|
636.420
|
17
|
7
|
90.917
|
Viana do Castelo
|
225.309
|
6
|
2
|
112.655
|
Vila Real
|
224.022
|
5
|
2
|
112.011
|
Viseu
|
357.660
|
9
|
4
|
89.415
|
Açores
|
188.327
|
5
|
5
|
37.665
|
Madeira
|
206.959
|
5
|
5
|
41.392
|
Total de votos da CDU nas eleições legislativas de 1995 nos círculos eleitorais em que não elegeu deputados
|
Aveiro
|
10.522
|
Braga
|
20.584
|
Bragança
|
1.746
|
Castelo Branco
|
4.771
|
Coimbra
|
12.947
|
Faro
|
15.487
|
Guarda
|
2.602
|
Leiria
|
11.087
|
Portalegre
|
11.482
|
Viana do Castelo
|
6.614
|
Vila Real
|
2.567
|
Viseu
|
3.887
|
Açores
|
1.855
|
Madeira
|
1.737
|
Total
|
107.888 |
|