Seminário
África - Desafios do desenvolvimento, do progresso social e da soberania.
A denúncia do neocolonialismo, outra visão para as relações com África
Resumo
A África é um
continente rico em recursos naturais que como tal tem sido espoliada ao longo
de séculos. Em particular, este continente detém cerca de um décimo das
reservas mundiais de petróleo e de gás natural, e presentemente satisfaz quase
um décimo dessa produção mundial. É em resultado do muito baixo nível de
consumo doméstico que a África dispõe de excedentes importantes para exportação,
e poderá continuar a sê-lo até cerca 2030, mas a ritmo decrescente por força da
exaustão desses recursos.
A África atrai a
gananciosa atenção das potências político-económicas dependentes de recursos
energéticos, nomeadamente a União Europeia, os EUA e a R.P. China. Mas não
podemos ignorar que se a África tivesse um consumo doméstico quatro ou cinco
vezes superior, ao nível dos países de rendimento médio, absorveria totalmente
a produção e não teria excedentes. A África é pois cobiçada pelo imperialismo
enquanto simultaneamente rica (em recursos) e pobre (em nível de vida dos seus
habitantes).
A continuada
corrida aos recursos naturais para exportação pode ser um caminho sem retorno,
na medida em que a África acabará despojada de recursos escassos fundamentais
ao seu desenvolvimento económico futuro, como são o petróleo e o gás natural,
desse modo ficando em causa a viabilidade de prosseguir para etapas superiores
de valorização industrial das suas próprias matérias-primas. Uma janela de
oportunidade no tempo, que se abriu após a libertação nacional, ameaça estar em
vias de fechar-se.
I
A África é habitada por uma
população de cerca de 900 milhões de pessoas, em quase 50 países, delimitados
por fronteiras que são herança artificial das administrações coloniais
Europeias instaladas nos finais do século XIX.
A estrutura social do continente
é de extrema assimetria, desde populações carentes enfrentando a fome e doença,
e a instabilidade ou turbulência social, até elites ricas e senhores da guerra,
apoiados por ligações neocoloniais, económicas ou militares, cujos rendimentos
geralmente derivam da exploração e exportação de recursos naturais os mais
diversos, dos quais corporações nacionais ou transnacionais retiram enormes
proveitos.
A França e o Reino Unido, enquanto antigas potencias
colonizadoras sobre vastos territórios Africanos, e potencias político
económicas no núcleo federalista da União Europeia, têm procurado fazer
persistir os seus antigos privilégios, e mantêm activa presença, económica,
diplomática e militar em África, a qual se reflecte e condiciona o presente
relacionamento da União Europeia com a União Africana e respectivos estados
membros.
I I
A África tem sido um importante produtor de várias
matérias-primas de elevado valor industrial. Para mencionar apenas alguns
produtos de maior valor económico ou tecnológico, e os seus maiores produtores
neste continente: Diamantes (na Botswana, R.D. Congo, R. Sul-Africana e
Angola); Ouro (R Sul-Africana, Ghana, Mali, Tanzânia); Platina e afins (R.
Sul-Africana); Tântalo e Nióbio (R. Sul-Africana, Moçambique, Ruanda); Urânio
(Níger, Namíbia); Fosfatos (Marrocos, R. Sul-Africana, Tunísia); Cobre (Zâmbia,
R. Sul-Africana, R.D. Congo, Botswana).
Quanto a hidrocarbonetos, este
continente detém cerca de um décimo das reservas mundiais de petróleo e de gás
natural, e presentemente satisfaz quase um décimo da produção mundial,
destinada na larga maioria à exportação. A produção passada e a projectada de
petróleo convencional em África ascende a um produção última de 180 biliões de
barris, dos quais aproximadamente metade já foi extraída até à data, a metade
restante a ser extraída no futuro. Os quatro maiores produtores são a Líbia,
Nigéria, Argélia e Angola, membros da OPEP, que conjuntamente detêm 80% da
produção futura estimada. Outros produtores, por ordem decrescente de
capacidade, são o Egipto, Gabão, R.P. Congo, Sudão, Tunísia, Chade e Camarões.
A produção iniciou-se na década
de 30, mas só na década de 60 acelerou, quando os grandes reservatórios da
Líbia entraram em produção. Na década de 70 a produção foi reforçada com a
exploração de grandes reservatórios na Nigéria e Argélia, mais a contribuição
de pequenos produtores, atingindo-se um pico de produção em 1979, com 6,7
milhões de barris/dia. Sob o impacto do segundo choque petrolífero e o
constrangimento de quotas da OPEP, a produção Africana decaiu então, para
retomar o seu crescimento e atingir um pico global em 2006, com 7,8 milhões de
barris/dia. A produção futura estima-se que declinará à taxa de 3% ao ano,
vindo a reduzir-se a menos de metade daquele valor máximo por volta de 2030,
reflectindo a exaustão dos maiores reservatórios.
A África detém também recursos de hidrocarbonetos no
offshore profundo do Golfo da Guiné, especialmente ao largo das costas da
Nigéria e de Angola, que estão ainda em fase de exploração ascendente. A
produção destes reservatórios crescerá rapidamente, mas para atingir seu máximo
já cerca de 2012, com 4 milhões de barris por dia, e declinar subsequentemente,
chegando a 2030 quase esgotados.
A África também detém depósitos importantes de gás
natural, na Argélia, Nigéria, Egipto e Líbia, e mais outros depósitos menores.
As reservas conjuntas ascendem ao equivalente a 46 biliões de barris de
petróleo.
Tomada conjuntamente, a produção Africana de
hidrocarbonetos líquidos (petróleo convencional e do offshore profundo mais gás
natural liquefeito) prevê-se atinja o seu máximo ao nível de 12 milhões de
barris/dia, por volta de 2012, um futuro muito próximo portanto, para depois
declinar rapidamente para metade, cerca de 2025. Esta é uma janela estreita não
só de afluência para a indústria petrolífera mas também de oportunidade de
desenvolvimento dos países exportadores, que seria essencial não ser
desperdiçada, porque irrepetível.
No que respeita ao consumo de hidrocarbonetos, à parte
alguns poucos países com actividade industrial transformadora já importante e
algumas grandes metrópoles, a África tem um nível de consumo muito baixo, em
consonância com a pobreza extrema da larga maioria da sua população. O consumo
interno de petróleo foi 2,5 milhões de barris de petróleo/dia em 2006, o que
corresponde a cerca de um barril/ano per capita, muitas vezes inferior ao de
países industrializados, comparável ao nível de consumo na Indonésia e na
Índia.
Por outro lado, não podemos
ignorar que os países Africanos importadores de petróleo enfrentam dificuldades
crescentes em consequência da escassez progressiva de produção de petróleo no
plano global e crescente agravamento do seu preço. Os mais duramente atingidos
são os mais pobres. Por exemplo, o défice orçamental do Senegal duplicou em
2006, a inflação acelerou, a taxa de crescimento abrandou, e a industria
petroquímica nacional foi forçada a encerrar por longos períodos, na medida em
que o preço do petróleo subiu no mercado internacional. Este cenário
preocupante multiplica-se silenciosamente ignorado, por outros países em África
e no mundo, porque não afecta os ricos.
Consequentemente, dada o muito baixo nível de consumo
doméstico face à sua produção, a África é um importante exportador líquido para
o mercado mundial; e, a manter-se o crescimento do consumo doméstico próximo de
3% ao ano, observado ao longo das quatro últimas décadas, continuará a ser uma
região exportadora até 2030, ou mais além, embora a um ritmo irreversivelmente
decrescente. Assim se compreende que a África atraia a ambiciosa atenção das
potencias político-económicas dependentes de recursos energéticos, nomeadamente
os EUA, a União Europeia e a R.P. China.
Mas todos nós devemos ter consciência que se a África
tivesse um consumo doméstico quatro ou cinco vezes superior, meramente ao nível
dos países de rendimento médio, absorveria totalmente a sua capacidade de
produção de hidrocarbonetos, e não teria excedentes para exportação. Ou seja, a
África é cobiçada pelo imperialismo enquanto simultaneamente rica (em recursos)
e pobre (em nível de vida dos seus habitantes), e para o imperialismo é
necessário que assim seja, em contradição com as aspirações legítimas dos
Africanos.
III
Entre 1965 e 1999 registaram-se 73 guerras civis no mundo,
a larga maioria movidas pela ganância capitalista em controlar recursos
naturais tais como petróleo, diamantes, madeiras, etc. Verifica-se que países
que foram conduzidos a especializarem as suas exportações em um ou dois
produtos apenas, dentro da divisão internacional do trabalho forçada pelo
imperialismo, têm uma probabilidade superior a 1 em 5 de se verem envolvidos em
guerra civil, uma proporção muito maior do que a que se verifica em países que
diversificam o seu comercio externo num espectro largo de produtos. O
envolvimento directo de interesses económicos exteriores é um factor de
conflito evidente. As "guerras por recursos", com impacto devastador sobre as
populações civis, tornaram-se frequentes ao longo do século XX, na etapa
imperialista do capital.
Muitas dessas guerras ocorreram ou ocorrem em África.
Milhões de pessoas morreram de fome, doença ou assassinadas, enquanto guerras
pelo controlo de explorações de petróleo, diamantes, cobre, tântalo, e outros
produtos minerais, tornaram impossível sustentar condições de subsistência e de
progresso social. Países que tiveram a sua economia focalizada na exportação de
petróleo (como a Nigéria, Gabão, Sudão, Congo, Guiné Equatorial e Chade)
registam uma longa história de conflitos, golpes e regimes militares.
No Congo, um dos
países mais rico do planeta, estão estacionadas tropas de meia dúzia de países
estrangeiros, apoiando diversas facções que lutam pelo controlo de ricas jazidas
de ouro, diamantes, cobre, cobalto, e tântalo/nióbio. Não obstante produzir
essas riquezas e ser também o sétimo produtor de petróleo em África, o Congo
carrega uma dívida externa e encontra-se paralisado quase no fim da escala do
índice de desenvolvimento humano.
Angola, o quinto
maior produtor de petróleo no continente, só recentemente iniciou a recuperação
de uma longa guerra civil apoiada por potencias estrangeiras, subsequente à
guerra de libertação nacional, guerra civil em que facções ilegítimas saquearam
recursos preciosos como diamantes e marfim para venda no estrangeiro em troca
de armamentos. Perto de um milhão de pessoas perderam a vida e 40% da população
foi deslocada. Apenas uma pequena fracção das presentes receitas geradas pela
petrolífera nacional é efectivamente aplicada ao desenvolvimento do país no
benefício do seu povo.
Na Nigéria,
excepcionalmente rica em hidrocarbonetos, o ambiente no Delta do rio Níger está
sendo degradado para além de recuperação possível e os recursos vão sendo
exauridos, enquanto as populações não só não beneficiam de progresso nas suas
condições de vida, como são alvo de violência e morte por parte de exércitos
mercenários ao serviço das petrolíferas.
Na Guiné
Equatorial, um terço da população foi ou aniquilada ou forçada ao exílio.
Recebe anualmente meio bilião de dólares em rendas do petróleo, pelo que figura
em quarto lugar na escala mundial em receita per capita, todavia encontra-se
relegada para o fim da escala do índice de desenvolvimento humano.
Novos produtores
de petróleo, tais como o Sudão e o Chade, são novas oportunidades para a
voracidade das petrolíferas investirem e extraírem grossos proveitos. A capital
Cartum cresce exuberante de arranha-céus e hotéis de luxo financiados pelas
receitas do petróleo, enquanto, carentes de recursos básicos, a equidade e a
reconciliação continuam longe de ser alcançadas pela população no Darfur. Isto
sucede em paralelo com a imposição de sanções pela União Europeia e os EUA,
oficialmente visando pressionar o governo a promover as condições para a paz,
mas visando de facto justificar o avanço de tropas e bases estrangeiras na
região, para supostamente apaziguarem o conflito. Do outro lado dessa fronteira
permeável, o governo do Chade aplica boa parte das receitas do petróleo na
aquisição de armamentos, em vez de desenvolver as infra-estruturas mais básicas
do país.
Quase cada país
Africano é um caso de estudo na sinistra lista de exemplos de "guerras por
recursos". A África sangra, apesar das suas abundantes riquezas naturais e
culturais, constrangida às ordens das instituições financeiras mundiais;
explorada e espoliada por investimento estrangeiro neocolonialista; manipulada
pela interferência externa, aberta ou disfarçada à sombra de ajuda humanitária
ou de ajuda ao desenvolvimento; violentada por conflitos armados travados com
armamentos adquiridos em troca de matérias-primas e materiais preciosos, do
mesmo passo perdendo o sangue e dissipando o suor dos seus povos.
IV
É provável ou mesmo inelutável
que a África continuará a ser alvo de cobiça e de saque mais ou menos
violentos, em vista das importantes reservas de diversos produtos minerais de
alto valor ainda por desenvolver ou extrair. Movimentações invasivas por parte
de potências externas, para alem dos antigos colonizadores Europeus que aí
detêm ainda importante influência, ganharam vulto a ritmo acelerado durante a
última década, nomeadamente por parte dos EUA, União Europeia, e R.P. China. O
mapa em rápida mutação de conexões externas, civis e militares, e de contratos
de investimento externo demonstra bem a diligência com que os mais poderosos
protagonistas mundiais estão a competir pelo petróleo e outras matérias-primas
escassas, de que a economia moderna dos países mais desenvolvidos depende para
a sua própria sobrevivência.
Para África, a presente corrida
aos recursos naturais com destino à exportação pode ser um caminho sem retorno,
na medida em que acabe por ficar despojada de recursos escassos, fundamentais
ao seu desenvolvimento económico futuro, como são os hidrocarbonetos - petróleo
e gás natural, desse modo ficando fortemente ameaçada a viabilidade de
prosseguir para etapas superiores de valorização industrial das suas próprias
matérias-primas. Há uma janela de oportunidade no tempo, que se abriu logo após
a libertação nacional, mas que já está em vias de fechar-se.
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