Partido Comunista Português
Debate sobre estratégia de Lisboa na Conferência de Presidentes aberta
Intervenção de Ilda Figueiredo
Quarta, 21 Janeiro 2004

Hoje está claro que as contradições fatais da chamada estratégia de Lisboa impediram que se desse qualquer passo no sentido de atingir o ambicioso objectivo para a Europa, lançado há cerca de quatro anos, apontando para o aparecimento, em 2010, do "espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo, baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com mais coesão social".

É que no seu bojo estavam dois objectivos centrais para os grupos económicos e financeiros da União Europeia - a liberalização de sectores básicos e a flexibilidade dos mercados de trabalho - que, a concretizarem-se, necessariamente iriam impedir o objectivo tão propagandeado do espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo, da criação de mais e melhores empregos e de mais inclusão social. Mas foram apenas esses - os ojectivos das liberalizações e da flexibilidade - que avançaram.

Por exemplo, para se atingirem as metas de emprego então apontadas, era necessário criar mais 15 milhões de empregos de qualidade até 2010. Mas, até agora, o escasso emprego criado foi precário e insuficiente para compensar o desemprego, que não cessa de crescer, como em Portugal.

A obsessão neoliberalizadora em que entraram os dirigentes da União Europeia, que tem levado ao desmantelamento sucessivo de sectores públicos básicos e fundamentais para a inovação, para aprofundar a investigação e colocar o conhecimento ao serviço do bem comum, só podia ter o resultado que já é visível - mais desigualdades, menor coesão económica e social e continuação do deficiente investimento na investigação científica, na educação, na formação e na cultura.

A sacralização do mercado, a flexibilidade das leis laborais e a subordinação à concorrência para servir exclusivamente os interesses lucrativos dos grupos económicos e financeiros das multinacionais, de que o Pacto de Estabilidade e os seus estúpidos critérios de convergência nominal têm sido instrumento privilegiado, em que Portugal é exemplo, só podia conduzir à estagnação, ao marasmo, à recessão económica, a empregos mais precários e a um ataque, sem precedentes nas décadas recentes, aos direitos fundamentais dos trabalhadores e aos serviços públicos essenciais, piorando a qualidade de vida da maioria da população, mantendo níveis muito elevados de abandono escolar precoce, que, em Portugal é superior a 45%, e aumentando a pobreza e a exclusão social.

Assim, o que se impõe, não é insistir no mesmo caminho. Há que inverter o sentido da estratégia seguida. Acabar com as liberalizações, privatizações e desmantelamento dos serviços públicos. Pôr fim aos critérios irracionais do Pacto de Estabilidade. Cessar os ataques aos direitos dos trabalhadores e à segurança social. Não insistir no aumento da idade da reforma. Apostar no investimento público e numa nova dinâmica económica e social só possível com a participação e a dignificação de quem trabalha. Dar maior atenção às pequenas e médias empresas e ao sector social da economia. Concretizar a prioridade aos jovens, à educação, à formação e à investigação e considerar a inclusão social como uma prioridade fundamental.

Com o alargamento a mais dez países, cujos rendimentos, em média, são inferiores a 50% da média comunitária do PNB, mais urgente se torna esta mudança de sentido das políticas europeias, designadamente da chamada estratégia de Lisboa, mas também se impõe reforçar as perspectivas financeiras e o orçamento comunitário para garantir uma verdadeira política de coesão social, como ainda esta semana se exigiu no Fórum Social Mundial, em Bombaim, na Índia.

Assim, a questão que se coloca é saber até onde a Comissão Europeia, o Conselho e os Governos dos Estados Membros estão disponíveis para rever as suas políticas visando dar prioridade à Europa social, às pessoas, à melhoria do bem estar colectivo, parando com as liberalizações, acabando com os critérios irracionais do Pacto de Estabilidade e apostando no investimento público para relançar a economia.

Não bastya propagandear estas propostas nas campanhas eleitorais. É preciso apontar as medidas concretas. E a pergunta que coloco é esta: onde estão estas medidas?